Regras mais rígidas da União Europeia sobre origem sustentável de commodities pode fazer Brasil perder mercado já em 2025

A análise foi feita pela consultoria do BCG, sobre um estudo realizado pelo IPEA, onde elenca as principais regulações estabelecidas pelo bloco europeu e seus respectivos impactos. A União Europeia é o segundo maior destino das exportações brasileiras.

 

Por Humberto Azevedo

 

As regras mais rígidas implantadas pela União Europeia (UE) sobre a origem sustentável das commodities podem fazer com o Brasil perca mercado já em 2025. Pelo menos, é o que aponta uma análise feita pela consultoria do “Boston Consulting Group” (BCG) sobre um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que elencou as principais regulações estabelecidas pelo bloco europeu com os seus respectivos impactos. A UE é o segundo maior destino das exportações brasileiras, representando 13,6% do total exportado em 2023.

 

Os princípios regulatórios promovidos pela UE define que qualquer um que exporte, ao bloco formado pelos países europeus, precisará se adequar a novas exigências, dentre elas para o “Carbon Border Adjustment Mechanism” (CBAM – sigla em inglês), que impõe um mecanismo de taxação de carbono aduaneiro para produtos que chegarem ao bloco econômico europeu. Na prática, quem vender commodities agrícolas e produtos industriais intensivos com alto índice de carbono na sua cadeia produtiva, como aço, alumínio e produtos químicos, terá que pagar uma taxa extra sobre as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).

 

A medida entra em vigor a partir de 2026, mas para conter o desmatamento no planeta, o órgão ligado à UE sobre o tema, dispõe de uma lei aprovada no último mês de junho e que começa a valer já em 1º de janeiro de 2025, na qual fica proibido a comercialização de commodities oriundas de de áreas de desmatamento. Este novo regramento impacta diretamente os exportadores de commodities de borracha, cacau, café, gado, madeira, óleo de palma e soja, bem como os que vendem produtos derivados desses itens, como por exemplo produtos à base de carne, couro, chocolate, café, nozes de palma, derivados de óleo de palma, glicerol, produtos de borracha natural, soja, farinha e óleo de soja, lenha, produtos de madeira, celulose e papel, livros impressos.

 

Esta iniciativa tem como lógica iniciar um período de transição para forçar com os importadores da UE tenham que reportar o total de emissões de gás carbônico (CO2e) equivalente embutidos nos produtos adquiridos. “O CBAM cria uma taxação a partir de 2026, mas já em 2024 [começou] a fase de contabilização das emissões”, informa Arthur Ramos, diretor executivo e sócio da consultoria BCG. Assim, “o registro e o pagamento serão obrigatórios daqui a dois anos. (…) A regulação visa equalizar a situação das importações com a do produtor europeu, que tem a taxação de carbono local”, explica.

 

A análise realizada, ainda, pelo BCG aponta que o novo regramento da UE com relação à questão ambiental pode causar uma profunda transformação no comércio global. A avaliação é que isso deve impactar direta e indiretamente grande parte dos setores exportadores, principalmente os de mercados como o Brasil – que se destaca como um dos principais, senão o principal exportador de matérias-primas “in natura” atualmente denominadas de commodities. As exportações brasileiras à UE só ficam atrás da China, que representou, em 2023, 31,1% do total exportado. O Brasil é o nono país que mais vende para a UE.

 

Arthur Ramos, do BCG, afirma também que o volume da exportação brasileira de matérias-primas como o aço e o minério de ferro  para a UE não é tão significante quanto os produtos agrícolas, que podem, sim, ser afetados negativamente. “Mais preocupante é a proibição de commodities em áreas passíveis de desmatamento, essas, dada a relevância do Brasil no comércio mundial, serão mais impactadas”, comentou.

 

COMBATE AO DESMATAMENTO

 

A análise do BCG ao estudo do IPEA detalhou, ainda, que os produtos exportados só poderão ser comercializadas se forem provenientes de solo não desmatado (legal ou ilegalmente), ou que não tenham induzido a degradação florestal depois de 31 de dezembro de 2020. “Vai cair muito em cima da soja, como principal produto de certificação e também por ser plantada em algumas áreas passíveis de desmatamento. Mas também terá impacto no café e outros itens”, detalha Arthur Ramos.

 

Para produtos agroindustriais, como biocombustíveis, processados de alimentos – incluindo as carnes – e até as indústrias que utilizam as matérias-primas, como a de cosméticos e farmacêuticos, em última instância, também podem ser cada vez mais demandadas para rastrear a cadeia. O dirigente do BCG reitera que, para minimizar as perdas, os exportadores precisam investir mais em sistemas de rastreabilidade, transparência e processos que permitam atender às certificações exigidas.

 

Entretanto, a rastreabilidade esbarra na complexidade da execução do monitoramento em toda a cadeia, em especial as mais longas, como a da carne bovina (do criador ao importador), e as que atuam em grandes territórios. A padronização é outro obstáculo, por conta da falta de uniformidade nas exigências de emissões entre países europeus, Brasil e outros destinos.

 

“Já vemos uma evolução neste sentido, mas é importante que o mercado siga progredindo em relação a práticas de controles e procedimentos, gestão de riscos e compliance (…) O custo de implementação é alto em setores muito descentralizados. E se a empresa se propor a fazer, não tem como fazer sobre metade do rebanho, é preciso fazer completo”, destacou.

 

NOVOS DESAFIOS

 

Alguns segmentos já têm experiências positivas, ainda que em pequena escala, como o setor têxtil com a rastreabilidade do algodão. O dirigente do BCG lembra que o setor agrícola ainda vai enfrentar novos desafios. Segundo ele, também será imposto mais um debate sobre o uso da terra para alimentos versus combustíveis, visto que muitos biocombustíveis produzidos no país são feitos com materiais que não são necessariamente alimentos, mas têm alto valor energético, como óleo de palma e macaúba.

 

Além disso, a UE já estabeleceu desde 2024 a introdução de limites de emissões de GEE ao setor de transporte marítimo. Isso significa que o combustível utilizado pelas embarcações marítimas terá que ser oriundo de matriz renovável já em 2025 2%, chegando até 2050 em 80%. Isso poderá colocar o Brasil numa berlinda, entre produzir grãos para commodities ou migrar sua produção para abastecer as usinas de etanol e biocombustíveis.

 

DIREITOS HUMANOS

 

Outra exigência que passa a vigorar na UE refere-se a uma adoção de uma auditoria de “boas práticas” para atestar que os direitos humanos estão sendo respeitados pelos fornecedores. Em complemento a isso, no ano passado, a Alemanha adotou uma legislação que torna obrigatório às empresas com mais de três mil funcionários a fazer a devida diligência de direitos humanos nas suas operações, assim como comprovarem comprometimento dos fornecedores.

 

Da mesma forma, a UE também terá regras mais rígidas que poderão excluir as exportações que tiverem conexões com o trabalho forçado e laboro infantil, poluição causada por exploração petrolífera e despejos forçados. A decisão alemã se junta a França, Noruega, Holanda e Suíça – que já aplicam estas regras. Para que as exportações sejam regularizadas e retornadas, esse conjunto de países europeus passaram a exigir a apropriação de terras daqueles que cometerem esses crimes. 

 

Com informações do Prática ESG do jornal Valor Econômico.

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