Na esteira dessa preocupação o Conselho Nacional de Justiça está discutindo a adoção de um protocolo para julgamento com perspectiva racial
A governança inclusiva tem sido a preocupação estratégica de empresas e instituições nos últimos anos. Buscam compreender a diversidade como um ativo e a torna diretamente relacionada com a qualidade dos resultados perseguidos. No âmbito do Poder Judiciário, a qualidade da jurisdição não deve estar atrelada apenas com sentenças proferidas tempestivamente e bem fundamentadas. A resolução dos conflitos sociais demanda para além de um devido processo legal constituído por conjunto de requisitos ritualísticos.
Não se alcança a legitimidade do procedimento sem que possa arrebatá-lo de um formalismo com falsas pretensões de ser moralmente neutro. A hermenêutica regida pelo postulado da igualdade formal universalista fecha as portas do Judiciário para a riqueza de diversidade atravessada nas demandas dos sujeitos individuais e coletivos sociais.
Só uma sociedade plural de intérpretes dos textos normativos tem condições de apreender adequadamente os horizontes históricos percorridos e as experivivências dos mais diversos grupos sociais. Não é por outra razão que a Suprema Corte dos Estados Unidos assegura que o corpo de jurados deve observar a transversalidade social, sob pena de nulidade do julgamento (Norris v. Alabama, 294 U.S. 587 (1935) e Flowers v. Mississippi, 139 S. Ct. 2228 (2019). No Brasil, temos o assustador cenário da existência de apenas 12,1% dos juízes e juízas são negros, enquanto há na população brasileira mais de 57% de pessoas que se autodeclaram negras.
Segundo previsões elaboradas por aquele Conselho, em cenário que considera o crescimento moderado do número de magistrados, seguindo-se com a aplicação da ação afirmativa prevista na Res. 203/2015, no ano de 2070 teríamos em torno de 22,8% de magistrados negros. No segundo grau, seriam, segundo a proporção atual, 15,18%. Claro que em projeções de longo prazo as variáveis são numerosas, mas sabidamente nenhuma transversalidade racial nos espera nos próximos anos.
A normalização das ausências nestes espaços sugere a presença de determinada perspectiva do Estado em termos de iguais oportunidades para o acesso a estes cargos, como também ignora a adequada compreensão das demandas por proteção dos direitos das pessoas pertencentes aos grupos sociais subalternizados. Ambas são igualmente rechaçadas pelo caro direito fundamental à igualdade.
Na realidade marcada pela secular exclusão estrutural imposta à população negra, a remoção dessa violência pela via judicial encontra verdadeira opacidade institucional. Hermeneuticamente tratando da questão, é fácil concluir que os horizontes históricos do racismo no Brasil estão fora da estrutura prévia necessária para a compreensão do fenômeno pelo Judiciário, composto por representantes de grupo sem a vivência do problema ou com outros interesses sobre ele, conjuntura necessária prejudicial para a concretização dos deveres constitucionais de construção da sociedade livre, justa e solidária.
Na esteira dessa preocupação o Conselho Nacional de Justiça está discutindo a adoção de um protocolo para julgamento com perspectiva racial. Medida de enorme valia, mas não de igual impacto quanto ao da pluralidade racial de julgadores e julgadoras.