“Meta é pacificar o país, respeitar a democracia e combater os inimigos” do regime democrático, diz Nilmário Miranda sobre governo Lula III
Em entrevista exclusiva ao portal de notícias RDMNews, o assessor especial do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Nilmário Miranda, fez ainda várias outras declarações de seu trabalho atual na pasta do ministro Sílvio Almeida
Por Humberto Azevedo
(Brasília-DF, 28/05/2024) “A meta é pacificar o país, respeitar a democracia e combater os inimigos” do regime democrático brasileiro. Com esta afirmação, o ex-ministro de Direitos Humanos da primeira gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre 2003 e 2006, crava qual é o objetivo da terceira passagem do petista pelo Palácio do Planalto.
A declaração, exclusiva à reportagem do portal RDMNews, aconteceu na noite do último dia, 20 de maio, na qual estava lançando o seu sexto livro “Por trás das chamas”, que conta nove histórias apuradas pela Comissão Nacional da Verdade de mortos e desaparecidos políticos decorridos 60 anos do golpe civil-militar que deu início a uma ditadura de 21 anos.
O título do seu sexto livro, escrito junto com Carlos Tibúrcio e Pedro Tierra, conta a história da antiga usina de açúcar Cambahyba, localizada no município de Campos dos Goytacazes (RJ), em que se transformou numa espécie de centro de tortura e aniquilamento física – adotando inclusive “práticas nazistas”, contra os militantes rebeldes, ligados aos movimentos estudantis, de setores católicos e a partidos de esquerda, que pretendiam por fim à ditadura.
“Na verdade, o Lula só ganhou [em 2022] porque [o candidato] foi o Lula. Tanto que nós ficamos em minoria na Câmara federal e no Senado. E pressionado com um quase golpe militar [em 8 de janeiro de 2023] em que tentaram isso.O Lula está pacificando o país, está desmilitarizando o país. Isso é importantíssimo”, iniciou Nilmário Miranda.
“O STF [Supremo Tribunal Federal] teve uma decisão histórica, de que militar não tem poder moderador. Militar é subordinado ao poder civil. Isso é indiscutível. O artigo 142 [da Constituição federal] é [uma] subordinação ao poder civil. Isso é importante. Porque as ameaças à democracia sempre vieram dos militares, de tradição golpista, mas agora foram militares também que impediram o golpe. São os militares que estão agindo corretamente na crise [ambiental e climática] do Rio Grande do Sul (RS) e fazendo o que deve ser feito. Estão fazendo o que deve ser feito na questão dos yanomamis. É assim que a gente repõe as coisas nos eixos, não é?”, complementou.
REACIONARISMO
Ex-deputado federal por quatro mandatos do PT mineiro, Miranda classificou a atual legislatura – 57ª da história do parlamento brasileiro, como o Congresso mais “reacionário” de todo o período – desde sua fundação no longínquo 1823, um ano após a independência brasileira ser conquistada.
“E quanto ao Congresso, isso é um problema, claro, porque eu fui deputado por quatro mandatos e sei como é isso. Eu nunca achei que chegasse um Congresso tão extremista, neofascista, antidemocrático, reacionário, como esse. Mas nós temos que conversar com o povo brasileiro como estamos fazendo”, comentou.
60 ANOS DO GOLPE
Abordando a lembrança dos 60 anos do golpe-cívico-militar que depôs o então presidente João Goulart (PTB) e instaurou uma ditadura que vigorou até 1985, o petista mineiro afirmou que o ponto importante desta data, em 2024, foi muito requisitada e debatida por organismos da sociedade civil organizada.
“Neste 31 de março [último], 1º de abril, nós trabalhamos muito a discussão dos 60 anos do golpe e o Brasil inteiro, [com] milhares de seminários, atos, estudos, programas os mais variados para discutir a natureza verdadeira do golpe. Que foi para acabar com a democracia, com um governo legítimo. Não é fácil. Fácil de falar, difícil é fazer”, acrescentou.
DESMILITARIZAÇÃO
Miranda aplaudiu ainda o presidente Lula pela decisão correta de estar desmilitarizando as instâncias de poder, obedecendo àquilo que a Suprema Corte e a Constituição de 1988 determinam: a atuação das forças armadas está submissa ao poder civil.
“E o presidente está dando exemplo também. Está desmilitarizando toda a Esplanada [dos Ministérios]. A ABIN [Agência Brasileira de Inteligência, que na ditadura era chamada de Serviço Nacional de Informações (SNI)] tinha mais de 500 militares, que estavam fora do lugar e foram tirados de lá. Toda a guarda presidencial foi modificada. Dezenas, dezenas e dezenas de oficiais das regiões militares do Brasil foram trocados por gente que tem compromisso com a democracia”, destacou.
VIDA POLÍTICA
O assessor especial do ministro Sílvio Almeida defendeu, ainda, que militar só deve participar da vida política brasileira se se afastar, ou licenciar, das atividades às quais exerce nas forças armadas e de segurança, incluindo aí os policiais.
“Nós estamos trabalhando para que quem quiser ser candidato, pode ser. Mas sai do Exército, sai da Marinha, sai da Aeronáutica”, salientou.
REPUBLICANISMO
Nilmário Miranda destacou também o republicanismo (sentimento de defesa da República) que o presidente Lula está demonstrando com a catástrofe ambiental e climática que arrasou o estado do RS. No estado, onde Lula perdeu eleitoralmente em 2022 para o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), a situação exige compromisso com o próximo e não mesquinharia política. Ele lembrou que quando cidades baianas atravessavam momentos difíceis também por conta de tragédias ambientais e climáticas na gestão do ex-presidente, Bolsonaro era visto andando de jetski nas praias de Santa Catarina.
“Nas cidades que mais foram afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul, Lula foi fragorosamente derrotado [na eleição] e nunca negou um centavo, um esforço, para atender o povo independente em quem votou. Não interessa em quem [a população] votou. Nós queremos que a democracia seja respeitada”, pontuou.
RETROCESSO
O ex-ministro analisou o período ao qual o ex-presidente Jair Bolsonaro governou recentemente o país de ter acontecido um dos maiores retrocessos que a história brasileira já vivenciou.
“[Em 2018] foi a vitória da direita no Brasil, que é anti-direitos humanos, anti-democracia, com o Jair Bolsonaro [representando isso]. Fez um enorme retrocesso. Tudo estava indo, construído, nem tudo foi derrotado. O que tinha passado por leis, políticas de Estado, eles não conseguiram derrotar. Mas esvaziaram, sabotaram o orçamento, mudaram a orientação. Por exemplo, a comissão de anistia quem representava o Ministério da Defesa era alguém que defendia a tortura, o assassinato de presos políticos, Luiz Eduardo da Rocha Paiva. As sessões eram um verdadeiro julgamento da ditadura em invés de julgar reparação”, lamentou.
PROCESSOS ZERADOS
Nilmário Miranda coloca como meta encerrar (zerar) todas as ações em tramitação na Comissão Nacional da Verdade até o final do ano de 2026.
“Nós vamos, até 2026, julgar sete mil casos que estão estocados lá. Estamos organizando, colocamos analistas de novo que agem de acordo com a lei, conseguimos mobilizar recursos para poder julgar os casos. Vamos julgar todos. E na comissão de mortos e desaparecidos houve uma paralisação dos exames das ossadas que estão na UnB [Universidade de Brasília], estocadas na Unifesp [Universidade Federal do estado de São Paulo], tudo vai ser periciado. Os convênios foram renovados”, contou.
“Na comissão da verdade, eles fizeram uma falsificação histórica dizendo que foi [esta] comissão que provocou o golpe contra a [ex-presidenta] Dilma [Rousseff (PT), em 2016]. Dilma teria traído o pacto com os militares ao instituir a comissão da verdade. Como se a comissão da verdade fosse o motivo para golpe? A contradição está em si mesma!”, comentou.
“Houve 200 comissões da verdade no Brasil, mas a principal comissão da verdade produziu 29 recomendações. Só duas foram implementadas e nós estamos preparando a implementação das outras 27. No anexo, tinha oito recomendações da questão indígena que já está sendo recomposta também. E tinha sete recomendações para a questão da LGBTQUIA+ e que nós estamos retomando”, completou.
ESCRAVIDÃO
Por fim, Nilmário Miranda apontou que por orientação do ministro Sílvio Almeida, pela primeira vez na história brasileira haverá por meio de uma ação governamental os esclarecimentos de um dos piores períodos do Brasil, a escravidão. Segundo ele, até o final do governo Lula III, o país saberá como foi e porque se deu o processo de escravização por mais de 300 anos na história do país. Serão contadas, de maneira detalhada, como foi o processo que acorrentou, aprisionou e matou milhares de pessoas.
“Nós criamos uma comissão da verdade sobre a escravidão no Brasil. Porque nunca a história foi contada da maneira como [deveria] ser. Na travessia das pessoas escravizadas, duas milhões de pessoas foram jogadas ao mar, morreram na travessia, a ponto dos tubarões mudarem a rota para acompanhar os navios negreiros, nome depreciativo [que se dava à época]. E o Brasil recebeu quase 5 milhões de pessoas escravizadas. Eram famílias”, acrescentou.
“Toda a origem da misoginia, esse desprezo pelas crianças pobres, estupros, tudo isso nós vamos levantar de novo. Nós vamos levantar todos que lutaram contra a escravidão e mostrar que não foi nenhuma princesa, ou príncipe que teve benevolência em acabar com a escravidão. Foi uma luta em que morreu muita gente, nos quilombos, estamos recompondo todos os quilombos do país inteiro. Não existe democracia sem memória e sem verdade”, finalizou.