Lira manda encerrar coletiva em favor do “PL do estupro”
Presidente da Câmara teria se incomodado com a insistência do autor da proposta, deputado Sóstenes Cavalcante, de manter o assunto em destaque num momento em que ele, Lira – o presidente da Casa, tenta baixar a temperatura e diminuir a pressão contra os parlamentares, que passaram a ser vidraça, nas milhares de manifestações contrárias a proposição que lotaram ruas de várias cidades cidades no Brasil.
Por Humberto Azevedo
O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do polêmico Projeto de Lei (PL) 1904/24 que ficou conhecido também como “PL do estupro”, estava concedendo uma entrevista coletiva no “Salão Verde” da Câmara dos Deputados na manhã na quarta-feira da semana passada, 19 de junho, ao lado de diversos colegas parlamentares que defendem a proposta, para tentar explicar que a iniciativa seria em “favor da vida” e não contra às mulheres. Foi neste momento, após a coletiva já em andamento, que seguranças da Polícia Federal Legislativa (PLF) da Câmara dos Deputados foram até Sóstenes e informaram que a coletiva não poderia continuar acontecendo. Os seguranças informaram que não teria havido uma comunicação formal à Mesa Diretora da Casa para que a coletiva se realizasse.
Primeiro-vice-presidente da Câmara, Sóstenes Cavalcante deu de ombros e afirmou aos policiais da Câmara que continuaria com a entrevista coletiva. Passados alguns minutos, novamente os policiais que são responsáveis pela segurança nas dependências internas da Câmara afirmaram ao político do PL fluminense, que é pastor licenciado da Assembleia de Deus Vitória em Cristo comandada por Silas Malafaia, que o presidente da Casa – deputado Arthur Lira (PP-AL), dera ordem para encerrar imediatamente a coletiva.
Um dia antes, na terça-feira, 18 de junho, Lira ao lado de todos os líderes partidários da Câmara, fez um pronunciamento adiando a votação do PL 1904 pelo menos até o segundo semestre e que o mesmo não seria deliberado sem um “amplo debate”. A decisão de Lira aconteceu após a repercussão negativa da aprovação, em votação simbólica pelo plenário da Câmara, do pedido de urgência da matéria – que permitiu ao projeto ser deliberado a qualquer momento e aprovado pela maioria presente, ou seja, se tiverem 300 deputados na sessão – basta que 151 deles votem favorável para que a iniciativa seja aprovada, sem necessidade de maioria absoluta de 257 deputados federais.
A repercussão negativa ao texto da proposição aconteceu, sobretudo, porque a proposta estabelece que uma mulher estuprada ao fazer o aborto após a 22ª semana incorrerá em crime de homicídeo podendo pegar uma pena de até 20 anos de cadeia. Enquanto o homem que a estuprou pode, no máximo, ser condenado a oito anos de prisão. Por conta deste dispositivo, a matéria foi amplamente rejeitada pela maioria da população, levando a várias manifestações nas principais cidades brasileiras contra o projeto. Diversos coletivos femininos pediram o arquivamento da proposta.
No dia 17 de junho o conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota à imprensa afirmando que o referido projeto é “flagrantemente inconstitucional”. “Absoluta desproporcionalidade e falta de razoabilidade da proposição legislativa em questão, além de perversas misoginia e racismo. Em suma, sob ótica do direito constitucional e do direito internacional dos direitos humanos o PL 1904/2024 é flagrantemente inconstitucional, inconvencional e ilegal”.
Na mesma terça-feira, 18 de junho, em que Lira anunciava adiar a votação do “PL do estupro”, o presidente do Senado Federal e consequentemente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chamou a iniciativa apresentada por Sóstenes de “irracionalidade” e de atentar contra a “lógica da ciência do direito penal”.
“O meu pronunciamento, quando indagado pela imprensa deste projeto, que tramita na Câmara dos Deputados, é primeiro – como presidente do Senado – de respeito às posições legislativas da nossa Casa irmã, a Câmara dos Deputados. E dizia que eu devia me aprofundar no mérito e no conteúdo para poder ter uma posição formal em relação a esse tema pela presidência do Senado Federal. Mas, desde logo, já me antecipei dado ao tema que ele versa, aborto, gravidez recorrente de estupro, que isso jamais viria, em hipótese de aprovação da Câmara dos Deputados, diretamente no plenário do Senado Federal”, comentou o senador Pacheco que vislumbra ser candidato ao governo das Minas Gerais em 2026.
“Esse compromisso, eu reafirmo publicamente às senadoras mulheres, inclusive, de que ao chegar no Senado, num primeiro momento, um tema desta natureza, ele será submetido às decisões próprias do Senado Federal para que haja o debate. Em segundo lugar, um tema desta natureza, é muito importante ouvir a posição das senadoras mulheres. É evidente que uma menina estuprada tem o direito de não conceber aquela criança. Essa é a lógica penal, respeitados os entendimentos religiosos que haja, mas esta é a lógica política e jurídica estabelecida no Brasil”, complementou o presidente do Congresso Nacional.
“Quando se discute a possibilidade de equiparar o aborto em qualquer momento a um crime de homicídeo, que é definido como matar alguém, isso é de fato, me perdõe, uma irracionalidade. Isso não tem o menor cabimento, a menor lógica, a menor razoabilidade de se punir a título de homicídeo, que pressupõe matar alguém com vida gerada após o parto com o aborto. A lei penal distingue muito claramente o que é aborto e o que é homicídeo. Essa inovação , muito infeliz, ela inclusive coloca em xeque a própria ciência do direito penal”, continuou o senador mineiro.
“O direito penal é uma ciência e não uma vontade da gente do que tem a acontecer. Há regras, há base empírica, há direito comparado, há uma lógica, uma proporcionalidade de pena. Imagine punir aborto com pena de seis a 20 anos equiparado a homicídeo e o que nós vamos fazer com o próprio crime de homicídeo? O que nós vamos fazer com outros crimes como o próprio estupro? De fato, nós temos que ter responsabilidade penal em legislar matéria penal”, complementou.
“A defesa se o aborto deve, ou não, ser permitido, essa é uma discussão política que se trava, se a interrupção da gravidez deve dar um determinado prazo, ou não, isso é uma outra discussão política. Mas equiparar aborto a homicídeo é de fato uma irracionalidade sob todos os aspectos. (…) Esse projeto como foi concebido, de fato, definitivamente, me parece, não ser minimamente viável. Obviamente que eu respeitarei se chegue aqui. Vou mandar para as comissões, ele vai ser discutido e é direito dos senadores decidirem, mas, de fato, a forma como ele está sendo tratado com uma equiparação legal entre homicídeo e aborto, me parece que toda a academia, toda doutrina, todos os juristas e grande parte da população vai reconhecer que isso não é possível”, encerrou o senador que presidente o Senado.