“Esta é uma típica matéria para ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal”, afirma Luís Barroso sobre julgamento que descriminalizou o porte de uso pessoal para maconha
O presidente da Suprema Corte comentou, ainda, que a decisão em estabelecer a pesagem de até 40 gramas para porte pessoal tem como objetivo estabelecer “um critério objetivo que valha para todo mundo, para pobres e para ricos”. Sobre as críticas que o julgamento recebeu de Lula, Lira e Pacheco, Barroso resumiu dizendo: “Se e quando o Congresso atuar, se atuar de maneira compatível com a Constituição, é a vontade do Congresso que vai prevalecer”. O ministro falou, ainda, que as drogas são “uma questão de saúde pública”.
Por Humberto Azevedo
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou nesta quarta-feira, 26 de junho, que a deliberação em descriminalizar o uso pessoal em até 40 gramas de maconha “é uma típica matéria para ser decidida” pela Suprema Corte.
Segundo ele, “nós, hoje, concluímos o julgamento de um recurso extraordinário, que envolvia um interno que havia sido condenado pelo porte de três gramas de maconha. Esse era o caso concreto adjacente à discussão. E a discussão que se estabeleceu aqui foi o tratamento jurídico que se deveria dar ao porte de maconha para consumo pessoal”.
“A primeira coisa que eu considero importante esclarecer é que esta é uma típica matéria para ser decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Por que é o Supremo Tribunal Federal que julga os recursos e os habeas corpus que chegam de pessoas presas pelo porte de drogas e é preciso ter um certo tipo de critério para distinguir o que deve ser tratado como porte para consumo pessoal e o que deve ser tratado como tráfico”, assinalou.
“Portanto, não é o Supremo que resolve decidir esta matéria. Os recursos é que chegam aqui. As pessoas são presas e entram com habeas corpus aqui. De modo que o Supremo não tinha como se furtar a essa discussão. O que o Supremo decidiu foi interpretar o artigo da lei de drogas, que trata o porte para consumo pessoal como um ato ilícito. O Supremo considera que o porte de drogas, mesmo para consumo pessoal, é um ato ilícito. Apenas o Supremo, na linha do que o Congresso já havia feito, entende que não cabe pena de prisão neste caso. E que também não cabe uma outra medida penal de prestação de serviços à comunidade”, pontuou.
DESINFORMAÇÃO
Barroso lamentou que o julgamento tenha se tornado vítima de uma campanha de desinformação e que uma série de notícias falsas sobre o tema tenha contaminado parte da opinião pública.
“Portanto, é preciso deixar claro e enfrentar a desinformação de que o Supremo não está legalizando o consumo de maconha. O Supremo, ao contrário, está estabelecendo regras para nós enfrentarmos da melhor maneira possível o fenômeno que é às drogas. As guerras às drogas não tem funcionado. O tráfico tem aumentado o seu poder. A quantidade de usuários tem aumentado e, portanto, é preciso partir da constatação de que o que nós vimos fazendo [enquanto país] não está funcionando de maneira adequada. Mas é preciso deixar claro que ninguém legalizou coisa alguma!”, esclareceu.
“A parte mais importante da decisão do Supremo foi estabelecer, qual quantidade de maconha, porque só julgamos a questão da maconha, qual a quantidade deve ser tratada como tráfico e qual quantidade deve ser tratada como porte para consumo pessoal. Por quê? Todas as pesquisas demonstram que a mesma quantidade por se tratar de um bairro mais rico de uma cidade, a mesma quantidade, é tratada como consumo e em um bairro da periferia é tratado como tráfico”, complementou lamentando a situação da desigualdade brasileira e o racismo estrutural ao qual impera.
“Portanto, o esforço que nós fizemos foi para acabar com a descriminalização que se tem feito no Brasil na medida em que há falta de critério e permite que a autoridade policial decida se é tráfico, ou se é consumo. Nós estabelecemos aqui um critério objetivo que valha para todo mundo. Para pobres e para ricos. Não legalizamos nada! Apenas estamos enfrentando uma discriminação perversaque havia na sociedade brasileira e que é indefensável!”, explicou.
LULA
Sobre as críticas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez ao STF por julgar temas como esse que podem causar confusão nas cabeças das pessoas, Barroso respondeu que não seria “censor de ninguém e muito menos do presidente da República”.
“Apenas um esclarecimento a ser prestado é que os recursos e os habeas corpus chegam aqui e o Supremo não pode dizer que esse caso é muito difícil, que esse caso é complicado e que esse caso tem repercussão ruim. Ele tem que julgar e para julgar, nós temos que ter critérios. E nós estabelecemos um critério, então, não foi o Supremo que se mobilizou para ter uma ingerência de um tema que não é da alçada do Supremo. Os recursos chegam aqui e o Supremo tem que julgar. é assim que funciona a vida no Poder Judiciário”, observou.
PACHECO & PEC
Sobre as críticas que o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez a decisão do STF afirmando que a Suprema Corte não deveria julgar um tema, ao qual ele considera exclusivo e de competência do parlamento, o presidente da Suprema Corte resumiu dizendo: “Se e quando o Congresso atuar, se atuar de maneira compatível com a Constituição, é a vontade do Congresso que vai prevalecer”. Mas ele destacou que o STF tem, sim, “competência” para julgar esta questão.
“Em primeiro lugar, o presidente Rodrigo Pacheco tem todo o direito de ter a opinião que lhe pareça ter acerca deste tema. Nós entendemos que não há invasão de competência. Pois, julgar habeas corpus e recursos extraordinários é da competência do Supremo. O Congresso não tem esse papel. E para julgar adequadamente esses recursos e esses habeas corpus, nós precisamos estabelecer um critério. Como a lei não estabelece esse critério, qual é a quantidade que distingue o tráfico para consumo pessoal, nós tivemos que estabelecer um critério”, se manifestou.
QUESTÃO DE SAÚDE
Barroso afirmou também que esta questão das drogas precisa ser enfrentada mais pela visão de que esse problema é uma grave “questão de saúde” e não apenas de segurança pública. Ele fez essa declaração após ser questionado se mesmo depois do julgamento do STF, os usurários flagrados com até 40 gramas de maconha continuarão sendo levados até uma Delegacia de Polícia para o registro da ocorrência.
“Neste momento, sim. Porque quando se dá a apreensão da droga é preciso registrar isso, lavrar um termo desta apreensão e, eventualmente, pesar para saber se ultrapassou ou não a quantidade, e, por enquanto, seguirá o procedimento que já existe na legislação de que isso seja feito numa delegacia. Talvez, desejavelmente, em algum lugar do futuro deva ser diferente. Por quê? Por que o que nós entendemos e o mundo inteiro está começando a entender que drogas não é exclusivamente e predominantemente uma questão de segurança pública e, sim, uma questão de saúde pública. E, portanto, é assim que devemos tratar o usuário e enfrentar o tráfico”, complementou.
“O que eu digo, é que nós temos enfrentado o tráfico de maneira errada. A política antidrogas que se pratica no Brasil é a prisão de meninos de periferia, primários de bons antecedentes, com pequenas quantidades de drogas. Ele é preso, mesmo que seja um pequeno traficante, ele entra no sistema penitenciário onde ele imediatamente se filia a uma facção criminosa porque para ele é uma questão de sobrevivência”, lamentou.
NOVA POLÍTICA
O presidente da Suprema Corte avaliou também que para que o enfrentamento ao tráfico e as organizações criminosas que operam nesta seara precisa ser feito com uma nova política que passe a ter como prioridade o monitoramento destas organizações, seguindo o caminho do dinheiro que o negócio ilegal das drogas gera e policiando as fronteiras com os países de onde as drogas são produzidas.
“Ele fica preso um ano, um ano e meio, dois anos, e sai pior do que entrou. De modo que essa é uma política que destroi a vida deste jovem, custa dinheiro e ele sai pior para a sociedade do que quando entrou. E no dia seguinte que ele foi preso, ele foi substituído pelo tráfico. Portanto, é uma política que não produz nenhum resultado positivo e nenhum abalo sobre o tráfico. Uma política de [combate às] drogas adequada tem que monitorar os grandes carregamentos, os grandes traficantes, seguir o dinheiro, policiar a fronteira e parar de prender menino de periferia engrossando as fileiras das organizações criminosas”, ensinou.
Por fim, o ministro esclareceu que a decisão de estabelecer até 40 gramas como de porte pessoal não significa que isso deixará o tráfico livre para comercializar pequenas dosagens da droga. “Se tiver a suposição que [o infrator] tem um quilo, ou a suposição que só tem 40 [gramas], mas está traficando, se pode [entrar na residência desde que tenha um mandado judicial]. Portanto, os 40 gramas não elimina a possibilidade do enquadramento como tráfico. Isso depende de outros indícios”, finalizou.