ENTREVISTA DA SEMANA | ESPECIAL BRICS
Especialista em BRICS acredita que encontro de cúpula na Rússia “provavelmente vai resultar na institucionalização” do bloco
Em entrevista concedida com exclusividade ao portal “RDMNews”, o jornalista aposentado do Correio Braziliense e também especialista em assuntos militares, Pedro Paulo Rezende, deixa claro que o BRICS “não veio para derrubar o sistema econômico atual” e, sim, para ser uma alternativa ao sistema econômico global. “A gente tem que deixar muito claro isso”, enfatiza.
Por Humberto Azevedo
“Todas as importações que a gente faz com dólar, nós vamos começar a fazer com outras moedas. É o próximo passo. A administração atual do Banco Central não permite isso, só compra e vende em dólar”
O jornalista aposentado e especializado em relações internacionais, Pedro Paulo Rezende, afirmou com exclusividade ao portal “RDMNews” que acredita que o encontro de cúpula do BRICS na cidade de Kazan, na Rússia, entre os dias 22 e 24 de outubro, “provavelmente vai resultar na institucionalização” do bloco econômico formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
“Com o Galípolo [futuro presidente do Banco Central a partir de 2025], isso deve mudar. A gente vai começar a negociar com moedas de outros países, utilizando como indexador a moeda do BRICS”
Este é o primeiro encontro em que os novos sócios do BRICS participarão das rodadas de negociações iniciadas em 2009. Além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, integram o BRICS o Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Arábia Saudita, convidada a ser membro do grupo, ainda não se decidiu formalmente se aceita, ou não, entrar no colegiado. A expectativa é que a adesão saudita ocorra durante o encontro que será realizado na cidade russa de Kazan esta semana. Assim como sejam anunciados novos participantes como a Venezuela, já convidada a integrar o bloco pelo presidente russo Vladimir Putin, e pela Turquia – que já manifestou interesse em entrar para o BRICS.
“A grande beleza do BRICS é que ele é um grande guarda-chuva. Você tem praticamente todos os modelos de governo dentro dele, todos os modelos ideológicos dentro dele”
Especialista também em assuntos militares, que atua também como consultor de negócios para empresas que querem estreitar relações com os países do sul global, Pedro Paulo Rezende construiu sua carreira jornalística junto ao Correio Braziliense pertencente ao conglomerado de mídias Diários Associados fundado nos anos 30 pelo jornalista Assis Chateaubriand, atuando em pautas de assuntos internacionais e cultura. No Correio Braziliense chegou ainda a atuar como crítico de artes cênicas e artes plásticas.
“O BRICS promete ser revolucionário num outro sentido. Promete ser revolucionário a partir do momento que ele vai criar uma alternativa aos sistemas internacionais de pagamento por meio de uma moeda comum”
Desde de 2020 mantém um endereço cibernético na rede mundial de computadores (internet) onde publica análises, comentários e informações sobre temas ligados a assuntos militares e de geopolítica [https://arsenal-geopolitica-defesa.com.br/]. Segundo ele, é preciso deixar claro que o BRICS “não veio para derrubar o sistema econômico atual” e, sim, para ser uma alternativa ao sistema econômico global. “A gente tem que deixar muito claro isso”, enfatiza.
“Um sistema alternativo ao Swift é revolucionário mesmo. Uma coisa que altera o balanço global (…) Ah, eu não consigo passar dinheiro pelo Swift, vou utilizar o novo sistema do BRICS, que começa com 159 países. Dá para ver claramente que é um anseio internacional”
Ao conversar com a reportagem do portal “RDMNews”, Pedro Paulo Rezende destacou ainda que “a grande beleza do BRICS é que ele é um grande guarda-chuva”. De acordo com ele, não há uma uniformidade de “modelos de governo” dentro do BRICS, que aceita todos os modelos ideológicos dentro dele”.
“Ninguém aguenta mais a insegurança do sistema financeiro comandado pelo Ocidente. Nesse momento, o sistema comandado pelo Ocidente tem 350 bilhões de dólares que pertencem à Rússia, que foram embargados em função da guerra em Donbass [região do conflito na Ucrânia]”
“O BRICS promete ser revolucionário a partir do momento que ele vai criar uma alternativa aos sistemas internacionais de pagamento por meio de uma moeda comum. (…) Um sistema alternativo ao Swift”, que significa Sociedade mundial das comunicações financeiras (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication), com o advento do BRICS Pay.
“Nenhum país tem mais segurança de guardar reservas de ouro em Londres, por exemplo. A Venezuela está com toda a reserva dela, de 33 toneladas de ouro, embargada em Londres”
“Uma coisa que altera o balanço global (…) Ah, eu não consigo passar dinheiro pelo Swift, vou utilizar o novo sistema do BRICS, que começa com 159 países. Dá para ver claramente que é um anseio internacional. (…) Ninguém aguenta mais a insegurança do sistema financeiro comandado pelo Ocidente. Nesse momento, o sistema comandado pelo Ocidente tem 350 bilhões de dólares que pertencem à Rússia, que foram embargados em função da guerra em Donbass [região do conflito na Ucrânia]”, opinou Rezende.
“Eu sei que essa reunião provavelmente vai resultar na institucionalização do BRICS. o BRICS é alternativo ao sistema econômico global. Ele não veio para derrubar o sistema econômico atual. A gente tem que deixar muito claro isso”
“Nenhum país tem mais segurança de guardar reservas de ouro em Londres, por exemplo. A Venezuela está com toda a reserva dela, de 33 toneladas de ouro, embargada em Londres. (…) O BRICS não veio para substituir o FMI [Fundo Monetário Intercacional] e o Banco Mundial. Não é para isso. O BRICS veio como uma alternativa aos sistemas de pagamento atual e como um grande criador de pólos de desenvolvimento, por meio de iniciativas como a da China”, complementou o especialista.
“O BRICS não veio para substituir o FMI e o Banco Mundial. Não é para isso. O BRICS veio como uma alternativa aos sistemas de pagamento atual e como um grande criador de pólos de desenvolvimento, por meio de iniciativas como a da China”
Abaixo, segue a íntegra da entrevista. Boa leitura!
“Todos os países do BRICS têm as contas certinhas, o superávit fiscal. Até nós estamos ali no equilíbrio, mas estamos com o superávit fiscal. A questão do dólar no Brasil é muito mais especulativa do que real”
RDMNews: Nós vamos ter o encontro de cúpula dos BRICS a partir do final desse mês, dos dias 22 a 24 de outubro. Qual é a sua perspectiva para esse encontro dentro do cenário global de guerras que nós estamos tendo, além da Ucrânia, esses conflitos no Oriente Médio, que cada vez mais vão se escalando?
Pedro Paulo Rezende: Olha, a gente tem que lembrar que o BRICS é um bloco de cooperação econômica. Ele não é um bloco militar, entendeu? Também não é um bloco político fechado. A grande beleza do BRICS é que ele é um grande guarda-chuva. Você tem praticamente todos os modelos de governo dentro dele, todos os modelos ideológicos dentro dele. Ou seja, do ponto de vista de conflito, a influência vai ser muito pequena. Se houver, pode sair uma proposta de paz para a região do Oriente Médio, pode sair alguma proposta de mediação entre a Ucrânia e a Rússia, mas isto é um aspecto secundário dentro do encontro do BRICS. O BRICS promete ser revolucionário num outro sentido. Promete ser revolucionário a partir do momento que ele vai criar uma alternativa aos sistemas internacionais de pagamento por meio de uma moeda comum, que ainda não se sabe muito bem se vai ser indexado ao ouro, a prata ou algum bem mais sólido, a uma commodity mais sólida. E, por outro lado, um sistema alternativo ao Swift, que é o Sistema internacional de trocas financeiras.
“Por enquanto a gente está atrelado ao dólar. Eu acredito que isso vai mudar na próxima administração do Banco Central, que como todos nós sabemos, ela é completamente independente”
RDMNews: Exato. Dentro disso, está se prometendo o anúncio do BRICS Pay, que vai ser anunciado e promete revolucionar o sistema de pagamento mundial, correto?.
Pedro Paulo Rezende: Sim. É revolucionário mesmo.
“Esse novo sistema de pagamento do BRICS é exatamente para terminar a chantagem que o Ocidente impõe ao resto do mundo. Ou você faz do meu jeito ou você está ferrado. Não, eu não estou ferrado, eu vou ali no vizinho. O vizinho está me oferecendo condições ótimas”
RDMNews: Por que é revolucionário?
Pedro Paulo Rezende: Isso é uma coisa que altera o balanço global. Vou dar um exemplo. Cuba, durante a Covid, sofreu uma situação terrível, porque ela queria comprar insumos para remédios, queria comprar equipamentos hospitalares e não podia. Ela queria comprar alimentos também e não podia, porque o Trump alijou Cuba do Swift da mesma maneira que Trump alijou a Venezuela do Swift. Todo mundo reclama. Ah, 8 milhões de venezuelanos fugiram. Estavam completamente isolados financeiramente do mundo. É a mesma coisa que eu chegar na tua conta bancária e impedir que você tenha acesso a qualquer aspecto de uso dela, que você não possa usar o PiX, que você não possa usar o cartão de débito, o cartão de crédito, o cheque, ou seja, no caso da Venezuela ainda foi pior, porque pegaram tudo isso que estava depositado nos bancos do exterior, embargaram e começaram a usar contra a própria Venezuela, inclusive para armar ações contra o governo do [presidente venezuelano, Nicolás] Maduro. Então, o que acontece agora? Ah, eu não consigo passar dinheiro pelo Swift, vou utilizar o novo sistema do BRICS, que começa com 159 países. Dá para ver claramente que é um anseio internacional.
“A União Europeia negou os recursos necessários para que Angola se reerguesse. No dia seguinte, chegou uma comitiva chinesa oferecendo recursos para a reconstrução de Angola a preços extremamente competitivos e juros baixíssimos. E o país se transformou num dos motores da África”
RDMNews: Isso, exato. Isso é a formação desses 159 países, mais 20, talvez, até no anúncio, mais 20 países serão agregados, ou seja, alcançando 179 países, quase 180.
Pedro Paulo Rezende: Sim, a maioria dos países do globo. Ninguém aguenta mais a insegurança do sistema financeiro comandado pelo Ocidente. Nesse momento, o sistema comandado pelo Ocidente tem 350 bilhões de dólares que pertencem à Rússia, que foram embargados em função da guerra em Donbass [região do conflito na Ucrânia]. Ou seja, nenhum país tem mais segurança de guardar reservas de ouro em Londres, por exemplo. A Venezuela está com toda a reserva dela, de 33 toneladas de ouro, embargada em Londres. Ou seja, é um ato revolucionário. E é engraçado que a militância não consegue perceber isso. A militância gostaria que o BRICS criasse um sistema paralelo ao sistema que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial, que era o de Bretton Woods, que formou o FMI [Fundo Monetário Internacional], formou o Banco Mundial. Aí dizem, não, é insuficiente. Como é insuficiente? Tem um banco de financiamento e um sistema de trocas comerciais completamente novo, alternativo ao que existia atualmente. Eu sei que essa reunião provavelmente vai resultar na institucionalização do BRICS.
“Isso dá para ver como cada bloco trabalha. Um bloco com um monte de exigências, muitas vezes descabidas, e outro bloco que não cobra nada em termos ideológicos e que oferece muito. O mundo está mudando e as pessoas começaram a ver que a China não quer impor o regime dela aos outros”
RDMNews: Podemos dizer que o BRICS está caminhando para se tornar um fórum, não a curto prazo, nem a médio, mas a longo prazo, de substituir as Nações Unidas, ou não? As Nações Unidas vão continuar existindo?
Pedro Paulo Rezende: Não, o BRICS é alternativo ao sistema econômico global. Ele não veio para derrubar o sistema econômico atual. A gente tem que deixar muito claro isso. O BRICS não veio para substituir o FMI e o Banco Mundial. Não é para isso. O BRICS veio como uma alternativa aos sistemas de pagamento atual e como um grande criador de pólos de desenvolvimento, por meio de iniciativas como a da China, de um cinturão, uma rota, que financia infraestrutura por todos os continentes, até na Oceania financia obras. Então, é uma coisa revolucionária. É revolucionário e, ao mesmo tempo, não é para destruir o sistema econômico atual. O sistema econômico atual vai continuar existindo. Então, o BRICS, como tem 159 países, provavelmente vão chegar a 179 países, podemos ter essa avaliação.
“A China tem uma coisa. A história chinesa é repleta de invasões estrangeiras e de revoluções. Talvez seja o país com a história mais conturbada. Tem uma história de 5 mil anos e é uma história conturbada. A China sofreu na pele os efeitos das guerras. Ela sabe o trabalho que dá reconstruir um país”
RDMNews: Muitos especialistas, sobretudo na grande mídia, avaliam que o mundo está dividido entre uma nova guerra fria entre China e Estados Unidos.Podemos dizer que não há divisão? O mundo já escolheu o BRICS, a China, como o novo ou não?
Pedro Paulo Rezende: Existe uma confusão no papel do BRICS. Primeiro que, dentro da associação BRICS, que atualmente são dez países, vão se agregar, provavelmente, mais cinco ou seis países. É o que se chama agora de BRICS Plus. Este é o núcleo duro do BRICS. São realmente os sócios do bloco. Os outros países vão usufruir de serviços do BRICS. Eles não vão se filiar imediatamente ao BRICS. Deu para entender a diferença do processo? Ou seja, de 159 países, dez vão se agregar ao bloco. O restante vai usufruir dos serviços oferecidos por esse bloco. Não é uma adesão imediata de 159 países. Eu acho que ninguém conseguiria administrar isso tudo. Primeiro passo qual é? É utilizar o sistema de pagamentos de moeda pelo BRICS, que é uma moeda virtual. Você não vai ter essa moeda física. E o sistema de intercâmbio financeiro do BRICS, que equivale ao Swift utilizado atualmente pelo Ocidente. Ou seja, é um processo diferenciado. Não dá para confundir uma coisa com outra.
“O grande problema dos Estados Unidos é que ele não tem essa noção. A última vez que os Estados Unidos foram invadidos foi em 1812 quando abriu um conflito com a Grã-Bretanha. E a Grã-Bretanha invadiu o território americano e chegou até Washington. Colocou fogo em Washington. De lá para cá o território continental americano só sofreu uma agressão que foi no 11 de setembro [de 2001]”
RDMNews: Entendi. Com relação ainda ao BRICS Pay, com relação também ao BRICS, essa questão do que acontece no mundo da desvalorização do dólar. Inclusive, até o Brasil vive um momento singular. O dólar está cada vez mais valorizado. E, no mundo, o dólar está caindo. Podemos associar o avanço do BRICS, do BRICS Pay com a desvalorização. E se você pudesse dar uma opinião sobre essa valorização do dólar da moeda estrangeira norte-americana aqui no Brasil também?
Pedro Paulo Rezende: Em termos globais, você tem um país de um lado com uma dívida de 31 trilhões de dólares. Um governo que não consegue um superávit desde a época do Clinton. Aí a gente viu o quão longe vem essa balança comercial desfavorável nos Estados Unidos. E do outro lado você tem um país, um grupo de países até, com superávit e com o governo com contas controladas. Todos os países do BRICS têm as contas certinhas, o superávit fiscal. Até nós estamos ali no equilíbrio, mas estamos com o superávit fiscal. A questão do dólar no Brasil é muito mais especulativa do que real. A gente tem um comércio superavitário em dólar. Nós recebemos mais dólares do que gastamos. Agora, o Banco Central não quer utilizar a reserva para forçar uma baixa na moeda estrangeira. Aí você vai falar, mas todas as importações que a gente faz com dólar, nós vamos começar a fazer com outras moedas. É o próximo passo. A administração atual do Banco Central não permite isso, só compra e vende em dólar. Com o [Gabriel] Galípolo [futuro presidente do Banco Central a partir de 2025], isso deve mudar. A gente vai começar a negociar com moedas de outros países, utilizando como indexador a moeda do BRICS. Ou seja, por enquanto a gente está atrelado ao dólar. Eu acredito que isso vai mudar na próxima administração do Banco Central, que como todos nós sabemos, ela é completamente independente.
“Então os Estados Unidos não têm essa noção de que guerra não dá lucro. De que guerra é uma coisa problemática. Você precisa reconstruir o país depois da guerra. Os Estados Unidos lucraram na Primeira Guerra Mundial e lucraram na Segunda Guerra Mundial. Toda a prosperidade americana nas décadas de 1950 e 1960 foi derivada das vantagens que obteve na Primeira e na Segunda Guerra Mundial”
RDMNews: Certo. Teve uma declaração do presidente chinês, Xi Jinping, algumas semanas atrás, dizendo que o mundo seria tocado por dois blocos econômicos, o BRICS e o OCX. O OCX é uma sigla pouco conhecida para nós aqui do Brasil e até da América do Sul, da América Latina. Poderia abordar essa questão do BRICS e da OCX, essa fala do Xi Jinping?
Pedro Paulo Rezende: O OCX é o sistema ocidental. É o sistema ocidental, bancado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, e por aliados como o Japão e a Austrália. Aliás, a Austrália é praticamente um apêndice dos Estados Unidos. O Japão, de certa forma, também é. Eu acho que o que vai acontecer é que a maioria dos países vai tentar aproveitar as vantagens oferecidas por cada um desses blocos. Não vai ser um processo de escolha, não vai ser casamento, entendeu? Vou seguir o OCX. Não, não é necessário isso. Você pode trabalhar com os dois blocos de maneira independente, de acordo com a sua vontade. Eu acho que, inclusive, o BRICS tende a servir de ferramenta para tirar a ideologia das relações entre as nações. O BRICS não exige porcaria nenhuma de qualquer país para que faça negócio com ele. O BRICS não chega e fala, olha, você vai ter que seguir a minha cartilha. Pela minha cartilha, a Rússia é feia, a China é horrorosa e você não pode fazer negócio com eles. Não, o BRICS deixa você trabalhar com os Estados Unidos sem nenhum problema. Quer trabalhar com a França? Não tem problema. Quer trabalhar com o Reino Unido? Não tem problema. O BRICS não exige nada em termos ideológicos. Eu acho que aí está a beleza do BRICS.
“A China tem essa noção de que você tentar o domínio militar é uma arma perigosa que pode se voltar contra você. Você vai pagar um preço alto por isso. Eu acho que isso está dentro da filosofia do BRICS. É necessário uma alternativa pacífica não militar, não política e não ideológica para que o mundo volte a crescer”
RDMNews: Entendi. Ainda nessa questão de geopolítica, um dos países que deve ser incluído deve ser a Turquia. A Turquia manifestou interesse em entrar no BRICS, no BRICS Plus, no BRICS+. Mas nessa entrada do Erdogan, presidente da Turquia, o Macron também manifestou interesse em que a França entre no BRICS. Como você vê essa questão da Turquia e a questão da França? Teremos uma França no BRICS?
Pedro Paulo Rezende: Por enquanto, não. Por enquanto, não. A Turquia eu acho mais fácil. A Turquia eu acho mais fácil que chegue até o BRICS. Porque a Turquia descobriu o seguinte. Ela é o segundo maior exército da OTAN, da Organização Tratado do Atlântico Norte. Ou seja, para morrer pelo Ocidente, ela está perfeita. Agora, por outro lado, a União Europeia, por diversas vezes, negou pedidos de entrada da Turquia na organização. Ou seja, eles são bons para morrerem pela Europa, mas não são bons o suficiente para participar da fartura europeia. Então, tem esse aspecto da Turquia. O lado militar é valorizado, o lado econômico, e a Turquia cada vez mais é um player importante. A economia turca cresceu muito com o Edogan. Isso aí é ignorado pelo Ocidente, mas não é ignorado pelo BRICS. Exatamente porque o BRICS não tem questão ideológica. A Turquia é capitalista, tem ligação militar com o Ocidente, mas vai ser uma parceira bem-vinda dentro do BRICS. Indonésia, maior nação islâmica do mundo. Uma super adesão. Nigéria, maior população da África. Ou seja, tem uma série de pontos, tem uma série de países que vão entrar. Do mundo africano. Não é só da África Negra, é de toda a África. Ou seja, são adesões bastante importantes. Cazaquistão, grande produtor de gás e petróleo. Azerbaijão, grande produtor de petróleo e gás. Ou seja, é um bloco que está agregando produtores de commodities importantes. E donos de grandes populações. Grandes populações significa ampliação da esfera de consumo. Ou seja, o intercâmbio possível dentro desse universo que vem aí é imenso. E o que é melhor de tudo, sem ideologia. Então, o BRICS vai ser revolucionário, o BRICS Pay vai começar a entrar em operação e já vai começar a mudar o jogo, digamos assim, do dólar e do pagamento. E isso vai haver uma mudança profunda nas relações comerciais do país, por conta do que hoje é do Swift e do BRICS Pay. O problema é que esses sistemas demoram um pouco para engrenar, não é imediato. Você vai começar agora e os efeitos vão ser sentidos dentro de quatro, cinco anos. Numa perspectiva bem otimista. Você precisa criar softwares, centros de administração desses dois processos. E o BRICS, a exemplo do G7 e do G20, é uma organização informal. Não tem secretaria-geral. Ele é muito peculiar porque não tem uma estrutura como a da União Europeia. Ele tem um banco de desenvolvimento sem ter uma estrutura burocrática como a União Europeia. Ele vai ter que organizar isso. Eu acho até que vai oferecer perspectiva de empregos para brasileiros e todos os cidadãos do mundo, para poder se estruturar nessas áreas. Então, talvez, nesse encontro de cúpula agora do BRIC em Moscou, deva sair uma sinalização da institucionalização dos BRICS. Ou deve sair o início da institucionalização do BRICS.
RDMNews: Tem alguma cidade onde deve ser a sede do BRICS? Ou ainda não está neste estágio?
Pedro Paulo Rezende: Não, isso ainda não foi definido. A ideia é que cada parte do BRICS esteja numa cidade fundadora. Ou seja, uma parte vai vir para Brasília, outra parte vai ir para Moscou, outra parte vai para Nova Delhi. Uma parte já está em Xangai, que é o banco de desenvolvimento. Uma partezinha vai para a África do Sul. Eu acredito que seja pulverizada. A estrutura deve ser pulverizada, mas trabalhe virtualmente. Vai ser um desafio interessante.
RDMNews: Agora sobre a questão de BRICS e China. A Rota da Seda da China. O governo de Xi Jinping tem como objetivo fazer com que o plano de expansão comercial da China agregue cada vez mais países. E o BRICS é o caminho para isso ou não? Uma coisa é a Rota da Seda da China, outra coisa é o BRICS. Podemos fazer essa distinção?
Pedro Paulo Rezende: Sim, pode. Pode ser feita essa distinção. A Rota da Seda, a Nova Rota da Seda, ou a iniciativa um cinturão e uma rota, uma estrada, é uma iniciativa do governo chinês. Agora, por meio do Novo Banco de Desenvolvimento, que é o banco do BRICS, virão investimentos extremamente interessantes, que são complementares, inclusive, à Nova Rota da Seda. Um deles vai sair da Bahia, é uma ferrovia que sai da Bahia e vai interligar o Brasil, as rotas ferroviárias da Bolívia e do Peru. Tem uma estrutura portuária imensa em construção no Peru, que vai se interligar da Bahia, onde vai ser criada também uma estrutura imensa portuária. E a gente vai poder mandar os nossos produtos para o Pacífico com muito mais velocidade do que hoje. E os países do Pacífico poderão mandar seus produtos com muito mais velocidade para a Europa, África e Oriente Médio. E também a costa leste dos Estados Unidos. Nosso caso também, a costa oeste dos Estados Unidos. Ou seja, são iniciativas de infraestrutura que podem ser paralelas, mas sempre serão revolucionárias em termos de impacto econômico nos países beneficiados.
RDMNews: Entendi. Ainda sobre Rota da Seda, o Brasil está avaliando entrar nesse programa do governo chinês, nesta parceria. E aí, recentemente, uma autoridade de cúpula militar dos Estados Unidos, até uma mulher do Ministério da Defesa norte-americano, alertou e até fazendo um tom de ameaça ao governo brasileiro para que o Brasil não entre na Rota da Seda da China. Como o Brasil vai ter boas relações com a China e com os Estados Unidos? Se pretende entrar na Rota da Seda e, para o outro lado dos Estados Unidos, está até ameaçando. Como fugir dessa arapuca?
Pedro Paulo Rezende: A gente tem que levar em conta uma coisa. Foi a comandante do Comando Militar do Sul dos Estados Unidos. Ela não fala pelo Departamento de Estado. Tem esse ponto. Ela usou isso retoricamente, de como o Brasil poderia se aliar a um país autoritário e abrir mão de uma democracia como os Estados Unidos. Coisa meio imbecil. Não tem cabimento isso. A nova Rota da Seda não é uma iniciativa militar. É uma iniciativa econômica. Ah, quero barrar isso. Está bom. Então, substitua a China como nosso principal destino exportador. Se você juntar as exportações para Estados Unidos e Europa, elas não vão substituir a exportação atual para a China. E há muito questionamento. Ah, mas nós exportamos agro. Nós exportamos minério para a China. Nós não exportamos nenhum produto industrial. Para os Estados Unidos a gente tem uma participação importante de exportação de aviões da Embraer. Só que os aviões da Embraer, mais de 50% dos componentes vêm dos Estados Unidos. E a China compensa isso daí de outra forma. A BYD e várias outras indústrias chinesas começam a lançar bases aqui no Brasil. Nós temos uma grande produtora de máquinas de aviões, e de máquinas pesadas para construção de estradas, ferrovias, está em Pouso Alegre, a fabricação chinesa, fábrica chinesa, sede original, em Suzhou. Ou seja, uma parte compensa a outra. A gente exporta menos produtos manufaturados para a China, mas, em compensação, recebemos muitos investimentos em infraestrutura e em produtos para montarmos fábricas aqui no Brasil. Uma coisa compensa a outra. Agora, querer vincular isso, uma presença militar chinesa no Brasil, é uma coisa estúpida e típica de uma visão colonialista. É uma visão colonial. Nós não somos mais colônia. A gente tem, nós somos um país maduro, uma nação séria, que pode negociar com dois blocos diferentes sem nenhum problema.
RDMNews: Terminando e indo para o final da entrevista, Pedro, eu queria que você fizesse um resumo desse encontro dos BRICS e as suas considerações finais mesmo. O que eu não perguntei, o que a gente não abordou e é importante ser ressaltado.
Pedro Paulo Rezende: Eu acho que toquei praticamente em todos os assuntos. O BRICS não é um bloco ideológico. O BRICS é um bloco econômico que visa o desenvolvimento de todas as nações associadas. O BRICS não é um bloco militar. Não vamos esperar confronto do BRICS com a OTAN. Isso não está nos planos e não vai ocorrer em nenhum momento do futuro. O BRICS é uma iniciativa pacífica que não exige nada em termos de associação imediata aos interesses dos países dirigentes do bloco. Não exige nada e oferece muito. E esse é o principal atrativo do BRICS. E essa reunião em Kazan vai oferecer uma alternativa aos sistemas de pagamento ocidentais que provaram que não são confiáveis, uma vez que você pode fechar o caminho para qualquer país que vá contra os interesses das nações da Europa e dos Estados Unidos, Canadá, Japão. Em suma, acaba com uma grande arma do Ocidente que é a possibilidade de chantagem econômica. Como aconteceu com a Venezuela, Cuba e com a Rússia. Ou seja, eu vejo o BRICS, com esse novo sistema de pagamento, essa moeda comum que deve sair agora em Kazan, como, por incrível que pareça, como um reforço à liberdade econômica global. E como um meio de suporte à globalização, por mais incoerente que isso possa parecer.
RDMNews: É a mudança do mundo mesmo?
Pedro Paulo Rezende: Sim. Você chega, tem um cara que vive te cobrando segurança, um miliciano que vive cobrando pela sua segurança na porta, não sei o que lá, e chega a polícia para te proteger. Esse novo sistema de pagamento do BRICS é exatamente para terminar a chantagem que o Ocidente impõe ao resto do mundo. Ou você faz do meu jeito ou você está ferrado. Não, eu não estou ferrado, eu vou ali no vizinho. O vizinho está me oferecendo condições ótimas. Eu lembro sempre, uma vez que eu conversei com uma diplomata, o BRICS ainda não estava tão consolidado assim. Uma funcionária da embaixada angolana, eu estive em Angola, tenho uma paixão por aquilo lá, e ela disse, olha, quando nós terminamos a guerra em Angola, chegamos com um projeto de construção para a União Europeia. E a União Europeia, vamos dizer a verdade, apoiou o Jonas Savimbi, que era o adversário do atual regime que existe em Angola, nos disse que precisávamos melhorar as nossas relações em termos de direitos humanos. Angola deu anistia aos adversários do governo quando houve o acordo que foi firmado lá em Luanda. Deu total anistia para todos os que lutaram contra o governo. Permitiu que os adversários fossem para o parlamento. Eles estão lá lutando até hoje. E mesmo assim, a União Europeia, queria continuar pegando o diamante do Jonas Savimbi, que era um cara extremamente sangrento. Chegou a matar três mil pessoas num trem que ia de Luanda para Benguela. Mas era o queridinho do Ocidente, o queridinho dos Estados Unidos e da União Europeia. Resumindo. Esse cara, inclusive, foi recebido pelo Reagan, como grande lutador pela democracia em Angola. Resumindo. A União Europeia negou os recursos necessários para que Angola se reerguesse. No dia seguinte, chegou uma comitiva chinesa oferecendo recursos para a reconstrução de Angola a preços extremamente competitivos e juros baixíssimos. E o país se transformou num dos motores da África. Isso dá para ver como cada bloco trabalha. Um bloco com um monte de exigências, muitas vezes descabidas, e outro bloco que não cobra nada em termos ideológicos e que oferece muito. Muito interessante. É para mudar mesmo. O mundo está mudando e as pessoas começaram a ver que a China não quer impor o regime dela aos outros. É mais ou menos isso. A China tem uma coisa. A história chinesa é repleta de invasões estrangeiras e de revoluções. Talvez seja o país com a história mais conturbada. Tem uma história de 5 mil anos e é uma história conturbada. A China sofreu na pele os efeitos das guerras. Principalmente a Segunda Guerra Mundial. A China perdeu 20 milhões de habitantes. Talvez até mais. Porque a Segunda Guerra Mundial para a China começou em 1937 quando o Japão invadiu, saiu da Manchúria, que ela ocupava, e invadiu o resto da China. Talvez possa ter chegado perto de 40 milhões. A contabilização de mortos na época não era uma moda. Ela sabe o trabalho que dá reconstruir um país. O grande problema dos Estados Unidos é que ele não tem essa noção. A última vez que os Estados Unidos foram invadidos foi em 1812 quando abriu um conflito com a Grã-Bretanha. E a Grã-Bretanha invadiu o território americano e chegou até Washington. Colocou fogo em Washington. De lá para cá o território continental americano só sofreu uma agressão que foi no 11 de setembro [de 2001]. Então os Estados Unidos não têm essa noção de que guerra não dá lucro. De que guerra é uma coisa problemática. Você precisa reconstruir o país depois da guerra. Os Estados Unidos lucraram na Primeira Guerra Mundial e lucraram na Segunda Guerra Mundial. Toda a prosperidade americana nas décadas de 1950 e 1960 foi derivada das vantagens que obteve na Primeira e na Segunda Guerra Mundial. E a China tem essa noção de que você tentar o domínio militar é uma arma perigosa que pode se voltar contra você. Você vai pagar um preço alto por isso. Eu acho que isso está dentro da filosofia do BRICS. É necessário uma alternativa pacífica não militar, não política e não ideológica para que o mundo volte a crescer.
RDMNews: Ok. Muito obrigado, Pedro Paulo pela entrevista e até a próxima. E que a partir de agora vai ser também o nosso analista e comentarista de assuntos internacionais aqui do canal RDMNews.
Pedro Paulo Rezende: Muito obrigado pelo convite que eu aceitei com muita honra.
A entrevista concedida por Pedro Paulo Rezende também pode ser assistida na plataforma “Youtube”.