ENTREVISTA DA SEMANA | Deputado federal Joseildo Ramos
Congressista defende a criação de órgão para avançar na exploração agrícola com respeito ao meio ambiente
De acordo com parlamentar baiano, a criação do novo órgão – Sistema unificado de assistência técnica e extensão rural – está na mesa do ministro Paulo Teixeira; segundo ele, a iniciativa é fundamental para o avanço da agricultura sobre o Matopiba e não perdermos “muitas áreas agricultáveis”.
Por Humberto Azevedo
O deputado Joseildo Ramos (PT-BA) em entrevista exclusiva ao portal RDMNews defendeu a criação de um novo órgão ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para que o país possa avançar na sua vocação de expansão agrícola sem desrespeitar o meio ambiente.
De acordo com parlamentar baiano, a criação deste novo órgão denominado de Sistema unificado de assistência técnica e extensão rural (Suater), está na mesa do ministro Paulo Teixeira e nos próximos dias deve ser apresentado como uma alternativa fundamental para o avanço da agricultura sobre as áreas localizadas na nova fronteira agrícola popularmente conhecida como Matopiba (que integra terras do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Segundo ele, sem a criação deste novo órgão, o país perderá “muitas áreas agricultáveis”.
Engenheiro agrônomo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ramos afirmou que “é fundamental para esse país seguir como a [nação] que preserva efetivamente aquilo que ele faz de melhor que qualquer outro lugar do ponto de vista de tecnologias [voltadas] para a agricultura e pecuária vinculada a um bioma, ou biomas tropicais”.
Segundo o parlamentar, o Suater prevê assistência técnica “na medida e no tamanho certo”. “Então, nós evoluímos bastante, mas temos essa carência de não produzir isso [assistência técnica voltada para os agricultores familiares]. Não necessariamente uma direção [que prestigie] o agronegócio, mas numa direção de contribuir, para deixar florestas nas áreas mais sensíveis da proteção da própria água, do combate e da prevenção da erosão, da proteção da fauna e da flora”, comentou.
“Então, isso [o texto da propositura a ser apresentada pelo governo] deve chegar agora, por esses dias. Sem essa iniciativa [criação do Suater], nós perderemos muitas áreas agricultáveis. O Brasil é um continente e ninguém tem áreas agricultáveis como nós temos no nosso país. E a gente precisa aproveitar e ter juízo”, acrescentou.
PROTEÇÃO DE BIOMAS
Joseildo Ramos entende que se o Brasil já dispusesse de um órgão como o Suater, os efeitos das transformações climáticas que vem arrasando o Rio Grande do Sul provavelmente não aconteceriam na escala em que se deu a tragédia ambiental que já matou 162 pessoas e afetou mais três milhões de habitantes.
“Os pampas, praticamente está todo tomado para não dizer destruído – um dos [nossos] seis biomas, e o resultado está aí. Inclusive, o próprio governador [Eduardo Leite (PSDB)] – eu espero que ele faça um mea culpa, que ele se redima do que fez, porque certamente, eu não desconheço que ele seja um homem que pensa e pensa bem, do seu jeito, enfim, mas ele sabe o que ele fez da estrutura legal de proteção ambiental no Rio Grande do Sul”, complementou.
“Nós estamos na antessala do caos. Por que se tem de todo o período republicano [iniciado em 1889], neste país, o Congresso mais reacionário que eu já vi na minha vida. E que produz uma série de retrocessos em leis em que o Brasil é lembrado em qualquer praça de debates pela qualidade das suas leis que estão sendo trucidadas”, completou.
FAKE NEWS
Sobre a inação por parte da Câmara dos Deputados na tramitação do Projeto de Lei (PL) 2630 de 2020, já aprovado pelo Senado, e que torna crime quem propagar notícias falsas em ambientes cibernéticos, o petista baiano destacou que “o Brasil não pode se furtar e nem o Poder Legislativo não pode reclamar que outro Poder [no caso o Judiciário] transborde dos seus muros e vá fazer aquilo que o Congresso não está fazendo e que é o seu dever fazer”.
No próximo mês, a Suprema Corte do país começará um julgamento de trechos da legislação que criou o marco civil da internet na qual poderá definir quais são as responsabilidades dos provedores, das plataformas digitais, no tráfego cibernético de informações erradas e mentirosas que são propagadas no ambiente virtual.
“O crime [das fake news] é grande e mata muito, viu! Mata e mata muito. Matou na pandemia como um manicômio que tinha toda a capilaridade e produzia uma usina de mentiras, como aconteceu. Então, nós não podemos nos submeter a isso porque vai terminar na barbárie”, argumentou.
“Não cabe ao Congresso se desvestir das suas principais funções e uma delas é essa, nós estamos na era digital. E os crimes que são cometidos através das fake news, das mentiras, já produziu muita desgraça no mundo afora”, lamentou.
Abaixo, segue a íntegra da entrevista concedida pelo petista baiano:
RDMNEWS: A próxima fronteira agrícola a ser expandida é a que se refere a exploração dos biomas encontrados na área denominada de MATOPIBA (leste do Mato Grosso, sul do Maranhão e do Piauí e oeste da Bahia), onde encontram biomas frágeis como do cerrado e da caatinga. Desta forma, como aliar a produção (desenvolvimento econômico) com a sustentabilidade do meio ambiente para não deixar um legado de destruição para as futuras gerações nos próximos anos e décadas?
“É preciso que, aí sim, a articulação do poder público é vital. O sistema Suater [Sistema unificado de assistência técnica e extensão rural] prevê isso”
Joseildo Ramos: Toda atividade humana quando feita de maneira gregária, ela é prejudicial. A caatinga e o cerrado, que são os principais [ecossistemas] do Matopiba, na minha concepção, eles não são fragilizados. Eles aparentam fragilidade, mas eles ocorrem de maneira rigorosa naqueles ambientes em que se dá o [seu] início natural. Então, qual é o processo? É preciso que, aí sim, a articulação do poder público é vital. O sistema Suater [Sistema unificado de assistência técnica e extensão rural] prevê isso. Não necessariamente uma direção [que prestigie] o agronegócio, mas numa direção de contribuir, para deixar florestas nas áreas mais sensíveis da proteção da própria água, do combate e da prevenção da erosão, da proteção da fauna e da flora. Criando corredores sem opções de continuidade, por exemplo: se faz uma mata no cocuruto de uma serra, deixa ela lá e não existe comunicação com outro processo, no relevo, na geografia do lugar, isso não se traduz em algo de preservação; e daí entra a necessidade enquanto ainda dá tempo do poder público ter amostras significativas, ou seja, parques de preservação para que eles possam repovoar e reconstituir áreas degradáveis e por aí afora. Então, é o único ambiente, eu, inclusive, digo que não é tão fácil para o agricultor familiar. Ele preserva, sim, é verdade, mas tem produtores que sequer têm áreas para garantir o sustento da sua família e aí como mitigar os problemas ambientais? Então, tem tarefas que são hercúleas e que precisam ser feitas. Mas é possível, sim. Existe tecnologia, força de trabalho e os técnicos do Brasil são de excelência para poder topar esse desafio.
RDMNEWS: Ao apresentar sua ideia de se criar um Sistema Unificado de Assistência Técnica e Extensão Rural (Suater) ao MDA, qual seria a importância deste futuro órgão tanto no desenvolvimento econômico, quanto na proteção ambiental para garantir geração de emprego, renda, com sustentabilidade? Este futuro órgão precisaria de que tipo de organograma para funcionar? A criação deste órgão seria um diferencial para o país captar mais recursos de empresas e países que queiram investir no Brasil?
“Nós evoluímos bastante, mas temos essa carência de não produzir assistência técnica na medida e no tamanho certo”
Joseildo Ramos: Olhe bem, eu creio que este decreto [de criação] da Suater está maduro, porque eu não conheço – até alguém do agronegócio, pecuaristas, e principalmente os agricultores familiares, que desconheçam a absoluta necessidade de se ter uma assistência técnica enquanto política pública no campo. Isso é fundamental para esse país seguir como a [nação] que preserva efetivamente aquilo que ele faz melhor que qualquer outro lugar do ponto de vista de tecnologias [voltadas] para a agricultura e pecuária vinculada a um bioma, ou biomas tropicais. Então, nós evoluímos bastante, mas temos essa carência de não produzir assistência técnica na medida e no tamanho certo.
RDMNEWS: Mas tem alguma previsão para que esta iniciativa seja apresenta pelo MDA e o futuro órgão comece a vigir?
“Isso [o texto da propositura a ser apresentada pelo governo] deve chegar agora, por esses dias, e eu garanto que vai encontrar um ambiente razoável, vai ter debate”
Joseildo Ramos: Tem. Na realidade, é o seguinte: este ano é atípico e pequeno [no processo legislativo] por conta das eleições municipais. Nós entregamos o texto, é um texto que estabelece as diretrizes efetivas de uma lei que possa unir os entes federados. Ou seja, os municípios, estados e a União para que eles, por adesão, possam efetivamente resolver o problema da fome, do respeito ao [meio] ambiente [através das] faunas, floras, os biomas, que são seis biomas nas cinco regiões. A unidade do Suater deve ser o território de identidade, onde estão as bacias [hidrográficas], que devem reger o potencial de prover água na medida das necessidades da agricultura verdadeiramente planejadas e no âmbito da agricultura familiar. Então, isso [o texto da propositura a ser apresentada pelo governo] deve chegar agora, por esses dias, e eu garanto que vai encontrar um ambiente razoável, vai ter debate, [em] que tem gente que presta assistência técnica nos departamentos das grandes empresas produtoras [do] agronegócio em si, mas a agricultura familiar não detém por parte dos seus interesses [a] possibilidade da sua assistência técnica a não ser por via de uma política pública.
RDMNEWS: A mais grave catástrofe e tragédia ambiental e climática vivenciada pelo Brasil neste 2024 com as inundações causadas pelas fortes chuvas que castigam quase 90% dos municípios gaúchos seria, de acordo com vários especialistas, uma amostra de que provavelmente já atingimos o ponto sem retorno provocado pela ação humana nas mudanças climáticas. Visto isso, como adaptar as políticas públicas às ocorrências extremas (excesso de chuvas, estiagens prolongadas, ar seco, altas e baixíssimas temperaturas) que serão cada vez mais comum? O que é preciso para que as legislações se adequem e minorem a vida das pessoas que vão ser cada vez mais afetadas por estas ocorrências?
“Eu considero que sem essa iniciativa [criação do Suater], nós perderemos muitas áreas agricultáveis”
Joseildo Ramos: Nós estamos na antessala do caos. Por que se tem de todo o período republicano [iniciado em 1889], neste país, o Congresso mais reacionário que eu já vi na minha vida. Então, e que produz uma série de retrocessos em leis em que o Brasil é lembrado em qualquer praça de debates pela qualidade das suas leis que estão sendo trucidadas, neste momento agora, algumas semanas atrás, em que se votou uma matéria que eleva o plantio monocultural de florestas plantadas decidindo ali que não fere a questão ambiental. Longe disso, longe disso! Tem-se plantas que se adaptaram ao longo da vida como o eucalipto, em que se tem um termo técnico – que é a alelopatia, que junto com fungos produzem antibiose, quer dizer, uma espécie de antibiótico que não [permite o crescimento de] várias espécies, onde tem o eucalipto. Então, isso é terrível! E pelo espaçamento de que se usa, que não é nem aqui de uma floresta tropical, de manejo, e lá fora, nas regiões temperadas, espaçamentos com a quantidade de indivíduos e plantas por hectare. Portanto, a usina de processamento de água é imensa e a capacidade de se fazer a reprovisão desta água em alguns ambientes é impossível. Daí a desertificação que está acontecendo em boa parte da caatinga brasileira. Então, eu considero que sem essa iniciativa [criação do Suater], nós perderemos muitas áreas agricultáveis. O Brasil é um continente e ninguém tem áreas agricultáveis como nós temos no nosso país. E a gente precisa aproveitar e ter juízo.
RDMNEWS: Esse fenômeno da desertificação também está acontecendo no bioma dos pampas também, não é?
“Os pampas, praticamente está todo tomado para não dizer destruído – um dos [nossos] seis biomas, e o resultado está aí”
Joseildo Ramos: Os pampas, praticamente está todo tomado para não dizer destruído – um dos [nossos] seis biomas, e o resultado está aí. Inclusive, o próprio governador [Eduardo Leite (PSDB)] – eu espero que ele faça um mea culpa, que ele se redima do que fez, porque certamente, eu não desconheço que ele seja um homem que pensa e pensa bem, do seu jeito, enfim, mas ele sabe o que ele fez da estrutura legal de proteção ambiental no Rio Grande do Sul. A liberação absurda e que fica na mão do produtor e aí nós estaremos sujeitos a seriedade de quem quer que seja com relação a proteção ambiental. E o estado não cumpre o seu papel de proteger a política pública o [meio] ambiente, a fauna, a flora, enfim.
RDMNEWS: Em tempo a maior catástrofe e tragédia ambiental e climática já vivida pelo Brasil no Rio Grande Sul (RS), temos ainda que conviver com o crescente uso da desinformação profissional levado a um sem número de pessoas deturpando o que de fato aconteceu e atrapalhando os serviços oficiais e voluntários a prestarem a ajuda e o devido socorro às vítimas das enchentes. E com o debate sobre regulação das plataformas digitais voltado à estaca zero na Câmara na chamada “Lei das Fakes News”, o que fazer? Qual seria a solução para resolver este grave problema que põe em risco a vida de pessoas que estão precisando de ajuda e daquelas que estão ajudando?
“O Brasil não pode se furtar e nem o Poder Legislativo não pode reclamar que outro Poder transborde dos seus muros e vá fazer aquilo que o Congresso não está fazendo e que é o seu dever fazer”
Joseildo Ramos: Aí tem um emaranhado de situações. A primeira delas é que nós estamos em época de eleições internas no Congresso, inclusive, na Câmara. E aí a sensibilidade dos que mandam ficam à flor da pele. Por aí começa a nossa preocupação e também a turma vinculada à extrema-direita e à direita, ela reclama de que a liberdade de opinião será afetada. Mas existe o crime de opinião quando principalmente você influencia com a sua fala uma série de seguidores independentes do espaço digital, ou até o espaço de fala. Então, os criminosos também habitam esse mundo [digital e virtual] e o próprio [modelo de negócios destas] grandes empresas e grandes plataformas [digitais] sabem do que elas devem. Então, o Brasil não pode se furtar e nem o Poder Legislativo não pode reclamar que outro Poder transborde dos seus muros e vá fazer aquilo que o Congresso não está fazendo e que é o seu dever fazer. Então, eu acho que estamos num momento crucial, mas eu sinceramente não acredito que este ano seja resolvida esta questão. Se acontecer, menos mal. Por que o crime é grande e mata muito, viu! Mata e mata muito. Matou na pandemia como um manicômio que tinha toda a capilaridade e produzia uma usina de mentiras, como aconteceu. Então, nós não podemos nos submeter a isso porque vai terminar na barbárie.
RDMNEWS: Por fim, com a interrupção do debate da “Lei das Fake News na Câmara, e com as eleições municipais chegando, a proliferação destas notícias falsas não é um risco iminente para a democracia brasileira? Como proceder com eleições democráticas, justas, com este elemento desagregador e insalubre que são as notícias falsas, deturpadas, mentirosas em meio ao debate público? Será que o julgamento na Suprema Corte, a partir de junho, sobre a responsabilidade dos provedores pelos conteúdos publicados nas plataformas digitais no âmbito do marco civil da internet pode ser a solução, já que o parlamento não delibera, para esta questão do enfrentamento das fake News? Mas esta decisão via justiça não poderia gerar embaraços?
“Os crimes que são cometidos através das fake news, das mentiras, já produziu muita desgraça no mundo afora”
Joseildo Ramos: Existe sempre esse perigo, porque tem de tudo. [Mas] a roda da vida gira. Então o que hoje é fato, amanhã pode ser fake. E não cabe ao Congresso se desvestir das suas principais funções e uma delas é essa, nós estamos na era digital. E os crimes que são cometidos através das fake news, das mentiras, já produziu muita desgraça no mundo afora. A gente não pode ficar à mercê de um Poder quando um outro se recusa a fazer o seu trabalho. Acho que estamos vivendo um episódio que custará muito caro ao brasileiro porque está passando a janela de oportunidades que a gente teve em mãos nestes últimos cinco anos.