BRICS não é “anti-Ocidente”, mas busca equilíbrio geopolítico, afirma Celso Amorim
Atual assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais e um dos fundadores do BRICS, o embaixador reforça o papel do grupo como alternativa multilateral.
Por Humberto Azevedo
Um dos participantes do 10º “Diálogo de Planejamento de Política Externa” dos países que integram o bloco econômico BRICS, realizado nesta semana, em Brasília, o atual assessor especial da Presidência da República do governo brasileiro para assuntos internacionais e também um dos fundadores do acrônimo BRICS, o embaixador Celso Amorim reforçou que o papel do novo organismo, criado em 2009, atua em favor multilateralismo e do desenvolvimento e jamais como uma aliança “anti-Ocidente”.
Inicialmente, o BRICS fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que dão origem as letras que formam simbolicamente o acrônimo do bloco econômico, possui atualmente outras seis nações que foram integradas nos últimos anos como membros permanentes: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito, Etiópia, Irã e Indonésia. O assessor especial do presidente Lula para questões estrangeiras, Amorim, destacou a evolução do agrupamento desde as primeiras negociações do bloco. E defendeu a recente expansão, mas admitindo que a complexidade do colegiado aumentou.
Ao revisitar as origens do grupo, Celso Amorim lembrou que o “Diálogo de Planejamento de Política Externa” do BRICS teve sua origem a partir de uma proposta feita pela presidência brasileira do grupo no ano de 2014. E, segundo ele, representa um marco nas discussões informais entre os ministérios das relações exteriores dos países-membros. Amorim citou que o primeiro evento dessa natureza foi realizado em 2015, na Rússia, e desde então o “Diálogo” tem ocorrido anualmente, sempre com foco nas necessidades e prioridades do Sul Global.
“O BRICS nasceu de uma convergência de interesses, incluindo a ideia do IBAS (Índia, Brasil, África do Sul), e hoje representa um contrapeso geopolítico. (…) A África e o mundo árabe precisavam de representação. A Indonésia, com população maior que a do Brasil, também. (…) Não somos ‘anti’. Somos pró-desenvolvimento, pró-multilateralismo, pró-equilíbrio e pró-justiça social. O BRICS não é anti-ocidente, é pró-equilíbrio”, argumentou.
NOVA GEOPOLÍTICA
Entretanto, o embaixador reconheceu que a ampliação no número de países integrantes junto ao BRICS exige muito mais trabalho diplomático, mas ressaltou: “É para isso que serve a diplomacia”. Sobre o novo cenário global, Amorim lembrou as “duas grandes mudanças dos últimos 30 anos: o fim da URSS [União das Repúblicas Socialistas Soviéticas] e a crise do multilateralismo liderado pelos EUA”, defendendo que o BRICS oferece uma alternativa.
Amorim destaca a importância do Brasil no grupo e a intensa agenda de reuniões ministeriais durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, incluindo encontros de assessores de segurança nacional. A décima edição do “Diálogo de Planejamento de Política Externa” do bloco econômico dos países que integram o BRICS ocorreu nos últimos dois dias de discussões intensas realizadas no Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores (MRE), em Brasília.
Entre as prioridades das conversas estiveram as melhores práticas no planejamento de políticas externas e a análise das atividades mais recentes dos escritórios de planejamento de políticas de cada país do agrupamento. Outro ponto de debate se concentrou em um exercício de “varredura de horizonte”, onde os participantes fizeram uma avaliação da geopolítica global e das tendências no sistema internacional.
A proposta do BRICS de contribuir para uma reforma na governança global foi um dos principais tópicos abordados, incluindo a análise de uma ordem mundial mais justa e democrática, tema que vem sendo discutido pelo grupo desde o ano passado. “O Brasil já fez história no BRICS, e o grupo fará história na ordem internacional”, completou.
Entre as principais prioridades do “Diálogo” está a troca de avaliações sobre os desenvolvimentos regionais e internacionais, com uma atenção especial às questões do Sul Global, que muitas vezes são negligenciadas nos fóruns tradicionais. O trabalho também buscou identificar áreas de convergência nas políticas dos membros do BRICS e fomentar um espaço para a reflexão sobre futuras vias de cooperação, promovendo um estreitamento das relações dentro do grupo.
AMPLOS DEBATES

A principal característica do “Diálogo de Planejamento de Política Externa” do BRICS é o formato abrangente, onde as autoridades responsáveis pelo planejamento de políticas externas dos países-membros discutem temas relevantes sem a pressão de gerar um documento final. Não se trata de um fórum de decisões formais, mas de um local de troca de opiniões, onde é possível refletir sobre as questões mais atuais e os desafios que moldam o futuro do sistema internacional e do próprio BRICS.
Em 2024, durante a presidência russa do BRICS, o evento ganhou uma nova dinâmica ao retornar ao formato presencial após quatro anos de reuniões virtuais, devido às restrições impostas pela pandemia. O Diálogo realizado em Moscou foi também o primeiro a incluir os novos membros do BRICS, o que trouxe uma nova perspectiva para as discussões e ajudou a fortalecer a colaboração entre os países, promovendo um melhor entendimento entre as partes.
Em janeiro de 2025, a Indonésia entrou como membro pleno do BRICS. Essa foi a primeira expansão do grupo sob a presidência brasileira, iniciada em 1º de janeiro. O Ministério das Relações Exteriores brasileiro saudou a entrada da Indonésia, destacando o país como “a maior economia do Sudeste Asiático” e seu alinhamento com os objetivos do BRICS.
A embaixadora indonésia Spika Tutuhatunewa, representante da Agência de Estratégia de Política Externa do Ministério das Relações Exteriores daquele país, expressou entusiasmo com a recente adesão de seu país ao BRICS. Ela falou da relevância da conversa multilateral durante sua participação no “Diálogo de Planejamento de Política Externa” do BRICS, em Brasília.

“Estamos muito animados por nos tornarmos membros do BRICS e por participar deste diálogo pela primeira vez”, disse Spika – que ressaltou que as discussões — divididas em temas como geopolítica, geoeconomia e desenvolvimento regional — permitiram à delegação da Indonésia compreender as posições de cada país integrante e suas visões sobre os desafios globais.
Ao falar sobre os focos de atuação do país no grupo, a embaixadora Spika Tutuhatunewa destacou a busca por cooperação prática e inclusiva, citando áreas como mudança do clima, governança de inteligência artificial, transformação digital e segurança alimentar e energética — esta última, uma prioridade do novo governo do presidente da Indonésia, Prabowo Subianto.
“Podemos avançar de forma mais concreta, e a Indonésia quer trabalhar com os demais membros para fortalecer essa nova ordem”, completou, reforçando o compromisso com um sistema global menos centralizado e mais representativo.
COOPERAÇÃO INTERNA
A cooperação interna do BRICS também foi um ponto de destaque nas discussões, com o objetivo de fortalecer a coordenação entre os países-membros. Isso é fundamental para garantir que o grupo, composto pelos 11 países permanentes, continue a desempenhar um papel importante na definição da governança global e na promoção de uma ordem internacional mais equilibrada.
O “Diálogo de Planejamento de Política Externa” do BRICS é uma oportunidade para discutir questões de política externa, uma plataforma para fortalecer as relações entre os países membros e para refletir sobre o futuro da governança global. Ao reunir as economias em desenvolvimento do mundo, este ano sob a presidência do Brasil, o Diálogo se apresenta como um elemento essencial na busca por uma ordem mundial mais inclusiva e justa, refletindo as necessidades de um mundo cada vez mais multipolar.
DESAFIOS GEOPOLÍTICOS
O chefe do gabinete de planejamento político do Brasil, embaixador Sérgio Rodrigues do Santos, coordenou o “Diálogo de Planejamento”. Ele salientou a importância do encontro entre os países-membros para analisar tendências geopolíticas e fortalecer a coordenação do grupo.
O embaixador considera enriquecedor ter diferentes pontos de vista sobre as mesmas situações que o mundo vive hoje, ressaltando que o debate inclui temas como reforma das instituições globais — que é um ponto de convergência entre os membros do grupo, segundo ele.
Apesar da sintonia em temas como multilateralismo e governança global, Sérgio Rodrigues do Santos esclareceu que o grupo não tem mandato para negociar posições comuns ou declarações conjuntas.
“O objetivo é propiciar uma troca de visões e interpretações sobre os desdobramentos globais e as tendências do sistema internacional, permitindo que os países compartilhem análises a partir de suas realidades regionais”, pontuou, explicando que a “nossa função é trocar avaliações mútuas sobre o sistema internacional”. “As informações discutidas são levadas para cada ministério das Relações Exteriores e servem para subsidiar análises que apoiam a execução da política externa de cada país”, observou.
O encontro abordou também temas como crescente protagonismo do grupo em debates sobre ordem multipolar, comércio em moedas locais e reforma de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil, que preside o BRICS, tem reforçado seu papel como ponte entre o Sul Global e economias emergentes, alinhando-se a temas como paz internacional e desenvolvimento sustentável.
Com informações de assessoria.