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A Faixa de Gaza é aqui: por que armas israelenses alimentam conflitos no Brasil?

Faixa de Gaza e Complexo de Israel, os topônimos cariocas que fazem alusão à zona de maior conflito atualmente no Oriente Médio, não são a única semelhança entre as duas regiões. Testadas na guerra em Gaza, armas israelenses aparecem em cidades brasileiras nas mãos tanto de policiais quanto de criminosos

Por Sputnik Brasil

De armamentos de pequeno porte, como pistolas, a mísseis de grande poder destrutivo, o enclave palestino é há bastante tempo um laboratório a céu aberto para novas invenções da indústria bélica israelense.

Ainda que seja conhecida por suas grandes empresas de defesa focadas em mísseis e armas de grande porte, como a Elbit, a Indústria Aeroespacial de Israel (IAI) e a Rafael Advanced Defense Systems, a indústria de defesa de Israel também é proficiente em outros tipos de armamentos, como softwares de monitoramento, como o FirstMile, e armas de fogo usadas por exércitos ao redor do mundo.

É o caso das próprias polícias estaduais brasileiras, que trabalham com uma série de armamentos de origem israelense, como o fuzil Arad de calibre 5,56 mm e a metralhadora leve Negev de calibre 7,62 mm, ambos da Israel Weapon Industries (IWI), além dos veículos blindados conhecidos como caveirões, produzidos pela israelense Global Shield.

“A indústria bélica israelense se destaca no mercado internacional justamente porque desenvolve e testa em território palestino armamentos e tecnologias alinhados com as doutrinas militares da guerra de contrainsurgência“, afirmou Carolina Grillo, professora do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI), também da UFF.

“Israel se tornou uma potência militar especializada nesse tipo de conflito e passou a exportar sua tecnologia e expertise”, destacou a especialista em declarações à Sputnik Brasil.

A maioria dos embates armados ao redor do mundo, seja em caso de guerras abertas, seja na chamada guerra às drogas, “assumem características de guerrilha e se arrastam por muitos anos, ou mesmo décadas, apesar da grande desproporção de força entre as partes, sendo, portanto, chamados de ‘conflitos de baixa intensidade'”, explicou Grillo.

Em grande destaque recente, o fuzil Arad, da IWI, é o caso exemplar da venda de armamentos militares às forças policiais brasileiras. O modelo não foi criado, a princípio, para ser usado pelas Forças de Defesa de Israel (FDI), mas sua efetividade no combate é tanta que foi adotado pela unidade de contraterrorismo das Forças Armadas do país.

Ao redor do mundo, no Chile, no Equador e na Itália, o modelo foi adotado por batalhões militares de forças especiais, enquanto nas Filipinas o fuzil é utilizado pela guarda presidencial.

No Brasil, ele foi adotado pela Polícia Civil de São Paulo, pela Polícia Militar do Espírito Santo, pelo Esquadrão de Motociclistas Águia, da Polícia Militar da Bahia, e pelos batalhões operacionais do Rio de Janeiro, como o de Operações Policiais Especiais (BOPE); o de Ações com Cães (BAC), da Polícia de Choque; o Grupamento Tático de Motociclistas (GTM); e o Grupamento Aeromóvel (Gam).

Palestino sai de prédio destruído por bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no campo de refugiados Al-Maghazi, em Deir al-Balah, em 25 de outubro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 02.05.2024

A escolha desse rifle, usado pelas forças militares ao redor do mundo, pelas polícias brasileiras é um reflexo da prática das corporações. “Adotam táticas de contrainsurgência para o controle do crime comum violento em áreas urbanas, submetendo segmentos da sua própria população civil a experiências de guerra”, diz Grillo.

Nas avaliações dos técnicos das corporações, contudo, o modelo se apresenta como ideal para operações no perímetro urbano por ser leve, possuir maior precisão e um calibre de 5,56 mm.

O antropólogo Robson Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), coronel da reserva da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e ex-comandante das Unidades de Polícia Pacificadora UPPs, confirma essas vantagens. “Várias polícias no mundo democrático ocidental usam fuzis de assalto mais leves, que usam calibres 556 (ou 223), mais velozes e com maior poder de parada (stopping power) do projétil.”

“Há vantagens, como a maior precisão do tiro e a menor penetrabilidade do projétil por sua fragmentação. Mas é importante uma maior qualificação do policial e critérios rigorosos para o seu uso, que deve se restringir apenas a ações especificamente necessárias de segurança pública”, argumentou também em entrevista à Sputnik Brasil.

Para Grillo, no entanto, o uso desses instrumentos, assim como veículos blindados e helicópteros é “incompatível com as praticas de policiamento em áreas urbanas”.

“Prejudicam as cautelas necessárias à preservação da vida da população civil e contribuem para a escalada da violência armada.”

De fato, atentou Rodrigues, “não se pode banalizar o seu uso a pretexto de vivenciarmos algum tipo de ‘guerra’, o que não é verdade”, disse.

“Temos, sim, problemas crônicos de segurança pública, muitas vezes gerados pela própria incapacidade de o poder público entender esses problemas.”

Um deles é justamente a origem das armas usadas pelos criminosos. Um recente relatório da Polícia Militar do Rio de Janeiro apontou “o predomínio de fuzis estadunidenses e israelenses nas mãos das facções criminosas do estado”, disse Rodrigues. “No entanto, a própria corporação possui armas oriundas desses dois países em seu plantel bélico.”

Este, segundo Grillo, é inclusive um dos caminhos pelos quais essas armas podem chegar às mãos dos criminosos. “Boa parte dessas armas e munições em posse de criminosos é desviada das próprias forças armadas e policiais ou compradas legalmente por meio de sistemas controlados pelo Exército e pela Polícia Federal”.

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