Em entrevista coletiva, Lula lamenta nova ‘Guerra Fria’ e fala para Bolsonaro assumir suas responsabilidades na trama golpista
O presidente brasileiro falou ainda da relação civilizada entre os Três Poderes no Brasil, presunção de inocência aos acusados de tramar golpe de Estado e agradece por ninguém perguntar sobre Argentina x Brasil.
Por Humberto Azevedo
O presidente Lula se despediu nesta quinta-feira, 27 de março, da agenda oficial de Estado que teve na capital japonesa em que por três dias esteve reunido com os chefes de governo e de Estado do país, com a participação de cerca de 500 dirigentes empresariais, sindicais, comunidade científica e acadêmica.
Em conversa com jornalistas, Lula reforçou a importância dos compromissos para as relações comerciais e tecnológicas entre Brasil e Japão, com mais de 80 atos assinados, entre acordos econômicos e parcerias de intercâmbio nas mais diversas áreas e reiterou a preocupação com o descumprimento de acordos climáticos históricos, como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris, construídos na duas primeiras décadas do século com a finalidade de conter as tragédias trazidas pelo aquecimento global nas décadas seguintes.
Ao comentar sobre sua decisão de levar a tiracolo a cúpula do Poder Legislativo brasileiro, o presidente foi enfático ao descrever a retomada da normalidade democrática no Brasil, e ilustrou esse esforço com as presenças dos presidentes da Câmara dos Deputados, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) na comitiva brasileira.
Além de Motta e Alcolumbre, os ex-presidentes das duas Casas legislativas, deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo pacheco PSD-MG) também foram convidados a integrar a comitiva chefiada pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e que contou com vários outros ministros.
NOVA GUERRA FRIA
Questionado sobre a “nova Guerra Fria” entre Estados Unidos da América (EUA) e China, provocada pelo presidente norte-americano, Donald Trump, Lula afirmou que o mundo não deve aceitar esta agressão ao multilateralismo e às soberanias nacionais com a adoção das tarifas adotadas pelos EUA aos demais países do globo, incluindo o Brasil que foi atingido pela taxação de 25% sobre a exportação do aço e minério de ferro para aquele país.
“Eu acho que o presidente Trump, como presidente dos Estados Unidos, ele tem o direito de tomar decisões dentro dos Estados Unidos. O que ele precisa é medir as consequências dessas decisões. Qual será o efeito dessa decisão para os Estados Unidos? Eu, sinceramente, se ele está pensando que tomando essa decisão, de taxar tudo aquilo que os Estados Unidos importam, eu acho que vai ser prejudicial aos Estados Unidos. Isso vai elevar o preço das coisas e pode levar a uma inflação que ele ainda não está percebendo. Agora, como ele tem assessor econômico, tem gente para orientá-lo, eu não sei como é que ele vai reagir se isso acontecer”, comentou.
“Na parte do Brasil, ele taxou o aço brasileiro em 25%. Nós temos duas decisões a fazer. Uma é recorrer na Organização Mundial do Comércio, que nós vamos recorrer, e a outra é a gente sobretaxar os produtos americanos que nós importamos. É colocar em prática a lei da reciprocidade. Não dá para a gente ficar quieto, achando que só eles têm razão e que só eles podem taxar outros produtos. Os Estados Unidos, ele vende também para o Japão. Ele não só compra do Japão, ele vende também. Ele não só compra do Brasil. Nós temos uma relação, um fundo comercial, de praticamente 87 bilhões de dólares, dos quais eles são superavitários em 7 bilhões de dólares”, complementou.
“Então, é um comércio muito equilibrado e que nós vamos tomar as atitudes que nós entendemos que seria bom para o Brasil. Eu acho muito ruim essa taxação, porque ao invés de a gente facilitar o comércio no mundo, a gente está dificultando o comércio no mundo. E esse protecionismo não ajuda nenhum país no mundo. Não ajuda. Vamos ver as consequências disso. Vamos ver. Eu acho que será ruim para os Estados Unidos. Vamos esperar o tempo, porque o tempo, quem sabe nesse caso, seja o senhor da razão”, emendou.
BOLSONARO
Indagado sobre a decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) em tornar o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL) e outras sete pessoas réus na ação penal que investiga a adoção da tentativa de golpe de Estado, Lula falou para Bolsonaro assumir suas responsabilidades na trama golpista e não ficar chorando, ou pensando em fugir do país.
“Eu espero que a Suprema Corte faça o julgamento que precisa ser feito e que tome a decisão em função dos autos do processo. Eu não acho que o ministro tem que falar para a imprensa, que tem que fazer discurso. Eu acho que tem que votar. Não é o homem Bolsonaro que está sendo julgado. É um golpe de Estado que está sendo julgado. É a conduta desse cidadão que está sendo julgada. Então, eu penso que se ele estiver culpado, ele tem que se contentar com a punição. Isso vale para todos os 213 milhões de habitantes. Então, ao invés de chorar, caia na realidade e saiba que você cometeu um atentado contra a soberania desse país”, respondeu o presidente.
“Agora, como ele não tem como provar que ele é inocente, como ele não tem como provar que ele não tentou dar golpe, ele fica tentando fazer provocação ainda na sociedade brasileira. Eu só espero que a justiça faça justiça. Se, nos autos do processo, ele for inocente, que seja inocentado. Se ele for culpado, que seja punido. Eu, inclusive, defendo que ele tenha a presunção de inocência que eu não tive. Quando ele fala: ‘querem me proibir de disputar a eleição’, é importante lembrar que eu fui proibido de disputar as eleições em 2018”, continuou.
“Eu só espero que se faça justiça. Eu não dou palpite, não conheço os autos do processo. Eu espero que a Suprema Corte vote com a coerência de uma Suprema Corte calejada, experimentada, porque o povo brasileiro precisa, inclusive, saber que a Suprema Corte está cumprindo com o seu papel. E todo mundo sabe o que aconteceu no Brasil. Todo mundo sabe. E ele também sabe. Toda vez que alguém comete um erro, eu pergunto: ‘olha, só você sabe se é verdade ou mentira’. E ele sabe que é verdade. Ele sabe que é verdade”, completou.
“É visível que o ex-presidente tentou dar um golpe no país, é visível por todas as provas que ele tentou contribuir para o meu assassinato, para o assassinato do vice-presidente, e para o assassinato do ex-presidente da Justiça Eleitoral Brasileira, e todo mundo sabe o que aconteceu nesse país. Não adianta agora ele ficar fazendo bravata, dizendo que está sendo perseguido. Ele sabe o que ele cometeu. Só ele sabe. Só ele sabe o que ele fez. E ele sabe que não foi correto. E não adianta ficar pedindo anistia antes do julgamento. Quando ele pede anistia antes do julgamento, significa que ele está dizendo que foi culpado. Ele deveria provar a inocência dele, porque ele não precisava pedir anistia. Prova que é inocente e vai ficar livre e acabou”, finalizou.
Com informações de assessoria.