Lídice da Mata durante sessão solene, que debateu a importância da adoção do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. (Foto: Geraldo Magela / Agência Senado)

ENTREVISTA DA SEMANA | DESAFIOS CIBERNÉTICOS

A regulamentação das redes digitais “é a luta mais importante que nós temos de fazer no momento, no Brasil e no mundo, em defesa da civilização”, afirma Lídice da Mata

 

De acordo com a deputada federal, ex-senadora e ex-prefeita de Salvador (BA), a luta pela aprovação da proposta que regulamenta o uso das plataformas digitais é a defesa da “da convivência civilizatória e democrática entre os povos”.

 

Por Humberto Azevedo

 

A regulamentação das redes digitais “é a luta mais importante que nós temos de fazer no momento, no Brasil e no mundo, em defesa da civilização”, afirma Lídice da Mata. Esta e outras declarações foram dadas pela parlamentar socialista em entrevista exclusiva aos canais do Grupo RDM.

 

Deputada federal já no seu terceiro mandato, sempre pelo PSB, ex-senadora entre 2011 a 2018, e ex-prefeita de Salvador (BA) que exerceu o cargo na capital baiana no início dos anos 90 pelo PSDB, a luta pela aprovação da proposta que regulamenta o uso das plataformas digitais a defesa “da convivência civilizatória e democrática entre os povos”.

 

“Eu acho que é a luta mais importante que nós temos de fazer no momento, no Brasil e no mundo, em defesa da civilização, da convivência civilizatória e democrática entre os povos. (…) hoje ele se transforma no projeto mais importante que nós podemos votar na Câmara dos Deputados”, pontua parlamentar que iniciou sua vida partidária no velho MDB.

 

Economista de formação, Lídice da Mata faz duras afirmações e acusações contra os empresários bilionários proprietários das redes digitais de estarem transformando os Estados Unidos da América (EUA) e boa parte do mundo também em suas propriedades.

 

“É esta visão de mundo que eles têm, da garantia das empresas, dos negócios dos Estados Unidos, mesmo que isso custe a vida, a liberdade, que eles falsamente pregam. (…) no momento lá que foi tentado ser votado [o projeto que regulamenta estas redes], o Google e todas as plataformas fizeram um lobby gigantesco contra”, emendou.

 

HÁ CLIMA?

 

Lídice da Mata com o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) durante trabalhos da CPMI das Fake News, em reunião com técnicos do colegiado. (Foto: Roque de Sá / Agência Senado)

 

Questionado pela reportagem se há clima político para que esta proposição, de número 2630 de 2020, já aprovado no Senado e de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), a parlamentar baiana afirma “que nós temos que criar esse clima”. Segundo ela, “nós temos que transformar essa luta, não a luta no parlamento, mas da exigência da sociedade”.

 

“Essas declarações e essas medidas anunciadas pelo presidente [dos EUA, Donald] Trump preparam a consciência democrática para esse enfrentamento. (…) E não será um projeto pioneiro no mundo. Outros países do mundo já adotaram, a União Europeia, Austrália”, completou.

 

FAKE NEWS

 

Lídice da Mata e o senador Ângelo Coronel observam os trabalhos realizados pela CPMI das Fake News. (Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado)

 

Relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional, que foi criada para investigar os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, entre os anos de 2019 e 2020, se utilizando de perfis falsos para influenciar resultados eleitorais, Lídice da Mata apresentou um relatório de 686 páginas na qual aponta que no primeiros 18 meses de governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), o colegiado entendeu o “modelo híbrido de financiamento das fake news, que envolvia primordialmente monetização de conteúdos, doações e financiamento por figuras ocultas”.

 

“Outra contribuição importante da CPMI foi para o desbaratamento de uma rede de disparos em massa ilegais, que havia atuado de maneira muito forte e evidente durante as eleições de 2018. (…) As oitivas realizadas foram fundamentais não apenas para confirmar a veracidade das informações publicadas na imprensa, como para ampliar significativamente o conhecimento sobre as práticas de disparo em massa irregulares. (…) Outra conquista da CPMI foi uma readequação completa das políticas para a utilização de mídia programática pelos órgãos do governo federal na publicação de anúncios públicos na internet – fruto de um trabalho de investigação levado a cabo pelo colegiado sobre a utilização do Google Ads na veiculação de anúncios da Secom e da Eletrobras”, escreveu a parlamentar no relatório disponível no endereço cibernético do Senado Federal.

 

ÍNTEGRA

 

Abaixo, segue a íntegra da entrevista concedida pela deputada Lídice da Mata à reportagem do Grupo RDM, quando da posse do publicitário baiano Sidônio Palmeira no cargo de ministro responsável pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República.

 

RDM: Deputada, senadora, ex-prefeita, Lídice da Mata. Como a senhora viu a troca de mudança de ministro na Secom? Saiu o Paulo Pimenta, e entrou o Sidônio.

Lídice da Mata: Olha, é uma troca de duas personalidades diferentes, mas ambas com grande compromisso com o projeto do governo do presidente Lula. Portanto, eu acho que aquilo que foi construído pelo Paulo Pimenta, certamente terá continuidade com modificações, porque são dois olhares sobre a política de comunicação que têm suas diferenças. Apesar de ser um profissional da área, a vida de Pimenta é uma vida de político, mais ou menos como a minha, e a do Sidônio é o inverso. É a vida de quem fica por trás das câmeras, por trás dos camarins, construindo a visão de comunicação e dos políticos. Então, eu acho que é bom para movimentar o governo, para dar nova… Os governos precisam disso, de serem chacoalhados de vez em quando.

 

“Alan dos Santos, que dizia que não recebeu dinheiro algum, estava lá sendo monetizado pela Secom”

 

RDM: A senhora foi relatora da CPI das fake news, do Congresso Nacional?

Lídice da Mata: Na verdade, fui indicada pelo Pimenta, que era o líder do PT e da oposição na época.

 

RDM: O presidente era o senador Angelo Coronel, e a senhora foi a relatora. Só que a CPI não concluiu os trabalhos porque teve a pandemia no meio. E depois faltou decisão política para ter sua conclusão.

Lídice da Mata: Já havia uma pressão muito grande do bolsonarismo e o Senado, assim como a Câmara, também já tinha mudado a sua direção. Então, houve um impedimento de força maior, como diz o povo.

 

RDM: Mas a senhora chegou a construir um relatório parcial.

Lídice da Mata: Sim. Com vários elementos de indicação de como foi construído o gabinete do ódio, de como estava instalado no Palácio do Planalto. 

 

RDM: Todas essas informações foram entregues ao Ministério Público. Como ficou essa situação?

Lídice da Mata cumprimenta o ex-presidente da República, José Sarney, durante sessão solene realizada pelo Senado Federal que lembrou a passagem dos 100 anos da morte do imortal Rui Barbosa. (Foto: Geraldo Magela / Agência Senado)

 

Lídice da Mata: Como era um relatório parcial, ele não tinha oficialidade para ser entregue às autoridades. No entanto, as autoridades têm conhecimento, porque ele foi publicado. Antes de sairmos da CPMI, nós publicamos tudo o que nós conseguimos trabalhar até então. Inclusive, um trabalho que foi feito durante a CPMI, que foi um levantamento que nós tínhamos pedido internamente sobre como as redes sociais, naquele momento, naquele governo, eram beneficiadas financeiramente. E nós conseguimos divulgar, por exemplo, que muitos, a Secom estava pagando muitos sites de pedofilia, que nada tinham a ver, nem esse cuidado eles tinham. Além de estar remunerando, sim, os principais sites, blogs, meios de comunicação, redes sociais, dos próprios bolsonaristas. Alan dos Santos, que dizia que não recebeu dinheiro algum, estava lá sendo monetizado pela Secom.

 

“As redes sociais, naquele momento, naquele governo, eram beneficiadas financeiramente”

 

RDM: Lembra de cabeça quanto eram esses valores?

Lídice da Mata: Não, não, aí já tem muito tempo. Mas lá tem um registro. Tem um relatório.

 

RDM: E como a senhora avalia e analisa essa questão do enfrentamento das fake news? Só com o serviço de checagem funciona ou não? Como que a luta política deve se dar para fazer esse enfrentamento da desinformação?

Deputada Lídice da Mata (PSB-BA) e a senadora Tereza Cristina (PP-MS) durante sessão da comissão especial que debateu a Medida Provisória 1167 de 2023, que prorrogou até 30 de dezembro daquele ano a validade de leis sobre licitações. (Foto: Roque de Sá / Agência Senado)

 

Lídice da Mata: Olha, eu acho que é a luta mais importante que nós temos de fazer no momento, no Brasil e no mundo, em defesa da civilização, da convivência civilizatória e democrática entre os povos. E, no nosso caso, com o nosso povo. O que está acontecendo é um encontro de bilionários. O presidente eleito dos EUA, Trump, o mega bilionário, que interferiu bastante nas eleições dos Estados Unidos, tanto no financiamento de Trump, quanto no financiamento do Congresso, quanto na distribuição de dinheiro abertamente, como ele fez com aquele concurso lá que os premiados recebiam dinheiro, desde que fossem eleitores de Trump. Então, foi obviamente um abuso do poder econômico no processo eleitoral. Ele adquire uma rede, uma empresa de comunicação poderosa e o Mark Zuckerberg também é um bilionário hoje no mundo. Então, nós corremos o risco de um imperialismo de novo tipo, dirigido por bilionários. Não são mais empresas apenas, mas bilionários por trás dessas empresas que querem impor a sua visão do mundo. É impressionante o que o dono da Meta diz, quando ele diz que ‘estarei com o governo Trump para que ele possa garantir que nenhuma empresa americana será maltratada no mundo’. Quer dizer, é esta visão de mundo que eles têm, da garantia das empresas, dos negócios dos Estados Unidos, mesmo que isso custe a vida, a liberdade, que eles falsamente pregam.

 

RDM: Essa questão do enfrentamento tem um projeto em tramitação na Câmara, que ainda não foi votado.

Lídice da Mata: Não foi votado e eu acho que hoje ele se transforma no projeto mais importante que nós podemos votar na Câmara dos Deputados. Há uma importância essencial da luta do nosso governo, que está já em parte vitoriosa, de reorganizar a economia do Brasil e fazer com que os recursos do orçamento cheguem até os mais pobres, mas há uma outra luta fundamental que é base para que a luta econômica dos trabalhadores possa crescer, da melhoria da condição de vida do povo possa crescer, que é justamente a luta pela soberania, pela liberdade real de defender os interesses da nação brasileira, da democracia brasileira, da civilização brasileira e não dos interesses das empresas americanas de comunicação.

 

“Os governos precisam disso, de serem chacoalhados de vez em quando”

 

RDM: Mas será que vai haver clima para conseguir aprovar esse projeto?

Lídice da Mata: Eu acho que nós temos que criar esse clima, nós temos que transformar essa luta, não a luta no parlamento, mas da exigência da sociedade. E eu acho que essas declarações e essas medidas anunciadas pelo presidente Trump preparam a consciência democrática para esse enfrentamento. Porque no momento lá que foi tentado ser votado, que o relator era o Orlando Silva, o Google e todas as plataformas fizeram um lobby gigantesco contra. Eles são contra qualquer tipo de regulamentação e isso está demonstrado pelas experiências mundiais que [estas plataformas são] um desserviço ao processo democrático no mundo. E as novas definições da apontam também para essa compreensão.

 

RDM: Então vai ser um grande desafio de 2025 conseguir pautar e tentar votar esse projeto.

Lídice da Mata: Exatamente. Que diga-se de passagem não será um projeto pioneiro no mundo. Outros países do mundo já adotaram, a União Europeia, Austrália, os países da União Europeia têm diferenciado os tratamentos a essa questão também. Então, o Brasil estará atrás fazendo uma regulamentação que diga-se de passagem que não é a mais avançada. Fizemos muitas concessões para que o projeto conseguisse chegar até o plenário e infelizmente os que tinham acordado levá-lo adiante votaram atrás.

 

RDM: Qual é a perspectiva agora da nova gestão da Câmara dos Deputados com o deputado Hugo Motta?

Lídice da Mata: É muito cedo para mim, de tudo que eu conheço dele, não o conheço muito, mas venho acompanhado o testemunho daqueles que já conviveram mais com ele e que se trata de um perfil conciliador. Isso é muito importante para o Brasil nesse momento.

 

“O testemunho daqueles que já conviveram mais com ele [Hugo Motta, afirmam] que se trata de um perfil conciliador. Isso é muito importante para o Brasil nesse momento”

 

RDM: Para finalizar, a questão da FIOL, que era lá no governo Dilma uma das peças fundamentais para o desenvolvimento, retomar o nacionaldesenvolvimentismo. Isso ficou um pouco parado, suspenso.

Lídice da Mata: A crise de investimentos que nós tivemos caminhou [essa obra] lentamente e agora o PAC retomará. É óbvio que essa é uma obra que não vai estar pronta de uma hora para a outra, mas o importante é que ela permaneça, ela ganhe velocidade e eu creio que isso acontecerá sob a coordenação do ministro Rui Costa.

 

RDM: Muito obrigado.

Lídice da Mata: Eu que agradeço.

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