Qual a participação das forças de segurança do DF na tentativa de golpe de Bolsonaro?
- 20 de fevereiro de 2025
A denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por golpe de Estado, entre outros crimes, apresentada na terça-feira (18/2), revela também detalhes da omissão deliberada das forças de segurança pública do Distrito Federal (DF) para que os ataques de 8 de janeiro de 2023 tivessem ocorrido. No mesmo documento em que incrimina Bolsonaro, Gonet denuncia três ex-membros da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), que se mantiveram inertes mesmo diante de robustos alertas sobre os ataques, o que tornou clara a contribuição deles, segundo a PGR. São eles: Anderson Torres, então secretário da pasta na altura dos ataques à Praça dos Três Poderes e ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro, Fernando de Sousa Oliveira, secretário-executivo e responsável pela SSP-DF na ausência de Torres e Marilia Ferreira de Alencar, que chefiava a Subsecretaria de Inteligência (SI-SSP-DF). PGR denunciou ex-integrantes das forças de segurança do Distrito Federal de crimes como organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil) Para a PGR, o trio deverá responder por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio público e com considerável prejuízo para a vítima, e deterioração de patrimônio tombado, observada as regras de concurso de pessoas e concurso material. Na sexta passada (14/2), ao apresentar as alegações finais da PGR no âmbito de uma outra ação penal sobre a trama golpista, Gonet já havia pedido a condenação de ex-integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF), igualmente por omissão na contenção dos ataques. Tratam-se dos coronéis Fábio Augusto Vieira, Klepter Rosa Gonçalves, Jorge Eduardo Naime Barreto, Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra e Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, do major Flávio Silvestre de Alencar e do tenente Rafael Pereira Martins. Para a PGR, eles deverão responder pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além da violação de normas internas da PM-DF. Para Gonet, a PM tinha conhecimento do risco dos ataques ao ter recebido informações de inteligência. No entanto, os comandantes não se planejaram adequadamente para conter os atentados, “ignorando deliberadamente as informações de que haveria invasão a edifícios públicos e confrontos violentos, inclusive com indivíduos dispostos à morte”. Em sua manifestação mais recente, em que denunciou Bolsonaro, Gonet narra que, quatro dias antes dos atentados, um coronel da PM do Distrito Federal criou um grupo no WhatsApp chamado “Difusão”, com sete participantes de diferentes órgãos da SSP-DF, para propor soluções contra os protestos já previstos naquela altura. Entre os participantes estavam Anderson Torres, Fernando de Sousa Oliveira e Marilia Ferreira de Alencar. A análise do celular dela permitiu a descoberta do grupo e de mensagens trocadas sobre o caso. Na data de criação do grupo, o coronel da PM-DF Jorge Henrique da Silva Pinto, que não foi denunciado por crime algum, comunicou aos demais integrantes que havia aberto aquele canal por ordem da Subsecretaria de Inteligência para facilitar a transmissão de informações relativas às manifestações. No dia seguinte, o mesmo coronel passou a listar no grupo os eventos que seriam monitorados pela Coordenação de Assuntos Institucionais da SI-SSP/DF. Ele afirmou que estavam programados atos entre os dias 6 e 9 de janeiro, incluindo uma convocação dos manifestantes para a ação “Tomada de Poder”. A SI-SSP-DF criou ainda um grupo de WhatsApp de nome “CIISP MANIFESTAÇÕES”, no dia 7 de janeiro. Neste segundo grupo, às 10h32 do dia dos ataques, um membro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) compartilhou um informe sobre convocações para deslocamentos à Esplanada dos Ministérios, ocupações de prédios públicos e ações violentas. Em um terceiro grupo de WhatsApp, de nome “Análise”, que reunia 16 integrantes da Subsecretaria de Inteligência, foi compartilhado, a três dias dos ataques, um relatório da 7ª Companhia de Inteligência do Exército Brasileiro intitulado “Eventos Relevantes Pós 2º Turno das Eleições de 2022”. Ou seja, para a PGR, as autoridades locais tinham total clareza sobre o risco das convocações. Nos dois dias anteriores aos ataques, Marília e Fernando ainda trocaram mensagens demonstrando ciência sobre as convocações. “Alguma novidade sobre as manifestações do fim de semana?”, escreveu o secretário-executivo no dia 6. “Tô com o relatório aqui”, respondeu ela. No mesmo dia, ele enviou uma notícia sobre as convocações. Já em 7 de janeiro, a subsecretária de Inteligência encaminhou ao colega uma mensagem com informações sobre “MANIFESTAÇÕES CONTRA O RESULTADO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS — QGEx”, seguida da menção “ABIN”. No dia anterior aos ataques, Marília trocou mensagens com um delegado da Polícia Federal, ao qual disse ter ciência das “manifestações contra o resultado das eleições presidenciais”, e com o coronel Jorge Henrique, seu então subordinado na SI-SSP-DF. Ao policial militar, ela repassou informações da Abin e falou dos manifestantes acampados na capital federal. Havia conhecimento entre eles, segundo a PGR, de que ao menos 105 ônibus fretados chegavam a Brasília. No fatídico 8 de janeiro, um capitão da PM-DF comunicou que o número de ônibus estava em 120. Às 11h13, ele avisou que os manifestantes iriam avançar para a Esplanada dos Ministérios. Às 12h36, o mesmo militar alertou sobre a animosidade e a intenção explícita do ato de “tomar o poder”. No grupo “Difusão”, apesar da troca de mensagens ao longo do dia sobre os ataques, Marília se manifestou pela primeira vez apenas às 16h50: “Força Nacional subindo agora pro Palácio”. Às 22h09 daquele dia, o coronel da PM-DF Jorge Henrique enviou para Marília um relatório da Subsecretaria de Inteligência da SSP-DF que listava uma série de eventos até a eclosão dos ataques, com menções a ações agressivas e a catalogação de perfis identificados como violentos. Para Gonet, a gravidade da situação se intensificou com a ida de Anderson Torres, às vésperas dos ataques, para Orlando, nos Estados Unidos, onde Bolsonaro se mantinha desde a derrota nas urnas. “A viagem, mesmo diante da ciência da possibilidade de eventos dramáticos, respondeu a estratégia deliberada de afastamento e conivência com as ações violentas que se aproximavam. A postura adotada, além de fragilizar a percepção pública sobre o comprometimento das autoridades, transmitiu a mensagem de que as forças de segurança estavam alinhadas aos interesses dos violentos”, escreveu. O procurador-geral ainda recordou que Anderson, Fernando e Marília estavam lotados na cúpula do Ministério da Justiça na ocasião em que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) protagonizou bloqueios em rodovias federais do Nordeste no dia do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Os três, disse Gonet, “já haviam aderido aos planos da organização criminosa desde muito antes”. “Nesse sentido, a inércia da cúpula da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, diante de alertas claros sobre as intenções violentas dos manifestantes, coloca em evidência a continuidade da contribuição dos denunciados ao projeto antidemocrático da organização criminosa”, argumentou. “A ausência de medidas efetivas frente a alertas explícitos não pode ser atribuída à falta de preparo e organização, mas ao intento de legitimar ato de exceção, como o Estado de Defesa, já idealizado por Anderson Torres quando fora Ministro da Justiça”, acrescentou o procurador-geral, lembrando que o ex-secretário teve apreendida em sua casa uma minuta do golpe — e, conforme comandantes do Exército e da Aeronáutica depuseram à Polícia Federal, participou de reuniões sobre o documento. Quase um mês antes do 8 de janeiro, em reportagem publicada em 14 de dezembro, a Ponte também evidenciou a omissão da PM-DF na contenção de atos contra o resultado das eleições. No dia 12 daquele mês, houve por parte dos manifestantes golpistas a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal, o lançamento de botijões de gás na rua e próximos a postos de gasolina, a queima de ônibus e carros, depredação, vandalismo e a agressão a um policial civil com uma pedrada. À época, em conversa com a Ponte, o tenente-coronel da reserva da PM de São Paulo Adilson Paes de Souza, que é também doutor em Psicologia e mestre em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP), avaliou que houve uma “omissão deliberada” da corporação no Distrito Federal. Para ele, o cenário decorria da bolsonarização das polícias. “Você tem um grande grupo de pessoas que sitiaram o centro de Brasília, fizeram o que fizeram e a polícia demorou para agir. Depois de muito tempo, foi agir [com uso de bombas de gás e balas de borracha]. O que nós tivemos lá foi o cometimento de vários crimes graves. Os crimes que esse pessoal todo praticou são tipificados no Código Penal como terrorismo. E não prende ninguém?”, questionou. Em 2021, também em conversa com a Ponte, Adilson havia feito alerta parecido sobre a bolsonarização das tropas: “A possibilidade de ruptura institucional vem pelas Polícias Militares.” Ainda em 2021, uma outra reportagem mostrou que policiais militares do Espírito Santos faziam postagens nas redes sociais com ameaças golpistas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e em favor de Bolsonaro. Já no ano anterior, a Ponte havia repercutido uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBPS) segundo a qual Bolsonaro tinha apoio expressivo entre as PMs.
Cúpula da PM-DF também denunciada
‘Tomada de Poder’ no grupo de WhatsApp
Mensagens antes dos ataques
Viagem de Anderson Torres aos EUA
Bolsonarização das polícias