Após dois anos da invasão de bolsonaristas que quebrou as sedes dos Três Poderes, 21 obras artísticas que foram destruídas retornam restauradas ao Palácio Planalto
Para lembrar a data que foi chamada de “Dia da Infâmia” pela ex-ministra da Suprema Corte, Rosa Weber, Planalto organizou cerimônia de reintegração de pinturas, esculturas, relógio e vasos antigos danificados no ataque de 8 de janeiro de 2023, e que contou com a participação dos presidentes em exercício do Senado Federal e do STF.
Por Humberto Azevedo
Após dois anos da invasão protagonizada por milhares de bolsonaristas que quebrou as sedes dos Três Poderes, 21 obras artísticas que foram destruídas, retornaram restauradas ao Palácio Planalto nesta quarta-feira, 8 de janeiro. Para lembrar a data que foi chamada de “Dia da Infâmia” pela ex-ministra e então presidenta da Suprema Corte, Rosa Weber, o Palácio do Planalto organizou uma cerimônia que reintegrou pinturas, esculturas, relógio e vasos antigos danificados no ataque de 8 de janeiro de 2023. O evento contou com a participação dos presidentes em exercício do Senado Federal, senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Facchin.
A primeira parte do evento em defesa da democracia foi fechada para a imprensa. Na solenidade, restrita, participaram apenas algumas poucas autoridades e alguns convidados. Nos assentos de destaque sentaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT); a primeira-dama do país, Janja da Silva; o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin (PSB); a segunda dama do Brasil, Lu Alckmin; o ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Rui Costa (PT).
Na solenidade em que foram apresentadas as obras artísticas restauradas após serem destruídas pelos vândalos bolsonaristas, que pretendiam criar uma desordem geral com objetivo de interromper o regime democrático brasileiro instituído, em definitivo, a partir de 5 de outubro de 1988. Denominado de “Em Defesa da Democracia”, durante o evento foi lançado, ainda, o livro “Restauração – Democracia, Preservação e Memória” editado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (IPHAN) e pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
Fizeram pronunciamentos na primeira parte da solenidade a primeira-dama Janja da Silva; o presidente do IPHAN, Leandro Grass; a reitora da UFPEL, Isabela Fernandes Andrade; o embaixador da Suíça no Brasil, Pietro Lazzari, que auxiliou – sem custos ao país – na restauração do relógio suíço do século XVII e que chegou ao Brasil em 1808 pelas mãos do rei de Portugal, Dom João VI; e da ministra da Cultura, a cantora baiana Margareth Menezes, que também cantou à capela o hino nacional brasileiro na abertura da segunda parte da solenidade realizada no saguão principal do mezanino do Palácio do Planalto.
DI CAVALCANTI
Lula e Alckmin descerraram o tecido que marcou a reintegração ao acervo da Presidência da República do quadro pintado pelo artista Di Cavalcanti, chamado de “As Mulatas”. Com 3,43 metros de largura e 1,12m de altura, a pintura sofreu facadas nos atos de vandalismo de 8 de janeiro de 2023. Momentos antes, o presidente acompanhou a entrega de uma ânfora italiana (vaso antigo) que ficou em pedaços após a destruição promovida pelos bolsonaristas na data de 8 de janeiro de 2023.
O relógio fabricado por Balthazar Martinot e André Boulle no século XVII, e que também foi completamente destruído pelos atos golpistas, foi recuperado graças a uma parceria com o governo da Suíça. O relógio foi restaurado numa empreitada que exigiu mais de mil horas de dedicação minuciosa. 20 das obras foram restauradas num laboratório montado no Palácio da Alvorada por profissionais que dedicaram mais de 1.760 horas de trabalho, num acordo de cooperação técnica que envolveu a UFPEL, o IPHAN e a Universidade de Brasília (UnB).
ESFORÇO COLETIVO
Primeira oradora do evento, Janja da Silva, ressaltou o esforço coletivo de restaurar tanto a infraestrutura dos palácios, pelos servidores, quanto valores e memória que representam o compromisso do povo brasileiro com a democracia.
“Isso foi expresso pelas lágrimas das trabalhadoras e trabalhadores do Palácio do Planalto, após verem o espaço que cuidam com tanto afeto, amor e dedicação, ser tratado de uma forma tão desumana. Aquelas lágrimas, hoje, se transformam em sorrisos pela certeza de que mantivemos a democracia firme. A arte, em suas diferentes formas, é uma ferramenta necessária para manter viva nossa memória e a história de nosso país”, afirmou.
O presidente do IPHAN, Leandro Grass, destacou que só a democracia pode restaurar obras que incluem pinturas, esculturas e peças históricas. Segundo ele, se o golpe de Estado tivesse dado certo, o Brasil nunca mais conseguiria restaurar o que foi destruído por um “bando de golpistas”. “As ditaduras não restauram, só se impõem pela força”, comentou.
“Hoje o governo federal devolve à população obras que foram restauradas por 50 restauradores, entre professores e jovens estudantes bolsistas. Foram quase 2000 horas de trabalho desde 2 de janeiro de 2024. Além do laboratório de conservação, esses recursos viabilizaram o acesso de 500 estudantes da rede pública a uma extraordinária experiência de educação patrimonial, e a publicação de um livro que eterniza essa experiência”, complementou o dirigente do IPHAN.
TRABALHO ÁRDUO
A reitora da UFPEL, Isabela Fernandes Andrade, ressaltou que cerca de 50 profissionais estiveram diretamente envolvidos, incluindo 12 professores, quatro técnicos e 14 alunos de graduação da universidade administrada por ela. Outros três alunos e dois professores da UnB, e cinco conservadores-restauradores especializados. Profissionais da área de fotografia e audiovisual do governo federal também contribuíram e colaboraram com a restauração das obras artísticas.
“Não foi uma tarefa fácil. A atuação da UFPel na restauração é exemplo de como essas instituições podem mobilizar recursos e expertise para responder a crises e ajudar na reconstrução de bens importantes para a nação. A possibilidade de colocar servidores, docentes, técnicos e, principalmente, estudantes à disposição e em defesa da democracia, o papel fundamental das nossas instituições públicas de ensino superior”, afirmou a reitora da UFPEL.
RELÓGIO
O embaixador da Suíça no Brasil, Pietro Lazzeri, também convidado a falar, agradeceu a oportunidade de restaurar uma obra tão antiga como o relógio de mesa fabricado por Balthazar Martinot e André Boulle no século XVII. Ele ressaltou que a restauração da peça não custou nenhum centavo para os cofres brasileiros, sendo restaurado por um acordo de cooperação técnica entre a Presidência da República com a Embaixada da Suíça. O relógio foi enviado ao país europeu e, em menos de 12 meses, retornou integralmente restaurado. A empresa responsável pela restauração foi a Audermars Piguet.
“A Suíça está orgulhosa de ter contribuído aos esforços do Brasil para restaurar o patrimônio histórico de todas e todos os brasileiros. Nós estamos convencidos da importância de proteger o patrimônio cultural e artístico, que formam a identidade do país, assim como a história e os nossos valores comuns. Eu acho que é fundamental valorizar e cuidar das nossas relações, da nossa amizade, dos nossos direitos, direitos humanos e das nossas democracias, que são delicadas e, ao mesmo tempo, resilientes, como esse relógio que retorna agora ao país”, disse o embaixador suíço.
IMPACTO
O projeto obteve impacto nas escolas e comunidades locais, com ações voltadas para a educação patrimonial e reconhecimento da importância do patrimônio cultural. Em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a UFPEL, o projeto promoveu diversas atividades nas escolas do Distrito Federal (DF), envolvendo mais de 500 alunos de escolas públicas de Ceilândia, Planaltina e Asa Sul, por meio de oficinas, palestras e exposições.
RESISTÊNCIA
Para a ministra da Cultura, Margareth Menezes, a realização das oficinas foi uma das grandes entregas.
“Elas não apenas transmitem a ligação entre cultura, memória e arte, mas reforçam o verdadeiro significado da democracia para os jovens. Ninguém pode domar nem amordaçar as expressões culturais e artísticas. A cultura resistiu”, completou a ministra da Cultura.