CNJ decide que cartórios devem alterar causas das mortes e efetuar registros de óbitos de desaparecidos no período da ditadura no Brasil
Resolução do Conselho Nacional de Justiça permite alteração administrativa de causas das mortes de perseguidos pelo regime cívico-militar, que governou o país entre 1964 a 1985, para constar como “morte não natural, causada pelo Estado brasileiro”.
Por Humberto Azevedo
As famílias dos 434 de brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime cívico-militar, que governou o país entre 1964 a 1985, poderão ter os registros de óbitos retificados para constar que a causa da morte se deu de forma “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964”.
Essa decisão foi proferida nesta terça-feira, 10 de dezembro, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determinou ainda que caberá ao Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN), braço tecnológico da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entidade que reúne todos os Cartórios de Registro Civil, identificar, os registros de óbitos de mortos ou desaparecidos políticos já existentes, bem como aqueles que não possuem sua morte oficialmente catalogada.
Os 434 casos que dão esse direito às respectivas famílias são referentes aos processos que já foram julgados e reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade (CNV). Até 2026, o atual responsável pelo CNV, o ex-ministro de Direitos Humanos – Nilmário Miranda – promete incorporar todos os casos de brasileiros que tiveram a vida abreviada pela então ditadura militar. O período para que familiares possam alterar a certidão de óbito estende também o período entre 1946 a 1964 e de 1985 a 1988.
Caso os registros de óbitos já existam, o ON-RCPN comunicará o respectivo Cartório para que faça, em até 30 dias, a alteração, incluindo a nova causa da morte. Caso não exista registro de óbito lavrado em virtude de o corpo não ter sido encontrado, a entidade remeterá o processo ao Cartório de Registro Civil dos locais de falecimento da pessoa morte ou desaparecida, que terá o mesmo prazo para efetuar o registro de óbito.
No caso de local de morte incerto ou não sabido, o envio se dará ao cartório de domicílio da pessoa interessada. Já na ausência das informações, a remessa se dará ao cartório responsável pela lavratura do nascimento das pessoas mortas e desaparecidas políticas constantes no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.
“A Resolução representa mais um marco importante no reconhecimento do Estado brasileiro das violações de direitos cometidas na Ditadura, assim como no dever de reparação às famílias dos desaparecidos. O Registro Civil do Brasil se orgulha em poder ser instrumento dessa reconstrução histórica”, destaca Gustavo Renato Fiscarelli, presidente da Arpen/BR.
Após a alteração, o cartório enviará a certidão de óbito respectiva, em meio digital, ao ONRCPN, que encaminhará à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Todo o processo será gratuito, cabendo à Comissão da Verdade realizar a entrega das certidões, de preferência em ocasião solene, às famílias e pessoas interessadas na obtenção de tais documentos.
As certidões de pessoas mortas ou desaparecidas políticas, cujos familiares e outros entes queridos não forem localizados para a entrega, deverão compor acervo a ser acondicionado em museus ou outros espaços de memória, ouvidos os familiares e entidades ligadas ao tema.
Nos casos de óbitos que não constem do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, poderão os familiares das vítimas, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania requerer a lavratura ou a retificação dos assentos de óbitos aos cartórios competentes, cabendo recurso administrativo da decisão perante as Corregedorias locais, sem prejuízo de eventual revisão do Conselho Nacional de Justiça.