Senado conclui regulamentação da reforma tributária; texto volta à Câmara
Senadores destacam aprovação da proposta como “marco histórico”, mesmo com mudanças no imposto seletivo avaliadas por alguns como alterações equivocadas. Veja como ficou o texto.
Por Humberto Azevedo
Os senadores aprovaram nesta quinta-feira, 12 de dezembro, o primeiro projeto que regulamenta a nova legislação constitucional que versa sobre impostos e tributos. A iniciativa foi aprovada por 49 votos. 19 senadores votaram contra. Como foram promovidas modificações no Projeto de Lei Complementar (PLP) 68 de 2024, de autoria do Ministério das Fazenda, o texto aprovado pelo Senado segue agora de volta à Câmara dos Deputados.
O texto trata de temas como cashback para baixa renda (devolução de imposto), cesta básica e detalhes do funcionamento dos impostos criados com a reforma: o federal, Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e o estadual, Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Eles irão substituir Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Imposto sobre Comércio de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços (ISS).
Presidente do Senado e do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco classificou a aprovação da proposta como “a reforma possível”.
“Um dia muito importante para a história do Senado e para o Brasil. De modo a termos um sistema tributário mais simples, menos burocrático, mais fácil de compreender e que facilita investimentos. Obviamente, longe de ser uma reforma perfeita. Foi uma boa reforma depois de mais de três décadas de lutas do Congresso”, falou Pacheco.
Já o líder do PT no Senado, Beto Faro (PA), classificou a aprovação da regulamentação como um “marco histórico”. Para o senador, essa é uma das mais significativas transformações no sistema tributário do Brasil.
“O Senado, com altivez e compromisso, tem trabalhado arduamente para atender os anseios do povo brasileiro, promovendo uma reforma que alia modernidade, justiça social e sustentabilidade”, disse.
ARMAS
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) criticou a decisão final do Senado que concedeu um tratamento tributário privilegiado para compra de armamentos e munições. Assim, armas e munições terão uma carga menor.
“O imposto seletivo existe para inibir. Significa inibir práticas que sejam nocivas à saúde da população. Está mais do que comprovado cientificamente, por diferentes estatísticas, que a disseminação do uso de armas só aumenta a criminalidade. Não incluirmos as armas no Imposto Seletivo significa que a atual tributação de armas, que é de 89,25%, vai cair para 25,5%. No Brasil, nós vamos pagar mais impostos por flores do que por armas; nós vamos pagar imposto mais alto por fraldas do que por armas; vamos pagar imposto mais alto por brinquedos do que por armas”, criticou o senador Randolfe.
As armas e munições, que haviam sido enquadradas pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), no Imposto Seletivo, o chamado “imposto do pecado”, saíram depois de aprovada uma emenda da bancada do PL.
BENS MINERAIS
O mesmo caso aconteceu com a exploração de bens minerais. Inicialmente, haveria aplicação do tributo do Imposto Seletivo na extração desses produtos, independentemente da destinação do item, com percentual máximo de 0,25%. No entanto, o relator, porém, retirou um trecho que abria espaço para esse imposto do pecado sobre exportação de bens minerais. No caso do gás natural, aquele que for usado para combustível em transporte, ou processos industriais, não terá imposto seletivo.
CIGARROS E BEBIDAS
Para os cigarros, o relator colocou uma transição escalonada de alíquota, entre 2029 até 2033, para incorporar, progressivamente, o diferencial entre as alíquotas de ICMS incidentes sobre esses produtos. Já em relação às bebidas alcoólicas, Braga estabeleceu que os produtores artesanais poderão ter de pagar um imposto seletivo menor, a ser estabelecido em lei ordinária.
APOSTAS & ULTRAPROCESSADOS
Também foi mantido o imposto seletivo para apostas on-line ou físicas, veículos, embarcações e aeronaves. Já para bebidas com alto teor de açúcar e alimentos ultraprocessados, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado retirou o Imposto Seletivo sobre esses dois itens, que causam e agravam problemas de saúde.
Neste sentido, os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Teresa Leitão (PT-PE) criticaram esses pontos da regulamentação aprovada. Humberto Costa destacou uma pesquisa divulgada pelo Datafolha no mês passado apontando que 62% da população brasileira é favorável a uma taxação diferenciada para os alimentos ultraprocessados.
“São esses sucos em pacotes, refrigerantes, biscoitos, que inclusive são consumidos em larga escala pela população infantil e que estão vinculados a vários problemas de saúde. Por exemplo, os aditivos que são colocados para a preservação, para a conservação, os corantes que são utilizados são proibidos em vários países – corantes que são usados livremente aqui no Brasil para os alimentos ultraprocessados. E o que é que nós temos? Risco de crescimento dos indicadores do câncer, redução da imunidade. Mais de 30 doenças estão associadas aos alimentos ultraprocessados. Eles provocam mais de 57 mil mortes anuais no Brasil”, explicou o senador petista pernambucano.
A senadora Teresa Leitão lembrou a realização de uma audiência pública da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) na qual especialistas defenderam maior taxação para cigarros, bebidas alcoólicas e ultraprocessados. Na oportunidade, o assessor de nutrição e atividade física da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) Fabio da Silva Gomes advertiu que o consumo de tabaco, álcool e bebidas adoçadas é responsável por dez milhões de mortes no mundo todos os anos, com custos econômicos superiores a R$ 24 trilhões, além do impacto negativo na saúde da população e prejuízos ao desenvolvimento sustentável.
“Por isso que é preciso sim uma intervenção tributária sobre esses produtos. Estamos falando de um modelo de reforma tributária que pode ajudar a enfrentar a mortalidade, doenças como câncer, transtorno da saúde mental, doenças respiratórias, cardiovasculares, gastrointestinais e metabólicas”, afirmou a senadora pernambucana.
GRANDES FORTUNAS
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) lamentou o fato de o Senado Federal não ter conseguido avançar na discussão da taxação de grandes fortunas durante a tramitação da regulamentação da reforma tributária. Para ele, era o momento correto para fazer avançar as discussões sobre o tema no país. Contarato chegou a apresentar emenda durante a discussão na CCJ para taxar grandes fortunas, mas a proposta não foi aprovada.
A taxação de grandes fortunas, segundo Contarato, poderia gerar cerca de R$ 40 bilhões de arrecadação para “implementar políticas públicas, reduzir desigualdade, dar educação pública de qualidade, segurança pública para a população e a saúde pública”.
“Victor Hugo foi sábio quando disse que não há nada mais poderoso do que uma ideia quando o seu tempo chega. O tempo da ideia de taxar grandes fortunas é agora! É esse o momento, porque nós estamos aqui aprovando uma lei que regulamenta a reforma tributária. E a reforma tributária é para implementar políticas públicas para a redução da desigualdade”, comentou o senador capixaba em tom de lamento.
CESTA BÁSICA
O Senado manteve os itens da cesta básica adicionados pela Câmara dos Deputados, incluindo carnes e queijos, e acrescentou a erva mate e o pão francês entre os itens com alíquota zero. O texto ainda acrescentou mais tipos de farinhas, massas e fórmulas proteicas na cesta básica zerada, além da tapioca.
Biscoitos e bolachas foram acrescentados entre os produtos com alíquota reduzida em 60%. O texto destaca que não entram no benefício os produtos de cacau, recheados, cobertos ou amanteigados. O relator ainda tirou os óleos de milho e de soja da cesta básica zero e os colocou na alíquota reduzida em 60%. De acordo com Braga, houve um acordo com o setor de soja para o desconto ocorrer durante a produção, no esmagamento da semente.
Eduardo Braga também aceitou uma emenda que coloca a água mineral entre os produtos com 60% de desconto.
CASHBACK
O relatório de Eduardo Braga ainda ampliou a possibilidade de cashback para população de baixa renda que comprar botijão de gás de até 13 kg. Antes o texto previa a devolução de imposto apenas para os itens de exatamente 13kg.
O cashback é a devolução dos impostos pagos sobre produtos para população de baixa renda. O texto prevê 100% de devolução de CBS na compra de botijão de gás e no pagamento de contas de energia elétrica, água e esgoto. Braga também incluiu as contas de telefone e internet da população de baixa renda no cashback.
Esses itens também terão no mínimo 20% de desconto de IBS, valor que pode ser ampliado por estados e municípios. Para demais compras, a devolução de imposto será de 20%.