Por Fabian Falconi, da Rádio Sputnik
De grande importância para a economia do país, nos últimos dez anos o Brasil perdeu 10% de suas indústrias. O fenômeno precede, então, a pandemia de COVID-19, que paralisou as atividades econômicas brasileiras. Ouvidos pela Sputnik Brasil, especialista apontam o porquê.
No ano passado, a atividade industrial respondeu por 25,5% do PIB, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Ou seja, aproximadamente um quarto da economia brasileira está nas mãos do segundo setor. Em comparação, a agropecuária, aclamada como motor do Brasil, responde por 7,1%, enquanto o setor de serviços é responsável por 67,4% do Produto Interno Bruto.
Em entrevista ao Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil apresentados pelos jornalistas Maurício Bastos e Thaiana de Oliveira, especialistas da área destrincharam os principais desafios enfrentados pela indústria brasileira e quais as soluções para melhorar a competitividade brasileira no cenário internacional.
A indústria é fundamental para a economia
Newton Marques, economista pela Universidade de Brasília (UnB) e membro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF) afirma que a indústria tem papel fundamental na organização econômica de país, uma vez que efetua o “encadeamento para frente e para trás” da economia.
“Para frente”, explica, é porque gera o comércio e o setor serviços, “e para trás porque a agropecuária é que fornece os insumos em geral”. Contudo, destaca o acadêmico, nos últimos anos nós temos assistido uma “desindustrialização da economia brasileira”.
“Voltamos a ser exportadores de produtos primários e isso, é claro, que descoordena, desarticula a indústria.”
O deputado federal Victor Lippi (PSDB-SP), diretor da Frente Parlamentar Mista da Indústria, destaca ainda a importância da indústria na geração de empregos na região onde está instalada. “Um emprego dentro da indústria, você geral quatro fora dela”, diz.
“A indústria movimenta a área da saúde, de alimentos, de limpeza, de transporte, de manutenção, então você tem muita gente que trabalha em função de uma vaga direta dentro da indústria.”
“A indústria é um motor muito importante econômico e social, ela dá um impacto fortíssimo na comunidade, no município, no estado, porque ela gera muitos empregos.”
Outra questão importante, destaca Lippi, é a arrecadação de impostos. “É o setor que mais arrecada impostos proporcionalmente no Brasil, então é um setor muito importante também para que a gente possa ter os recursos públicos para fazer o que o poder público tem que fazer, melhorar a saúde, a educação, a infraestrutura das cidades, o saneamento e assim por diante.”
Por que o Brasil se desindustrializou?
Há 20/30 anos atrás o Brasil era o oitavo parque industrial mais importante do mundo. Hoje somos o 15º, afirmou o deputado. “Enquanto outros países se industrializaram muito, o Brasil fez o inverso.”
“O agro é importante, mas ele não consegue sustentar o tamanho de uma economia de um país de 210 milhões de habitantes.”
Segundo os especialistas entrevistados, o principal culpado da desindustrialização brasileira é o chamado “custo-Brasil”, custos embutidos na própria atividade econômica, como tributos e gargalos produtivos.
Um desses gargalos, aponta Marques, é o setor logístico de transporte. Para o professor, não adianta crescer um negócio se não há vazão no escoamento desses produtos pelas rodovias e portos brasileiros.
“Nós não temos a ferrovia, nós nos baseamos nas rodovias […] e como o Brasil é muito grande essas distâncias têm que ser vencidas através do transporte rodoviário”, exemplifica.
“Poderia-se estimular os transportes por cabotagem e marítimos, porque nós temos uma costa enorme. Enfim, os recursos têm, mas não se consegue montar uma estratégia dessa infraestrutura.”
Outro problema que atrasa o setor industrial, afirma Lippi, é a questão tributária, que já está sendo endereçada pelo governo federal com a aprovação da Reforma Tributária.
Aprovada em dezembro de 2023, a Reforma Tributária adotou o modelo de imposto IVA, ou Imposto sobre Valor Adicionado e agora está em estágio de regulamentação para os diferentes setores.
“Ter uma indústria aqui no Brasil significa gastar dez vezes mais na burocracia para conseguir pagar o seu imposto”, resumiu Lippi.
Ainda assim questão dos impostos representava um problema complexo, seja pela miríade de diferentes impostos que gerava uma dificuldade para pagá-los, seja pelo fato de por serem tantos, tornava-se impossível retirá-los do preço final do produto na hora de exportar.
“Então o que a gente sabe é que o Brasil, quando vai exportar alguma coisa, acaba exportando 8 a 10% de imposto junto, isso não existe no mundo.”
Além dessas questões, uma outra que ambos os especialistas apontaram são os juros praticados pelo Banco Central. O Brasil possui a segunda maior taxa de juros reais do mundo — quando se abate a inflação do valor —, ficando atrás apenas do México.
Segundo Marques, o BC possui o costume de usar a taxa de juros para tentar controlar a inflação. “Isso prejudica demais as nossas indústrias porque elas não conseguem pagar os juros elevados aqui no Brasil”, diz Lippi.
Além da taxa de juros base, a Selic, ser muito alta, os especialistas também criticaram o spread bancário praticado pelas instituições financeiras.
O spread é a diferença entre o quanto o agente bancário paga ao captar um recurso, e o quanto ele cobra ao permitir um financiamento. “Aqui uma pequena parte das indústrias consegue recursos e consegue pagar esses recursos”, afirma Lippi.
“Na ponta, se uma indústria quer tomar crédito, vai pagar um absurdo”, sintetiza Marques.
Como reindustrializar o Brasil?
Aparentemente impossível, o problema da industrialização brasileira tem solução, apontam os entrevistados. Algumas delas já foram ou estão sendo implementadas, como a Reforma Trabalhista e a Reforma Tributária.
Na outra mão, afirma Lippi, há hoje um esforço “muito grande” do governo e do Parlamento de “reduzir a concentração bancária no Brasil”, de forma a encontrar alternativas para reduzir os juros.
Marques, por sua vez, destacou as políticas de redistribuição de renda como forma de combater a desindustrialização. “Se você não tiver consumidor, como é que você vai consumir os bens e serviços?”, resumiu.
A ação do governo federal também tem sido benéfica na reindustrialização brasileira, desde os incentivos fiscais e investimentos, à recriação do Ministério da Indústria, perdido no governo anterior, destaca o deputado.
Olhando pelo horizonte, afirma Lippi, “nós estamos no caminho certo, isso que é importante.”
“Nós estamos realmente enfrentando as nossas questões, nós estamos fazendo a agenda correta, nós estamos conseguindo avançar na questão da produtividade, na competitividade das nossas indústrias.”