Gestos, cores de roupa e religião: traficantes impõem a ‘Cartilha do Medo’ no Rio
A morte do auxiliar de serviços gerais Francisco de Assis Ricardo de Almeida, de 40 anos, na última sexta-feira, evidenciou a existência de uma espécie de “cartilha do crime” que rege o cotidiano dos moradores em regiões marcadas pelo conflito armado.
Francisco foi assassinado a caminho de um retiro em uma igreja evangélica no Catiri, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, por estar vestindo uma camisa preta, um detalhe aparentemente banal, mas que, segundo as regras impostas por grupos criminosos, foi interpretado como um sinal de associação a milicianos.
Em comunidades dominadas por traficantes ou milicianos, gestos, roupas, cores, práticas religiosas e até comportamentos considerados inadequados podem custar a vida. Muitas vezes, as próprias vítimas desconhecem essas normas impostas pelo poder paralelo.
A morte de Francisco gerou comoção nas redes sociais, onde moradores mostraram indignação. “Agora não pode usar preto, não pode fazer sinal com as mãos em fotos, e o errado somos nós? Que mundo é esse?”, questionou uma mulher. Outra internauta, que desconhecia a proibição de determinadas cores, desabafou: “Gente, eu nem sabia disso de cor de roupa, assim como ele também não deveria saber. Morreu por conta de roupa, que loucura.”
No início do mês, um vídeo que circulou pelas redes sociais mostrou traficantes raspando o cabelo de ao menos três mulheres na comunidade da Serrinha, na Zona Norte, sob a acusação de participarem de um “grupo da fofoca.”
No Complexo de Israel, também na Zona Norte, o traficante conhecido como Peixão, que se identifica como evangélico, proibiu celebrações em uma igreja católica e impôs restrições a religiões de matriz africana. Nos muros das comunidades que controla, ele espalha frases como “Jesus é o dono desse lugar” e símbolos bíblicos.