Antes de se tornar parlamentar, Sílvia Waiãpi foi secretária nacional de Saúde Indígena na gestão de Jair Bolsonaro. (Foto: Zeca Ribeiro / Agência Câmara)

ENTREVISTA DA SEMANA | SÍLVIA WAIÃPI

“A gestão pública não é feita com mídias, com palavras ou afrontas. Ela é feita com equilíbrio”, afirma deputada indígena do PL com relação a degradação da política por personagens como Pablo Marçal

 

De acordo com a parlamentar amapaense, o candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo (SP), que monopolizou os debates em torno de suas atitudes polêmicas e provocativas no período das eleições municipais, deveria “ser testado” como gestor. Waiãpi falou, ainda, que vitória eleitoral do seu partido na região Norte do Brasil é resultado de que a população local está checando mais e “não mais votando naqueles que prometem demais coisas das quais não podem cumprir”.

 

Por Humberto Azevedo

 

“A gestão pública não é feita com mídias, com palavras ou afrontas. Ela é feita com equilíbrio”, disse – com exclusividade para a reportagem do Grupo RDM – a deputada indígena do Partido Loberal (PL), Sílvia Waiãpi (AP) ao comentar a degradação da política por personagens como o ex-coach e influenciador Pablo Marçal, que foi candidato à prefeitura de São Paulo (SP) obtendo quase 1,8 milhão de votos graças às suas atitudes polêmicas, provocativas e algumas delas até investigadas por infringir códigos de conduta, ética e as legislações civil, eleitoral e penal.

 

De acordo com a parlamentar amapaense, o candidato do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) na maior cidade do país e da América do Sul, que monopolizou os debates em torno de suas atitudes grosseiras e de mau-gosto no período das eleições municipais, deveria “ser testado” como gestor. A declaração se deu no último dia 18 de outubro, quando prestigiou a posse dos novos desembargadores do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Brasília (DF), André Puppin Macedo e Guilherme Pupe da Nóbrega.

 

Na oportunidade, Waiãpi falou, ainda, que a vitória eleitoral do seu partido – o mesmo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e presidido pelo ex-deputado Valdemar da Costa Neto, um dos pivôs do escândalo do mensalão e que só não foi cassado por ter renunciado o mandato à época, na região Norte do Brasil é resultado de que a população local está checando mais as informações com o auxílio da internet e “não mais votando naqueles que prometem demais coisas das quais não podem cumprir”.

 

“A sociedade no Sul e no Sudeste nos vê com poesia, achando que aquilo que nós vivemos lá [na Amazônia] é uma coisa maravilhosa. Não é uma coisa maravilhosa viver sem saneamento básico. Não é maravilhoso não ter água potável. Então, assim, nós somos rodeados de rios, rios de água barrenta naturais, porém não temos acesso à água potável. Aquela água precisa de tratamento para poder ser consumida. Mas isso ninguém conta para o Sul, para o Sudeste, para o Centro-Oeste”, afirmou ao analisar os 22 prefeitos eleitos na região pelo PL.

 

No total, os sete estados do Norte possuem 450 municípios. No Brasil, os liberais elegeram 516 prefeitos, sendo 52 no Centro-Oeste, 79 no Nordeste, 180 no Sul, 183 no Sudeste, além dos 22 do Norte.

 

Estas e muitas outras declarações da deputada indígena do PL estão na entrevista, abaixo, que o portal “RDMNews” publica. Boa leitura!

 

RDMNews: A Srª está aqui participando da posse dos novos desembargadores do TRE-DF e como a senhora avalia o papel da justiça eleitoral?

Em 2010 conseguiu ingressar na carreira militar, tendo o posto de  primeira-tenente do Exército. Em 2019, ficou viúva após o marido ter sido sequestrado e assassinado. (Foto: Zeca Ribeiro / Agência Câmara)

Sílvia Waiãpi: Primeiro que como justiça eleitoral, esses caminhos, o bom convívio com todas as cortes fazem com que o Brasil consiga formar uma rede de um bom convívio. Por exemplo, existem casos eleitorais que ocorrem no Norte do Brasil que jamais ocorreriam, por exemplo, no Sul, no Sudeste ou no Centro-Oeste. Então, ter o conhecimento e a relação com essas cortes faz com que muitas das vezes algumas dúvidas possam ser sanadas antes de serem judicializadas. Então, é uma forma de a gente fazer não só com que a democracia seja garantida, mas o direito de escolha do cidadão, do eleitor, também seja realizado de uma forma que possa valer o seu direito.

 

RDMNews: Como a senhora viu o resultado do PL, não só no Norte, no seu estado, Amapá, mas em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Brasil em geral? E a avaliação da senhora sobre o resultado dessa eleição?

Mãe de três filhos e já avó aos 49 anos, Sílvia Waiãpi já foi moradora em situação de rua quando aos 13 anos mudou-se sozinha para a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ), onde já foi vendedora de livros de porta em porta, onde teve acesso ao Círculo do Livro, conheceu artistas e poetas populares, e se formou em artes cênicas chegando a atuar em diversas teledramaturgias da TV Globo. (Foto: Zeca Ribeiro / Agência Câmara)

Sílvia Waiãpi: Bom, nós sabemos que com o advento das informações, da internet, o cidadão passa a ter mais acesso à informação. Por exemplo, se eu tenho dúvidas sobre uma informação que eu tenho, eu vou até a internet e pesquiso nos sites, por exemplo, das instituições governamentais para ver se aquele dado realmente é real. Pelo menos esse é um costume meu. Então, boa parte da população hoje já começa a fazer isso. Vai lá no site da instituição e pesquisa se esse dado é correto. Por exemplo, eu estive numa audiência pública com a ministra Marina Silva para falar sobre as queimadas na Amazônia brasileira e tanto no Centro-Oeste que acabou destruindo boa parte das plantações, causando um prejuízo à nação brasileira e aos produtores em relação à sua safra e às suas colheitas. E, em determinado momento, ela falou que o governo destinou 405 milhões de reais para os corpos de bombeiros da Amazônia Legal. No momento em que ela falou isso, eu entrei no site da instituição e fiz a contraprova de que, não, dos nove estados que foram registrados para a Amazônia Legal, apenas quatro, vão receber, não receberam, vão receber 45 milhões. E perguntando, então, a ela onde estão e o que será feito com os outros 225 milhões de reais. E, na pesquisa, eu vi que, por ordem do Ministério do Meio Ambiente e combate às alterações climáticas, o próprio Ministério havia pedido para que o BNDES desfizesse a comissão do corpo de bombeiros que iria fazer todo um regimento para a distribuição desse dinheiro, que faz parte do fundo da Amazônia e que está em posse do BNDES e que seria destinado para combate a incêndios e queimadas. Então, não, os nove não iriam receber, mas apenas quatro. Então, nós conseguimos, naquele momento, por informação dos próprios sites, das organizações, das instituições governamentais, confirmar se aquela informação era válida ou não. Então, por conta disso, o Brasil também tem observado e por acesso justamente à internet, esses municípios acabam percebendo que determinadas informações ou ações não estão ocorrendo conforme a propaganda diz, fazendo com que o próprio cidadão, principalmente, eu vou falar pelo Norte brasileiro, em que dificilmente nós ouvíamos se falar sobre o Norte de uma forma tão fervorosa como hoje nós escutamos, justamente por questões de proteção da Amazônia. Mas a sociedade no Sul e no Sudeste nos vê com poesia, achando que aquilo que nós vivemos lá é uma coisa maravilhosa. Não é uma coisa maravilhosa viver sem saneamento básico. Não é maravilhoso não ter água potável. Então, assim, nós somos rodeados de rios, rios de água barrenta naturais, porém não temos acesso à água potável. Aquela água precisa de tratamento para poder ser consumida. Mas isso ninguém conta para o Sul, para o Sudeste, para o Centro-Oeste. Então, o Sul, o Sudeste, Centro-Oeste, que tem um colégio eleitoral muito maior e uma maior representação dentro das câmaras federais, dentro das câmaras municipais e dentro das assembleias legislativas, como no Senado e no Congresso Nacional, não tem a completa visão sobre aquilo com o qual nós passamos. Então, as regiões norte, elas passaram a mudar o seu entendimento sobre as suas necessidades, não mais votando naqueles que prometem demais coisas das quais não podem cumprir.

 

RDMNews: E agora falando de eleição e de eleições futuras. No Sul, no Sul-Sudeste, a eleição foi tomada pelo fator e pelo fenômeno Pablo Marçal. Há risco para a democracia com o surgimento de figuras como o Pablo Marçal surgirem no Brasil? Isso é um resultado do quê? Por que essa figura surgiu em São Paulo e teve mais de um milhão e setecentos mil votos? Quase um milhão e oitocentos mil votos. Qual é a sua avaliação sobre isso e como o Brasil vai conviver com isso?

Cassada pelo TRE-AP por ter gasto R$ 9 mil em uma harmonização facial com recursos da sua campanha eleitoral, Waiãpi só saberá se perderá, ou não, o mandato após o julgamento pelo TSE. (Foto: Zeca Ribeiro / Agência Câmara)

Sílvia Waiãpi: Bom, veja, eu tenho uma formação e dentro da minha área de formação nós somos obrigados a fazer avaliações sobre comportamentos de determinadas personalidades. Identificar nelas qualquer tipo de desvio ou mentiras ou verdades nas suas expressões faciais, no seu modo de falar. E veja, na realidade, eu não tenho, talvez, a autoridade para avaliar melhor as atitudes do Pablo Marçal. Mas eu fui vítima de sua equipe quando a equipe dele me procurou em 2021, tentando fazer a minha cabeça contra o meu candidato à Presidência da República, tentando me colocar contra ele, me induzindo psicologicamente a uma tomada de decisão. Como eu sabia que eu estava sendo manipulada, obviamente eu não caí. Então, eu posso dizer que eu fui realmente aquela que decidiu sem ter sido influenciada por uma atividade midiática, da qual ele domina muito bem. Então as atividades midiáticas dele eu não concordo. Porque, por exemplo, eu nunca faço ataques frontais ou diretos a uma determinada personalidade que esteja competindo comigo sobre um espaço, sobre um determinado lugar. Porque isso não é conveniente dentro de padrões sociais e morais do qual eu fui educada. Então, eu só respondo a ataques ou afrontas que fizeram contra mim. Aí eu me posiciono. Então, eu particularmente olho o Pablo Marçal como um influenciador muito bem treinado para cooptar pessoas. Mas o maior teste que ele vai ter agora é no município de São Paulo, do qual ele foi convidado para a pasta de gestão. E a gestão pública não é feita com mídias, com palavras ou afrontas. Ela é feita com equilíbrio. E é isso agora que ele vai ser testado.

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