ENTREVISTA DA SEMANA | REFINA BRASIL
Brasil vai produzir um bilhão de litros de combustíveis sustentável a partir de 2027
Em entrevista exclusiva, o presidente da Associação dos Refinadores Privados do Brasil (Refina Brasil), Evaristo Pinheiro, aponta que o Brasil só não é uma das maiores potências energéticas mundiais porque a sua variada matriz continua sofrendo com a prática recorrente e histórica de se ficarem empilhando elevados custos sobre elas.
Por Humberto Azevedo
A partir de 2027, o Brasil vai produzir um bilhão de litros de combustíveis sustentável. Tal afirmação é do presidente da Associação dos Refinadores Privados do Brasil (Refina Brasil), Evaristo Pinheiro. Em conversa com a reportagem do portal RDMNews, ele apontou que o Brasil só não é uma das maiores potências energéticas mundiais porque a sua variada matriz continua sofrendo com a prática recorrente e histórica de se ficarem empilhando elevados custos sobre elas.
Na conversa, Pinheiro salienta que para haver a ampliação da capacidade de refino de combustível de fontes renováveis é preciso que haja novos investimentos. Entretanto, atualmente essa capacidade de investimento está interditada em boa parte pela não compreensão das autoridades fazendárias de que conceder benefícios fiscais para novas frentes de processamento e operacionalização também é um empecilho que tanto atrapalha na ideia do próprio governo em buscar a reindustrialização do país.
Um outro detalhe apontado pela assessoria da Refina Brasil é que o país precisaria copiar o modelo de outros países, em que as refinarias estão próximas do centro dos consumidores. Isto porque as principais refinarias estão situadas no litoral brasileiro. Se houver uma interiorização destas refinarias para centros consumidores como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, o combustível – além de sustentável – ficaria muito mais barato para abastecer as empresas do agronegócio, por exemplo.
“A Refina Brasil representa 20% do mercado brasileiro de refino, que é dividido da seguinte forma: 20% são os combustíveis importados, 20% as refinarias privadas, que somos nós, e 60% as refinarias da Petrobras. Então, esse é o mercado brasileiro de refino. Nós também representamos o agronegócio. A gente também representa o Biorrefino, que são projetos de biorrefinarias que são das nossas associadas, que estão localizados nesses projetos na Bahia, em São Paulo e no Amazonas”, iniciou.
A “Refina Brasil” criada em dezembro de 2022 reúne as refinarias de petróleo independentes do país, responsáveis por 20% da capacidade da produção nacional de derivados, 72% da capacidade de refino da região Nordeste e 100% da capacidade de refino na Região Norte.
A entidade tem por objetivo representar as empresas refinadoras do setor privado, além de reforçar as discussões necessárias para o aprimoramento regulatório, fiscal e tributário do mercado, visando a construção de um ambiente mais equânime e justo, favorecendo a competitividade e fortalecendo toda a cadeia produtiva do país, desde a exploração de petróleo até a comercialização ao consumidor final.
Atualmente, a associação reúne oito refinarias privadas, responsáveis pela produção de diversos tipos de derivados que abastecem a demanda de indústrias e consumidores finais por todo o país, em especial de combustíveis.
ENTREVISTA
Abaixo segue a íntegra da entrevista concedida por Evaristo Pinheiro a reportagem do portal RDMNews.
RDM: Agora, você é o presidente de qual entidade?

Evaristo Pinheiro: Eu sou presidente da Associação dos Refinadores Privados do Brasil. Carinhosamente chamada de ‘Refina Brasil’. A Refina Brasil representa 20% do mercado brasileiro de refino, que é dividido da seguinte forma: 20% são os combustíveis importados, 20% as refinarias privadas, que somos nós, e 60% as refinarias da Petrobras. Então, esse é o mercado brasileiro de refino. Nós também representamos o agronegócio. A gente também representa o Biorrefino, que são projetos de biorrefinarias que são das nossas associadas, que estão localizados nesses projetos na Bahia, em São Paulo e no Amazonas. Então, a gente tem também projetos de biorrefino dentro já da ‘Refina Brasil’ e defendemos essas bandeiras. A gente defende competitividade no setor de refino, ou seja, mais concorrência mesmo, condições isonômicas de concorrência no setor de refino e acesso ao petróleo brasileiro. E no biorrefino, a gente defende que a gente tenha os estímulos corretos para que o Brasil continue sendo atrativo para o investimento em transição energética, ou seja, na produção de combustíveis a partir de biomassa. Então, essas são as nossas bandeiras. E aí a gente tem dentro dessas bandeiras várias pautas aqui que a gente vem trabalhando ao longo do tempo.
“A gente defende competitividade no setor de refino, ou seja, mais concorrência mesmo, condições isonômicas de concorrência no setor de refino e acesso ao petróleo brasileiro”
RDM: Só para entender melhor o funcionamento da “Refina Brasil”, ela abrange o setor total do que era chamado antigamente de sucroalcooleiro?
Evaristo Pinheiro: Não, a gente abrange o segmento de refino de petróleo e o segmento de biocombustíveis feitos 100% a partir de biomassa. O que isso significa? Significa produção de SAF [Combustível Sustentável de Aviação] e HVO [Óleo Vegetal Hidrotratado], ou seja, o diesel verde, combustíveis que eu não preciso adicionar ao diesel ou ao querosene de aviação para que seja realizado o funcionamento de um motor de aeronave, de turbina de aeronave, ou de motor de caminhão, ônibus, etc. São combustíveis feitos a partir de, aí sim, etanol, ou etanol de segunda geração, e outras biomassas, como macaúba, dendê, palma, ou seja, são combustíveis. O único requisito é que ele seja 100% feito a partir de biomassa. A biomassa pode ser qualquer uma, pode ser etanol de milho, etanol de cana, macaúba, açaí e vários outros.
RDM: E quantas empresas a associação “Refina Brasil” reúne?
Evaristo Pinheiro: Hoje a gente tem seis empresas que representam 20% do mercado de refino tradicional no Brasil. Uma no estado do Amazonas, no Norte do Brasil, uma no Rio Grande do Norte, que é a refinaria ‘Clara Camarão’, três refinarias na Bahia, a ‘Selen’, a ‘Dax Oil’ e a ‘Brasil Refino’, e uma no estado de São Paulo, que se chama ‘SS Oil’.
RDM: E qual é hoje o tamanho desse mercado e o PIB que ele representa?
Evaristo Pinheiro: O faturamento do nosso mercado é de R$ 65 bilhões por ano, e a gente emprega cerca de 2.500 pessoas diretas, indiretas e induzidas, e a gente tem uma arrecadação apenas de PIS [Programa de Integração Social] / Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social] de R$ 18 bilhões por ano. Esses são os números do setor. A gente produz 400 mil barris de combustível por dia e abastece 20% do mercado. No que tange a biocombustível, a gente tem três projetos em curso, o mais avançado aqui é o da ‘Selen’, ele vai a partir de agora, em 2027, a gente já está com os investimentos em curso para a construção da biorrefinaria, que vai ficar do lado da refinaria tradicional. É o maior projeto do Brasil de SAF e HVO, a gente vai produzir um bilhão de litros de SAF e HVO por ano, é um projeto majoritariamente voltado à exportação de SAF e HVO. E a gente tem outros projetos na empresa de São Paulo, um projeto de etanol para combustível de aviação (ETJ) e um no Norte do Brasil de transformação em SAF e HVO de óleo de açaí, de semente de açaí.
RDM: Quais são as pautas da “Refina Brasil? Quais são as reivindicações? No ano passado, houve uma grande cerimônia quando da promulgação da lei do combustível do futuro. Esta lei, na sua opinião, atende? Ficou faltando alguma coisa?
Evaristo Pinheiro: Acho que é uma ótima pergunta. A lei do combustível do futuro, ela foi muito boa para o setor, ela, sim, estimula, na medida em que ela traz os mandatos de SAF, HVO e de outros, biogás também, ela traz esses mandatos, é muito positivo para que a gente tenha a adoção desses novos combustíveis no Brasil, então, isso foi muito bom. Obviamente, ela poderia ser melhor, porque no mandato da SAF a gente tem uma possibilidade de ter uma flexibilização caso não tenha produto suficiente disponível no Brasil. Nós teremos produto suficiente, a nossa planta que parte em 2027 agora, que é o mesmo ano que vai começar o mandato de SAF no Brasil, vai ter um bilhão de litros ano, o Brasil consome, na medida em que era o ZN tradicional, um bilhão de litros, para você ter uma ideia. Então, se houvesse um mandato compulsório, fixo, a gente teria capacidade de abastecer o Brasil. Então, acho que esse poderia ter sido um ponto de melhoria, mas a lei foi muito boa, não tenho o que reclamar do governo nessa lei não.
RDM: E quais são os desafios?
Evaristo Pinheiro: A gente tem dois desafios para deslanchar os investimentos em biocombustíveis aqui no Brasil nos próximos anos. O primeiro deles, a reforma tributária. Na reforma tributária, quer dizer, o primeiro deles, desonerar os investimentos nas plantas produtivas no Brasil. Por quê? Quando eu vou fazer uma planta, uma biorrefinaria hoje, eu pago tributo. Eu pago tributo quando vou comprar uma torre de hidrotratamento, eu pago IPI, PIS, COFINS, imposto de importação sobre o equipamento que eu trago do exterior, ou que eu trago daqui do Brasil mesmo. Eu vou contratar uma empreiteira para construir a minha planta, eu pago tributo sobre o serviço da empreiteira, ISS, PIS, COFINS. Qualquer equipamento, qualquer serviço, eu pago. Isso está errado. Por quê? Porque lá fora, mesmo os Estados Unidos agora com o Trump, eles continuam dando incentivo no investimento, ou seja, é muito mais barato do que aqui no Brasil por conta do incentivo tributário que tem lá para construir as plantas de biocombustível. No Japão, na Coreia, na China, nem se fala. Até nos Emirados Árabes, inclusive. Então, isso é o primeiro pleito que a gente fez ao governo, ou seja, nós precisamos desonerar o investimento em plantas de biocombustível.
“O faturamento do nosso mercado é de R$ 65 bilhões por ano, e a gente emprega cerca de 2.500 pessoas diretas, indiretas e induzidas, e a gente tem uma arrecadação apenas de PIS / Cofins de R$ 18 bilhões por ano”

Então, sentimos o apoio do Ministério de Minas e Energia, estamos buscando também apoio da Casa Civil agora, mas já sofremos uma primeira resistência no Ministério da Fazenda, porque esse diz que, ‘olha, não tem dinheiro, tem que ter uma compensação de receitas aqui, de despesas aqui, porque senão é renúncia fiscal’. O que é um contrassenso, porque seria uma renúncia fiscal de algo que não existe ainda e que não deveria ser considerada renúncia fiscal, porque você não tem essa arrecadação ainda, você não está abrindo mão de arrecadação nenhuma, porque se não houver o investimento, você não tem arrecadação alguma. Então, mas, mesmo assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que para que eu tenha qualquer desoneração, mesmo para investimentos futuros, eu preciso apontar uma fonte de compensação de receita tributária. E aí que está o segundo problema, a segunda bandeira que a gente tem, a reforma tributária, ela trouxe uma belíssima fonte de compensação dessas receitas tributárias, que é o imposto seletivo. Imposto seletivo sobre a extração de minerais. Esse imposto seletivo, ele foi aprovado, ele está na Constituição, ele incide sobre a extração, seja para qualquer destinação, seja para vender no mercado interno, seja para exportar, vai incidir 0,25% sobre a extração de bens minerais, inclusive o petróleo.
“A gente defende que a gente tenha os estímulos corretos para que o Brasil continue sendo atrativo para o investimento em transição energética, ou seja, na produção de combustíveis a partir de biomassa”
Para que serve isso? Para você desestimular o comportamento que ofende o meio ambiente, mas, mais do que isso, ele serve para industrializar o Brasil. Por quê? Porque eu evito de exportar só o mineral bruto, só o petróleo bruto, e eu passo a agregar valor no Brasil. Eu passo a ter esse estímulo à agregação de valor no Brasil. E qual é o problema? O problema é que algumas entidades estão sendo contra o agronegócio brasileiro, na medida em que eles querem que o imposto seletivo não valha para exportação de minérios, tanto minério de ferro, qualquer mineral, petróleo, minério. O que acontece? O Brasil continua sendo só exportador de commodities. Para você ter uma ideia, o maior item da pauta de exportação brasileira do ano passado foi petróleo, óleo bruto de petróleo. Ou seja, o Brasil não exportou mais do que petróleo, mais carne, não exportou mais aço, que é industrializado, não exportou mais gasolina, diesel, do que óleo bruto de petróleo, que é algo que eu exporto, o óleo bruto de petróleo, e depois eu tenho que importar combustível, porque o Brasil não é autossuficiente em combustível. A gente é deficitário em 600 mil barris de capacidade de refino. Então, essa capacidade poderia ser suprida pelo biocombustível. Só que hoje, do jeito que está, eu não tenho receita para compensar um eventual estímulo tributário para eu fazer esses investimentos. Então, o que a gente tem hoje lá no Congresso Nacional é que o setor mineral está tentando prejudicar aqui investimentos em agronegócio, pedindo para que seja derrubado o veto do presidente da República que manteve o texto constitucional. Então, esse é o pleito, que a gente mantenha o veto do presidente da República, para quê? Para que a gente possa ter receita para apontar para renúncias fiscais, para desonerar o investimento do agronegócio aqui na produção de biocombustíveis, de biomassa.
RDM: Para ficar claro, qual seria o veto?
Evaristo Pinheiro: O veto é num inciso do artigo 427 da Lei Complementar 214. Ele se refere ao seguinte, a Constituição fala que vai incidir imposto seletivo sobre a extração de bens minerais, ou seja, extrair petróleo da terra, paga; extrair minério de ferro, paga. O setor mineral tentou colocar uma emenda na Lei Complementar, ou seja, infraconstitucional, dizendo o seguinte, incide sobre a extração, exceto quando for exportado o produto. E aí o presidente vetou, por quê? Porque não posso ter um texto que contraria o texto constitucional. E o texto da Lei Complementar não pode contrariar o texto da Constituição, o presidente vetou. E, aí, agora, eles querem derrubar esse veto.
RDM: Mas se houver a derrubada do veto, como é a questão constitucional, isso vai parar e provavelmente ser barrado no Supremo, não é?
Evaristo Pinheiro: Não sei se vai barrar, porque eu já vi cada coisa acontecer no Supremo, mas vai ser questionado, com certeza. Vai judicializar.
RDM: E judicializar não é bom, não é?

Evaristo Pinheiro: Não é bom. Não é bom, por quê? Porque eu não tenho a receita que eu preciso para a Fazenda autorizar ali a desoneração dos investimentos, e os investimentos ficam em compasso de espera. É péssimo para o Brasil. E para o agronegócio brasileiro. Mas do jeito que está, mesmo com a não… renúncia fiscal, que o governo está dizendo que seria a renúncia fiscal, com esse incentivo, uma das promessas da reforma que foi aprovada também seria que não seriam concedidos mais benefícios fiscais a partir de então. Exceto para o biocombustível. Está expresso isso. Agora, e como resolver isso? Isso afasta ou não afasta o investidor para que o setor se expanda e consiga aumentar a produção de biocombustíveis? Isso traz insegurança jurídica. Essa discussão de se vai ter receita para desonerar ou não vai ter afasta o investidor. Por quê? Porque o investidor, seja brasileiro ou seja estrangeiro, ele quer ver segurança jurídica de que ele vai investir, não vai ser cobrado tributo por isso para equilibrar a vantagem competitiva que os outros países apresentam em relação ao Brasil e eu vou poder fazer o meu investimento. O que acontece hoje? Há investidores aqui, produtores de biomassa, de etanol, de óleos vegetais que já estão considerando exportar essas mercadorias brutas para fazer plantas de biorrefino nos Emirados Árabes, no Japão e na Coreia. Imagina, a nossa biomassa brasileira viajar 12, 15, 20 mil quilômetros de barco para ser industrializada no exterior porque lá tem benefício fiscal e aqui não tem. Então, a gente precisa fazer uma política industrial adequada aqui. Uma política industrial que efetivamente funcione.
RDM: Então, esse benefício poderia fazer com que houvesse um investimento muito maior e o Brasil acelerasse a produção de biocombustíveis aqui no país, correto?
Evaristo Pinheiro: Exatamente. Se houvesse isso.
RDM: Lá atrás, nos anos 70, quando o José Walter Bautista Vidal, que foi o criador do Proálcool, durante o governo Geisel, ele é praticamente considerado o pai da biomassa brasileira. Ele tem uma enormidade de livros na área. Na época, já nos anos 90, ele fez estudos que apontavam até o uso da biomassa do babaçu, do Maranhão, e ele chegava a comparar isso em termos para leigos, para quem não entendia a questão da biomassa, da produção de energia, que o babaçu do Maranhão corresponderia a uma Arábia Saudita de petróleo. O Bautista Vidal morreu em 2013. Mas o legado dele tanto do Proálcool, quanto das teses dele, gostaria que você pudesse falar sobre isso. O senhor conhece o Bautista Vidal?
“A gente tem outros projetos na empresa de São Paulo, um projeto de etanol para combustível de aviação (ETJ) e um no Norte do Brasil de transformação em SAF e HVO de óleo de açaí, de semente de açaí”
Evaristo Pinheiro: Conheço e ele estava absolutamente coberto de razão. O Brasil é mais do que uma Arábia Saudita em energia. E não é só, porque o Bautista Vidal estava focado ali em biomassas, mas não é só em biomassa. A gente é uma potência energética, hidráulica, eólica, solar, de biomassa e de petróleo. Ou seja, a gente… Ah, e nuclear. Então assim, a gente tem todas as ferramentas para a gente ter uma matriz energética limpa, diversificada e prover energia barata para o crescimento do Brasil. O que é o pesar do professor Bautista Vidal, e o que deu errado, o que vem dando errado ao longo do tempo no Brasil é que a gente tem… A gente coloca a nova matriz energética, novas matrizes energéticas e a gente empilha em cima dela um monte de custos. Então, assim, o Brasil não trabalha para tirar os custos e as despesas das nossas fontes de energia. A gente só empilha custos nelas. E aí a gente acaba sendo um país com um baita potencial energético, mas com energia hiper-cara. E aí isso se torna uma bola de neve no pé dos empresários, dos prestadores de serviço. Por quê? Porque aí tudo isso vira custo Brasil. Então, assim, ele estava coberto de razão. O Brasil tem um futuro muito promissor sempre e quando a gente conseguir tirar as despesas artificiais que são criadas em cima da produção de energia no Brasil, essas barreiras artificiais que a gente cria, e que a gente precisa tirar, desregulamentar, ter mais leveza. O que a gente está pedindo aqui, por exemplo, para que a gente tenha a desoneração do CAPEX [dinheiro que uma organização ou corporação utiliza para comprar, manter, ou aprimorar seu espólio fixo, como prédios, veículos, equipamentos, ou terras], que já existe um programa para isso, que é o RAID. Cara, isso é o básico. Isso a gente nem precisa discutir em outro país que a gente vai fazer investimento sobre desonerar o investimento. É o básico. No Brasil, o básico é difícil.
RDM: Agora eu vou querer que você explicasse essas duas coisas que você acabou de falar: a desoneração do CAPEX e do RAID.
Evaristo Pinheiro: CAPEX é o investimento. Ou seja, é o valor que eu uso para investir. E o RAID é um regime especial de investimento industrial. Deixa eu ver aqui. A gente fala o tempo inteiro. É Regime especial de incentivos para o desenvolvimento da infraestrutura. É isso. Então, o RAID, ele é um programa que foi feito lá na época da Copa do Mundo e das Olimpíadas para desonerar todos os investimentos dos legados BRTs, VLTs, estádios, infraestruturas em geral. É isso. O biocombustível, ele deveria estar no RAID. Ele ainda não está. E ele ainda não está porque a Receita [Federal] resiste, porque não tem uma fonte de compensação de receita. É assim que essas coisas estão ligadas.
RDM: Ok. Ou seja, é um momento crucial da história brasileira.
Evaristo Pinheiro: Crucial, crucial. A gente tem vivido, por exemplo, o drama que o setor de eólicas, por exemplo, está sofrendo com retirada de empresas aqui do Brasil. Por quê? Não é porque o Brasil não tem vento mais. É porque a regulação ficou tão pesada que está ficando impossível ganhar dinheiro com energia eólica no Brasil. Por quê? Empilharam vários custos em cima dela. O Brasil é o país mais competitivo de energia eólica do planeta. Só que a gente faz isso errado. A gente faz uma regulação equivocada.
RDM: E você acredita numa solução… Por exemplo, nós estamos em 2025, tem 2026, o ano que vem é a eleição. Numa saída até as eleições ou só a partir de 2026?
Evaristo Pinheiro: Não, eu acredito que isso é uma pauta de Estado. Não é pauta de governo. Essa pauta vai andar independentemente de qualquer governo. Ela precisa andar. Porque senão o Brasil, de novo, vai perder o bonde da história.
RDM: E agora uma colocação do empresário, do representante da entidade empresarial, um pitaco de uma discussão que já começou na política aqui no Congresso Nacional, que é o debate da adoção do regime semipresidencialista. Como empresário, você acha que isso facilitaria o regime de negócios? Facilitaria ter a distinção de políticas de Estado e políticas de governo?

Evaristo Pinheiro: Aí aqui eu vou te falar como cidadão, não como presidente da ‘Refina Brasil’. É um pitaco, de fato. O acerto ou o desacerto de política pública, ele depende menos do regime de governo que você tem e mais da concatenação, da formação de consensos entre as instituições do Brasil. Ou entre as instituições de qualquer país. É disso que depende o sucesso, o maior sucesso ou não, o maior desenvolvimento ou não de uma nação. Então, tem várias literaturas sobre isso que dizem, que atestam que é o nível de coordenação entre as instituições que determina o quanto um país cresce ou não, se se desenvolve ou não. No Brasil não adianta a gente colocar… A gente já tem um parlamentarismo branco aqui no Brasil, que a gente tem desde 2001, quando criou-se um rito das Medidas Provisórias, ainda no governo Fernando Henrique, foi a primeira tomada de poder do Congresso. Dali para frente, o Congresso foi tomando cada vez mais poder, tomando cada vez mais poder, e chegamos a essa ordem de coisas que é um Congresso muito forte, é hipertrofiado, com manejo real de 50 bi sobre 200, um quarto do orçamento discricionário do país. Os senadores e deputados manejam diretamente esse orçamento, sem prestação de contas, e com uma governança partidária inexistente. O que é uma governança partidária? Os nossos partidos políticos estão cada vez mais fortes, porque o Temer fez uma reforma política que tinha que ter sido feita mesmo, a gente tinha 37 partidos políticos à época, hoje a gente tem, sei lá, acho que 28 ou 27, agora não me lembro, mas nós vamos chegar em 2030, 2034, sem nenhuma sombra de dúvidas, nós vamos chegar com 5 ou 6 partidos no Brasil. Ótimo, isso é bom. Por quê? Porque isso facilita a formação de consensos.
“A gente abrange o segmento de refino de petróleo e o segmento de biocombustíveis feitos 100% a partir de biomassa. O que isso significa? Significa produção de SAF e HVO, ou seja, o diesel verde”
Mas, qual é o problema que nós temos aqui? Nós temos zero, zero de responsabilização ou zero de governança dentro dos partidos políticos, ou seja, um dono de partido político, ele é dono indefinidamente, porque ele é dono mesmo, não é uma estrutura que ele se candidata, presta contas do que ele fez, do que ele não fez, e depois acabou o mandato dele, ele sai. Você tem dono. Então, isso é ruim. Ruim também você ter orçamento sem nenhum controle, que é o que está acontecendo hoje, é ruim, e pior do que isso tudo, você ter a desconexão completa entre Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, que é o que a gente vive hoje no Brasil. A gente tem uma batalha campal entre os poderes da República e isso impede a formação de consensos. Então, o Brasil hoje vive de crise em crise porque a gente não é capaz de formar consensos. Pior, existe um outro problema que corre aqui em paralelo, que é o crime organizado. Enquanto as instituições formais estão brigando, o crime organizado anda cada vez mais organizado e mais dentro da economia formal, ou seja, já há relatos de crime organizado em usinas de etanol, redes de depósitos de combustíveis têm inúmeros relatos, controlando serviços públicos. A gente teve em São Paulo o episódio do transporte coletivo urbano, mas tem vários aqui no Brasil. Há quem diga, não sei se é verdade, mas há quem diga que já há prefeitos eleitos pelo crime organizado, vereadores eleitos pelo crime organizado, talvez a gente já tenha deputados. Não sei se tem senadores, mas, enfim, não importa. O que importa é que o crime organizado vai escalando as estruturas de poder no vácuo de uma ausência de consensos entre as instituições da República. Então, tudo isso para te dizer o seguinte, não é o regime político que vai salvar ou não o Brasil, é a capacidade de coordenação entre as instituições do Brasil, que hoje vejo como muito difícil.
RDM: E isso acaba afastando o investidor, não é?
Evaristo Pinheiro: Sem dúvida, sem dúvida. Desde 2013 o Brasil vive de crise em crise, e ainda não consegue crescer com vigor, por quê? Quando é que você consegue crescer com vigor? Quando você investe e ainda assim a inflação não sobe. Significa que você está investindo porque tem demanda e porque eu tenho capacidade de absorver essa demanda. O Brasil tem um teto para subir, porque se eu não invisto em mais capacidade, eu continuo com um teto. Então, o que a gente vive desde 2013 é isso, o Brasil toda vez que começa a subir um pouquinho tem crise inflacionária, por isso, então esse é um problema que a gente vive aqui hoje no Brasil, a gente vive uma crise de investimentos, por quê? Porque o investidor não confia no crescimento do Brasil.
RDM: Agora, se você quiser fazer as considerações finais, abordar alguma questão que não foi feita, fique à vontade.

Evaristo Pinheiro: Eu acho que, para além, isso é um único ponto, para além dessas nossas bandeiras, a gente tem uma outra bandeira também que é importante, a gente tem no nosso setor do sucroalcooleiro uma concorrência, uma competição com a Petrobras, e essa política de preços que a Petrobras adotou, a pedido do governo, ela está prejudicando nosso setor sucroalcooleiro, porque a gente tem que ter uma vantagem até constitucional do etanol para a gasolina, e que quando ela descola demais do preço internacional da gasolina, essa vantagem vai embora. E aí, eu tenho, claro, a salvação do setor é que eu tenho um acréscimo de 30% de etanol na gasolina, mas o Brasil pode muito mais, o Brasil pode produzir muito mais do que isso, e o Brasil pode abastecer os nossos veículos com muito mais do que só 30%. Então, essa política de preços que a Petrobras adotou, a pedido do governo, que é ilegal essa medida, está prejudicando o setor do etanol. A gente já teve uma experiência disso no governo Dilma, deu muito errado, a gente tem várias ações aí do setor de etanol contra a Petrobras, e que penso que vão ser vitoriosas porque causou-se um prejuízo ao setor, e agora a gente está repetindo o erro. Quem é que vai pagar essa conta? Todos nós, contribuintes brasileiros e acionistas da Petrobras.
RDM: O etanol, na fase lá dos anos 70, 80 teve aquela crise, mas antes chegou a abastecer quase 90% da frota nacional.
Evaristo Pinheiro: Exatamente.
RDM: Aí teve uma crise, não deu conta, aí o setor foi praticamente desmontado e reiniciou devagarinho, nos anos 90, até começar a vir com mais força a partir dos anos 2000. Hoje, o setor, ele dá conta de abastecer, por exemplo, a frota nacional, se o brasileiro tomar consciência e falar: vou abastecer só com o álcool, com o etanol?
Evaristo Pinheiro: Sem dúvida.
RDM: Qual seria a porcentagem que o setor ser plenamente capaz de abastecer a frota inteira brasileira?
Evaristo Pinheiro: Então, isso é algo muito simples de se resolver. Até porque boa parte hoje da nossa produção vira açúcar.
RDM: Mas aí uma outra pergunta e até uma provocação. Muita gente, até dentro do governo, diz que, e acusa o setor, inclusive, que quando a cotação do dólar está alta, por causa do açúcar, as usinas transferem a produção do etanol para o açúcar. Isso é verdade ou não?
Evaristo Pinheiro: Isso é verdade por uma razão muito simples, é oferta e demanda. Se o etanol tiver um preço adequado, não tiver intervenção da Petrobras para baixar o preço da gasolina artificialmente, a turma vai investir mais e mais em produção de etanol. Não tem mistério. É lei da oferta e da demanda, puro e simples. Isso é Adam Smith.
RDM: Ou seja, se não houvesse essa intervenção, que você está falando que o governo adotou e que foi ilegal lá atrás e qie agora está sendo ilegal de novo, isso se resolveria?
Evaristo Pinheiro: Está se repetindo, não é? Está se repetindo. A diferença do preço da gasolina para o etanol poderia ser muito maior. Muito maior. E o uso, provavelmente, do etanol seria muito melhor e maior. Então, assim, de novo, você lembra aquele negócio que eu falei que a gente sabota, a gente vai empilhando custos, empilhando barreiras aqui, as nossas potencialidades? O etanol é uma delas.
RDM: Obrigado pela entrevista.
Evaristo Pinheiro: Eu que agradeço.