ENTREVISTA DA SEMANA | PREVENÇÃO AO CÂNCER
“Fórmula mágica não tem, mas a gente sabe e as pesquisas dizem que o modo de viver influi” como medidas para evitar o câncer
A afirmação acima é da coordenadora-geral de Prevenção às Condições Crônicas na Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Aline Lima Xavier. A declaração foi dada em entrevista exclusiva ao portal “RDMNews”, após ela ter participado do “2º fórum de conscientização do câncer ginecológico e busca e por medidas preventivas de políticas públicas” a serem adotadas no país.
Por Humberto Azevedo
Não existe uma “fórmula mágica” para se combater e se prevenir contra os diversos tipos cânceres, “mas a gente sabe e as pesquisas dizem que o modo de viver influi” como medidas efetivas para evitar o surgimento da doença, que em 2022 matou em todo o mundo de acordo com a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde (OMS) 9,7 milhões de pessoas.
Sabemos que precisamos avançar, mas tem um grande desafio que é no sentido de chegar na comunidade, na população e dialogar sobre esse problema de saúde
A afirmação acima é da coordenadora-geral de Prevenção às Condições Crônicas na Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Aline Lima Xavier. A declaração foi dada em entrevista exclusiva ao portal “RDMNews”, após ela ter participado do “2º fórum de conscientização do câncer ginecológico e busca e por medidas preventivas de políticas públicas” a serem adotadas no país, realizado no último dia 11 de setembro na Câmara dos Deputados.
Sabemos que tem também o desafio da rede de garantir acesso a tratamento no tempo oportuno
A estimativa da IARC é que, em 2022, houve um avanço dos vários tipos de cânceres em 115 países, que fizeram parte do levantamento, resultando em mais de 20 milhões de novos casos. O estudo apontou, ainda, que o número estimado de pessoas vivas dentro dos próximos cinco anos após o diagnóstico de câncer foi de 53,5 milhões. A IARC aponta também que cerca de um em cada cinco (20%) das pessoas desenvolverá câncer durante a vida, e aproximadamente um em cada nove homens (15%) e uma em cada doze mulheres (7,5%) morrerão da doença.
Tem várias pessoas e vários responsáveis em que o SUS consiga fluir e dar conta dessa demanda
No Brasil, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), apurados em 2022, o câncer de mama é a primeira causa de morte por câncer em mulheres no país. A taxa de mortalidade por câncer de mama, ajustada por idade pela população mundial, foi 11,71 óbitos a cada cem mil mulheres, em 2021. As regiões Sudeste e Sul têm as maiores taxas (12,43 e 12,69 óbitos a cada cem mil mulheres, respectivamente), seguidas do Nordeste com 10,75 óbitos a cada cem mil mulheres), o Centro-Oeste com 10,90 óbitos a cada cem mil mulheres e a região Norte com 8,59 óbitos a cada cem mil mulheres.
O Ministério tem induzido a partir de políticas, políticas que induzam um formato, uma estratégia que melhore o acesso dessa população ao Sistema Único de Saúde
Ao todo, mais de 32 mil brasileiras recebem, ao ano, o diagnóstico de um dos três tipos mais comuns de câncer ginecológico: colo do útero (17 mil novos casos previstos para 2024), endométrio / corpo do útero (7,8 mil) e ovário (7,3 mil). Juntos, eles respondem por 13,2% de todos os cânceres que acometem as mulheres do país. A alta incidência amplia a necessidade de adoção de políticas públicas que promovam equidade de acesso à toda a população, a começar pelas estratégias de prevenção primária e secundária (medidas que, respectivamente, buscam evitar que a doença ocorra e aumentar as chances de diagnóstico em fase precoce), passando pela equidade de acesso ao tratamento, até a melhor qualidade de vida da paciente em toda a sua jornada.
HÁ VIDA ALÉM DO CÂNCER
A realização do fórum faz parte da campanha que nos meses de setembro destaca a importância da conscientização sobre as doenças cancerígenas como forma de diminuir os casos de óbitos causados pela doença. A iniciativa intitulada de “setembro em flor”, criada pelo Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA), tem a atriz Marieta Severo como madrinha pelo segundo ano consecutivo, e buscou levar à população esclarecimentos como “há vida além do câncer”.
A obesidade é um fator de risco para o câncer de mama, tabagismo é outro fator de risco, o uso abusivo de álcool, o modo de viver
A campanha criada, em 2021, é voltada para a conscientização sobre prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer do colo do útero, ovário, endométrio, vulva, vagina, entre outros cânceres do aparelho reprodutor feminino. O símbolo da campanha é uma flor, com pétalas de diferentes cores, sendo que cada cor representa um dos cinco tumores ginecológicos. A flor é um símbolo de vida, pureza, feminilidade, fertilidade, o que representa bem a mulher.
Eu acredito que as pessoas precisam saber conhecer o quê que pode melhorar nas suas vidas e no seu modo de viver para que se possa melhorar a sua saúde
E para Aline Lima Xavier, representante da ministra da Saúde, Nísia Trindade, no encontro, iniciativas como essas são importantes para se conseguir “avançar” na conscientização junto às pessoas porque isso tem sido “um grande desafio de chegar na população e dialogar sobre esse problema de saúde”. “Atividades físicas, alimentação mais saudável” são fundamentais para conseguir prevenir a doença. “Hoje a gente vê que boa parte da população faz uso de muitos alimentos processados e ultraprocessados e que são altamente cancerígenos”, lamenta.
Depende do tipo. Se você falar do câncer de colo de útero, é totalmente prevenível. Se você falar do câncer de ovário, ele é um câncer que tem um fator genético muito importante
De acordo com a edição número 69 da “Revista Brasileira de Cancerologia”, uma publicação científica impressa nos três primeiros meses de 2023, são esperados 704 mil casos novos de câncer para os anos de 2023 até 2025. Excetuando o câncer de pele não melanoma, ocorrerão 483 mil novos casos de cânceres. O câncer de mama feminina e o de próstata serão os mais incidentes com 73 mil e 71 mil casos novos, respectivamente. Em seguida, o câncer de cólon e reto deverá ter a incidência de 45 mil novos casos, o de pulmão com 32 mil novos casos, o de estômago com 21 mil novos casos e o câncer do colo do útero com 17 mil novos casos.
ÍNTEGRA
Abaixo segue a íntegra da entrevista da da coordenadora-geral de Prevenção às Condições Crônicas na Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde concedida ao portal “RDMNews”.
RDMNews: Como representante da ministra da Saúde, Nísia Trindade, que “Raio X” você faz de como são atualmente as políticas de prevenção ao câncer e o que precisa ser mudado?
Aline Lima Xavier: Então, hoje, nós já temos políticas públicas voltadas para o enfrentamento do câncer ginecológico e sabemos que precisamos avançar, mas tem um grande desafio que é no sentido de chegar na comunidade, na população e dialogar sobre esse problema de saúde e que um dos principais cânceres ginecológicos, que é o câncer de colo de útero é um câncer evitável, prevenível. Então, hoje, a gente tem a política nacional de atenção primária à saúde, que é um lugar do SUS mais próximo da comunidade, da população e que tem feito já atividades para a sensibilização das mulheres e da população em geral e que, hoje, já está se investindo mais em ampliação da cobertura da atenção primária para que a gente consiga chegar em mais pessoas e que consiga falar mais de prevenção de doenças, promoção à saúde, mudanças no modo de vida. Isso é muito caro para a gente e é bem importante como política pública de saúde. Sabemos que tem também o desafio da rede de garantir acesso a tratamento no tempo oportuno e o Ministério já vem dialogando, discutindo e elaborando políticas voltadas à especialidade e de como a gente garante que essa mulher tenha na rede esse acesso ao tratamento de forma oportuna e não tenha desfecho desfavorável.
RDMNews: Agora, como você falou do SUS, e isso é importante para a aplicação e efetividade da saúde no Brasil, e como todos sabemos dos problemas, o principal é o atendimento às demandas da sociedade no cotidiano. Visto isso, como o Ministério da Saúde, sobretudo, na questão da oncologia que vem crescendo no país, está vendo esse crescimento da doença e o papel importante do SUS para atender a população?
Aline Lima Xavier: Sim, se a gente for entender essa questão política, a gente sabe que ela é tripartite. Então, o papel do Ministério é na indução de políticas que melhorem o acesso, que melhorem a saúde das pessoas. Então, nestes estímulos e nesta indução, a gente dialoga com gestores. Sejam gestores federais, estaduais e ou municipais. Então, tem várias pessoas e vários responsáveis em que o SUS consiga fluir e dar conta dessa demanda. Então, assim, o Ministério tem induzido a partir de políticas, políticas que induzam um formato, uma estratégia que melhore o acesso dessa população ao Sistema Único de Saúde.
RDMNews: E com relação às pesquisas públicas sobre oncologia, o Ministério da Saúde tem através de seus órgãos como a Fiocruz para avançar e obter êxitos e avanços contra a doença. Mas o enfrentamento vem, sobretudo, da rede privada, não? Ou seria por meio de parcerias público-privada?
Aline Lima Xavier: Na área de pesquisa, a gente trabalha muito com a parceria. Seja com organismos internacionais como com a Organização Mundial de Saúde (OMS), com a Organização Panamericana de Saúde (OPAS), com outros institutos de pesquisas, mas também temos uma secretaria específica, que é de pesquisa e tecnologia, que tem feito editais voltados também para os pesquisadores no Brasil. Então, a gente tem essa parceria, dialoga com esses diversos institutos e organizações no sentido de se fazer pesquisa tanto para conhecer a realidade, a situação, como para pinçar estratégias e ações voltadas para a melhoria da população.
RDMNews: Agora, quais seriam as suas sugestões como representante do Ministério da Saúde para o brasileiro médio, nesta questão da oncologia, para evitar doenças cancerígenas? Tem alguma fórmula mágica?
Aline Lima Xavier: Fórmula mágica não tem, mas a gente tem e foi dito que e as pesquisas dizem que o modo de viver influi. Então, a obesidade é um fator de risco para o câncer de mama, tabagismo é outro fator de risco, o uso abusivo de álcool, o modo de viver. Isso é um ponto que a gente preza muito e que a gente precisa chegar na população e dialogar sobre isso para que as pessoas não adoeçam. Tem alguns cânceres que são rastreáveis, em que a gente pode identificar no início, a detecção precoce. Então, eu acredito que as pessoas precisam saber conhecer o quê que pode melhorar nas suas vidas e no seu modo de viver para que se possa melhorar a sua saúde e que você não venha ter uma doença como um caso de um câncer ginecológico, por exemplo.
RDMNews: O câncer é mais um fator genético, ou causado pelo modo de vida da pessoa?
Aline Lima Xavier: Depende! Depende do tipo. Se você falar do câncer de colo de útero, é totalmente prevenível. Se você falar do câncer de ovário, ele é um câncer que tem um fator genético muito importante. Então, depende muito da doença, do tipo de câncer. Alguns são genéticos, outros tem muito o fator de risco, mas, no caso, o câncer de colo no útero é prevenível e a gente precisa atuar nesta frente. Então, é importantíssimo a gente estar junto aqui da sociedade civil dialogando sobre isso. Porque é a população também que tem esse poder de dialogar com a comunidade, com a população e entender essa necessidade tanto do Ministério, [como da sociedade]. Porque só o Ministério sozinho, ele não vai conseguir construir essa rede em prol da prevenção do câncer.
RDMNews: Você falou que a alimentação e o modo de vida do paciente é fundamental para prevenir?
Aline Lima Xavier: Sim, também.
RDMNews: Seria trocar a vida sedentária por uma com exercícios físicos?
Aline Lima Xavier: Atividades físicas, alimentação mais saudável. Hoje a gente vê que boa parte da população faz uso de muitos alimentos processados e ultraprocessados e que são altamente cancerígenos. Então, se a gente dialoga de como a gente induz isso, vamos falar um pouco mais sobre produtos mais orgânicos, produtos mais naturais e induzir isso. Então, é um tipo de prevenção à saúde que evita que as pessoas adoeçam. Não só o câncer, mas outras doenças também como as doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, de uma forma geral.
RDMNews: Então, a dica seria quanto mais uma comida natural como o arroz, o feijão, uma salada da horta, produtos orgânicos?
Aline Lima Xavier: Mais naturais.
RDMNews: Naturais e produzidos sem o uso de agrotóxicos (defensivos agrícolas). Os agrotóxicos, como é isso?
Aline Lima Xavier: O agrotóxico aí eu vou ficar te devendo. Porque, assim, a gente ainda tem políticas voltadas para esse controle, mas sabemos que tem muito a caminhar. Tem uma coordenação específica lá dentro da secretaria de Atenção Primária que dialoga sobre alimentação e nutrição e que tem dialogado com esses outros setores, que discutem esses temas, que é intersetorial. É uma política intersetorial, não é só do Ministério da Saúde.
RDMNews: O Ministério da Saúde, hoje, ele não é ouvido para liberação de uso de pesticidas, agrotóxicos?
Aline Lima Xavier: Não, não é de responsabilidade do Ministério da Saúde, mas ele dialoga.
RDMNews: Mas ele é consultado, não?
Aline Lima Xavier: Ele é consultado e participa quando é necessário das discussões também e da produção sobre isso. Mas não é ele que vai fiscalizar.
RDMNews: Mas poderia ser, não? Como vai ser uma questão que vai reverter na saúde…
Aline Lima Xavier: A gente tem estratégias para dialogar sobre isso, mas não assumir enquanto responsabilidade de política pública como o Ministério da Saúde. É uma política intersetorial. Ele participa, mas não é o único que é o responsável.
RDMNews: Então, para encerrar, a dica é a alimentação saudável, o arroz e o feijão com a salada?
Aline Lima Xavier: Os hábitos saudáveis também. A questão da prática da atividade física, alimentação mais saudável, [evitar] o uso de substâncias que possam ser prejudiciais como o tabaco, o álcool. Então, a questão do sedentarismo tem a ver com a obesidade. A gente sabe que 60% dos adultos hoje são sobrepeso, então, esses são os fatores que a gente considera que são fatores de risco e que devem ser abrangidos em todo o nosso discurso na saúde. Isso é bem importante.
RDMNews: Uma última pergunta, há consenso na classe médica, hoje, do que causa o câncer?
Aline Lima Xavier: Sim. Eles acabaram de falar ali. Os médicos, sobretudo, que tratam dos tumores, que eles sabem que o que previne e eles tem também induzido isso. Porque não é porque vou tratar pessoas já doentes, que eu não vou dialogar sobre a prevenção. Então, tanto a categoria médica, todos os demais profissionais de saúde, as políticas públicas têm sido utilizadas para isso e sabem como evitar e também a importância de garantir o tratamento. Porque o tratamento precoce e o diagnóstico precoce vai ajudar a ter desfecho favorável e que diminua também os casos de óbitos.
RDMNews: Mas nas suas palavras, o que evitaria o câncer como foi falado e tratado aqui?
Aline Lima Xavier: O câncer, isso é relativo, alguns cânceres são fatores preveníveis de modo vida, de necessidade de rastreamento, e outros tem relação genética, mas que a gente pode, sim, acompanhar. Então, o quê que resume? A gente precisa acompanhar a saúde das pessoas para além da promoção da saúde e do modo de viver, mas do cuidado da saúde. Saber olhar a essas pessoas e esses pacientes e nos sintomas que a gente considera que possam ser câncer, ou o quê que acontece. Então, assim, é ter acesso ao cuidado. Porque, às vezes, você não procura o serviço de saúde só quando você está doente, você procura o serviço de saúde também para cuidar da sua saúde, no que a gente chama de cuidado longitudinal. Então, a atenção primária volta muito para o acompanhamento da população, dentro da sua família, da sua comunidade e no modo de viver. E não somente quando ela está doente. Então, essa questão da atenção primária é muito cara para a gente no sentido de que a gente acompanha as pessoas desde que nascem. Então, se ela tem alguma questão, algum sintoma, algo que está fora do comum, então, ela procura a Unidade Básica de Saúde (UBS) e é neste lugar que a gente tem que investigar e identificar esses possíveis casos que podem ser câncer e encaminhar para que a gente tenha um diagnóstico precoce e que evite chegar ao câncer. Às vezes, é só uma lesão precursora, algo que pode ser tratável e que evita um câncer de estágio quatro, por exemplo [que acontece quando as células cancerígenas se propagam através do sistema linfático ou do sangue para formar novos tumores em órgãos distantes].