Daniel Almeida como presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, na recepção aos parlamentares durante ao encontro de cúpula dos parlamentos das 20 maiores economias do planeta realizado em Brasília nos dias 6 a 8 de novembro. (Foto: Mário Agra / Agência Câmara)

ENTREVISTA DA SEMANA – PARCERIA BRASIL-CHINA

“O Brasil nunca teve tanta necessidade da China e a China nunca teve tanta necessidade de se relacionar com o Brasil”

 

 

A afirmação acima é do deputado Daniel Almeida, presidente do Grupo Parlamentar Brasil e China que atua na Câmara dos Deputados. Em entrevista exclusiva para a reportagem dos canais RDM, o parlamentar baiano ressalta a importância do Brasil aderir a Rota e Cinturão da Seda do governo chinês para garantir uma âncora no programa do governo brasileiro que trabalha para reindustrializar o país.

 

 

Por Humberto Azevedo

 

 

“O Brasil nunca teve tanta necessidade da China e a China nunca teve tanta necessidade de se relacionar com o Brasil”, afirmou com exclusividade para a reportagem dos veículos RDM, o deputado federal e presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China na Câmara dos Deputados, Daniel Almeida (PCdoB-BA).

 

“A conjuntura global é de muita instabilidade e nós temos algumas incertezas”

 

O parlamentar baiano ressaltou a importância do Brasil aderir a Rota e Cinturão da Seda do governo chinês para garantir uma âncora no programa do governo brasileiro que trabalha para reindustrializar o país. Segundo ele, está se abrindo uma janela de oportunidade para o Brasil por meio do estreitamento da parceria entre os dois países com a rota comercial que o gigante asiático vem promovendo no mundo.

 

 

“O Brasil deveria anunciar sua adesão à iniciativa e à rota, a chamada Rota da Seda, que a China já conseguiu incorporar mais de 140 países, levando em conta os interesses do Brasil, naturalmente”

 

Atualmente, mais de 140 países já aderiram à rota chinesa, que não é exclusiva e tampouco permanente. Ou seja, os países que aderirem ao novo acordo comercial proposto pela China não precisam descartar nenhuma outra relação comercial com outros blocos, assim como tem total liberdade para interromper “a qualquer momento”.

 

“O que eu vejo é a necessidade do Brasil ter um plano dele Brasil para aderir a essa iniciativa e rota, que equilibre melhor essas trocas. Para o Brasil não ficar só exportando commodities e importando produto acabado”

 

TRUMP

 

Durante a conversa, Daniel Almeida abordou ainda temas como a vitória eleitoral do ex-presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Donald Trump, nas eleições daquele país no último 5 de novembro, que garantiu a sua volta à Casa Branca a partir de 20 de janeiro de 2025.

 

 

“Trump eleva essa instabilidade, mas vai se consolidando um mundo multipolar com uma tendência de uma confrontação que se acirra entre os Estados Unidos e a China”

 

Para o presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China, o retorno de Trump no comando da ainda maior economia do planeta aumentará as tensões e instabilidades geopolíticas pelo mundo, mas ele acredita que “o sistema vai segurar algumas coisas que ele diz que vai fazer e que não vai ser possível fazer, mesmo com a maioria no Senado, na Câmara”.

 

 

“Acho que é uma instabilidade que vai permanecer por algum tempo com possibilidade da China crescer nesse cenário global em função de restrições que o Trump anuncia que fará na economia norte-americana. Acho que esse é o desenho principal”

 

“O sistema americano vai botar um pé no freio, na minha visão. E ele vai sofrer desgaste. Na medida que ele não consegue apresentar os resultados que ele anuncia, e a vida das pessoas não têm o avanço que eles acham que poderia ter, eles vão ter dificuldade”, avalia Daniel Almeida.

 

“O Celso Amorim é muito experiente, é uma das pessoas que mais conhece as relações globais, a geopolítica e tem contato com muita gente. Portanto, me estranhou também essa atitude de aparente insensibilidade com esse momento”

 

ANTISSISTEMA

 

O deputado baiano avalia, ainda, que há em todo o mundo um sentimento “antissistema” que põe em xeque todos os governos e todos os modelos, sejam eles de direita, centro, esquerda, ultraliberal, moderado, conservador, ou progressista.

 

 

“O Xi Jinping vem ao Brasil, a cúpula é aqui no Brasil, o Brasil está na responsabilidade de dirigir o G20. O principal objetivo dele é de o Brasil estar nessa iniciativa da rota, a Rota da Seda. Os países dos BRICS todos estão lá, então me pareceu uma falta de sensibilidade para perceber esse momento”

 

“Todos os modelos estão em xeque, não tem nenhuma nação, nenhum povo, nenhum modelo que esteja tendo um desenvolvimento que não tenha questionamento. O modelo que mais conseguido alcançar resultados para a sua população é a China, que hoje está se livrando da pobreza, tem crescido, industrializado, desenvolvido tecnologia, etc”, comenta.

 

“Se nós não fizermos isso agora, o risco de em 2026, independente do que seja o governo, daqui a dois, três anos, nós não temos mais a capacidade de dar esse passo de uma troca mais equilibrada. Ou seja, aí a gente consolida esse espaço só de vender commodities e importar produto manufaturado. Aí está o que a China está investindo na África, está investindo mais na Ásia, ela vai consolidar seus nichos de produção nesses lugares e essa oportunidade ficaria perdida”

 

HISTÓRIA DO GRUPO

 

Foto do ex-deputado gaúcho Adylson Motta, hoje com 88 anos, que também foi ministro-conselheiro do Tribunal de Contas da União (TCU), e quem criou o Grupo Parlamentar Brasil-China, hoje presidido por Daniel Almeida. (Arquivo / Câmara dos Deputados)

Criado em 1993 pela Resolução da Câmara dos Deputados de número 47, o Grupo Parlamentar Brasil-China foi uma iniciativa do então deputado Adylson Motta (PPB-RS) e possui 31 deputados inscritos. A atuação do Grupo presidido por Almeida se confunde com a atuação levada a cabo pela Frente Parlamentar Brasil-China no Congresso Nacional, que conta 199 deputados federais e sete senadores, e é presidida pelo deputado Fausto Pinato (PP-SP).

 

“O ambiente geopolítico global é de um fortalecimento da China, portanto, de fortalecimento das suas relações com os parceiros, de consolidação do BRICS. Acho que o Brasil tem boas possibilidades de ser o principal parceiro, o principal beneficiário disso”

 

No Senado Federal, com abrangência nas duas Casas legislativas, o Grupo Parlamentar Brasil-China no Congresso Nacional também procura atuar “com a finalidade de incentivar e desenvolver as relações bilaterais entre” os dois países no âmbito do Poder Legislativo. Esse grupo, que conta com 26 senadores e três deputados federais, é presidido pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

 

ÍNTEGRA

 

Abaixo segue a íntegra da entrevista concedida pelo deputado Daniel Almeida. Boa leitura!

 

RDMNews: Deputado Daniel Almeida, o senhor é presidente do grupo parlamentar Brasil-China da Câmara e do Senado, não é?

Daniel Almeida: Só da Câmara.

 

RDMNews: Só da Câmara, correto. Como o senhor está vendo a conjuntura atual do cenário internacional? Essa última reunião de cúpula do BRICS, que teve lá em Kazan, na Rússia. Para iniciar, como o senhor está vendo esse momento?

Daniel Almeida: A conjuntura global é de muita instabilidade e nós temos algumas incertezas. O resultado da eleição dos Estados Unidos, o perfil do Trump eleva essa instabilidade, mas vai se consolidando um mundo multipolar com uma tendência de uma confrontação que se acirra entre os Estados Unidos e a China. Disputa de mercado, mercado global. Penso que a China pode levar vantagem nesse ambiente em função do papel que ela desempenha no BRICS, na relação com os países da Ásia, com a Rússia. De forma muito especial, as dificuldades que a Europa vivencia, o tombo que a Europa levou com a falta de produtos derivados de petróleo, especialmente de gás, por conta da guerra na Ucrânia foi muito grande. Então, acho que é uma instabilidade que vai permanecer por algum tempo com possibilidade da China crescer nesse cenário global em função de restrições que o Trump anuncia que fará na economia norte-americana. Acho que esse é o desenho principal.

 

RDMNews: Passando para os investimentos da China aqui no Brasil, propriamente da China, sem ser BRICS, embora a China seja o carro-chefe do BRICS.

Daniel Almeida: Investimentos, temos vários hoje na Bahia e, no Brasil, projetos de infraestrutura, estruturantes, como a ponte bioceânica que está lá na fronteira com o Peru.

 

RDMNews: Para levar os produtos da Bahia até o Oceano Pacífico, do Atlântico ao Pacífico, não é?. E a entrada do Brasil na Rota da Seda, no acordo comercial da Rota da Seda, da China, é crucial, fundamental para a efetivação desses investimentos, desses financiamentos, ou não?

Daniel Almeida: Eu penso que o Brasil deveria anunciar sua adesão à iniciativa e à rota, a chamada Rota da Seda, que a China já conseguiu incorporar mais de 140 países, levando em conta os interesses do Brasil, naturalmente. Não é apenas a adesão a um programa que a China oferece. Quais são as condições e quais são os interesses do Brasil nessa relação, mas fazer adesão, já que essa adesão pode se dar a qualquer momento e também pode deixar de acontecer, pode ser interrompida a qualquer momento. Não há nenhuma obrigação formal dos países nem entrar, nem no tempo de permanência nessa iniciativa e rota.

 

RDMNews: E não tem exclusividade também, não é?

Daniel Almeida: Não tem exclusividade, não exclui ninguém, comporta todos os países, todas as economias, porque a China é quem tem capital, tem interesse em investir em infraestrutura. O Brasil tem carências muito fortes de investimento em infraestrutura. O Brasil tem também muito o que exportar para a China, como tem demonstrado. Então, essa aproximação só ajuda a qualificar essa relação. O que eu vejo é a necessidade do Brasil ter um plano dele Brasil para aderir a essa iniciativa e rota, que equilibre melhor essas trocas. Para o Brasil não ficar só exportando commodities e importando produto acabado. Que experiências como a BYD, que é de instalar no Brasil a montagem de veículos e também desenvolver tecnologia e inovação, fazer um centro de desenvolvimento. Esse modelo deve ser intensificado para que essas trocas fiquem mais equilibradas. Que o Brasil possa produzir coisas que a China oferece de tecnologia aqui no Brasil. Esse é o movimento que eu acho que é necessário ser feito.

 

RDMNews: Até porque a entrada do Brasil na Rota da Seda não exclui, por exemplo, a parceria que o Brasil tem de longa data, tanto com a União Europeia como com os Estados Unidos.

Daniel Almeida: Não exclui absolutamente nada. O Brasil tem uma tradição na sua diplomacia que deve ser mantida. De se relacionar com todos, respeitar a autodeterminação, buscar os interesses do Brasil em todas as nações do mundo. E tem muita facilidade de fazer isso. Isso deve ser mantido. Mas enxergar as oportunidades que aparecem e eu vejo que as oportunidades maiores hoje estão nessa relação com a China, não exclui ninguém, mas aproveita as oportunidades que vão aparecendo. Como a China tem tecnologia, tem capital e quer investir em infraestrutura, todas essas rotas ferroviárias, marítimas, de interligação com a América Latina, se nós não fizermos isso agora, nós podemos perder o ‘time’, perder a oportunidade de fazer depois.

 

RDMNews: Sim, ainda nessa questão da Rota da Seda, o ministro, que é o ministro de conselheiro do Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, ex-chanceler, ele deu uma entrevista no jornal O Globo na semana passada dizendo que o Brasil não entraria na Rota da Seda por hora, por agora. Aí, depois, ele corrigiu essa informação dizendo que não era bem assim essa declaração dele. De qualquer forma, essa informação chegou até a China e os chineses não gostaram, eles reagiram muito mal a essa situação. E teve ainda o que aconteceu em Kazan, na Rússia, em que o Brasil vetou a entrada da Venezuela e que a Rússia particularmente estava cacifando e a China estava apoiando essa entrada também. assim, o Brasil está num momento delicado por conta da conjuntura internacional e precisa escolher muito bem as palavras, e como o senhor ouviu essa declaração do ministro Celso Amorim?

Daniel Almeida como presidente do Grupo Parlamentar Brasil-China entre os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, na recepção aos parlamentares durante ao encontro de cúpula dos parlamentos das 20 maiores economias do planeta realizado em Brasília nos dias 6 a 8 de novembro. (Foto: Marina Ramos / Agência Câmara)

Daniel Almeida: Eu acho que é um momento sensível, o Celso Amorim é muito experiente, é uma das pessoas que mais conhece as relações globais, a geopolítica e tem contato com muita gente. Portanto, me estranhou também essa atitude de aparente insensibilidade com esse momento. O Xi Jinping vem ao Brasil, a cúpula é aqui no Brasil, o Brasil está na responsabilidade de dirigir o G20. O principal objetivo dele é de o Brasil estar nessa iniciativa da rota, a Rota da Seda. Os países dos BRICS todos estão lá, então me pareceu uma falta de sensibilidade para perceber esse momento. Vai ter a COP-30 aqui no ano que vem, então eu penso que o Brasil está compreendendo isso, acho que o Lula compreendeu isso, por isso que essa reflexão do Celso Amorim, olha, não é bem assim, eu não estou negando o Brasil aderir à iniciativa da rota, a Rota da Seda, mas parece que ele está tentando fazer um movimento, dar um passo adiante que não seja adesão e que fique no meio do caminho. Eu acho isso, na minha visão, não é a melhor trajetória.

 

RDMNews: Alguns analistas afirmam que a vitória do Trump representa que o Brasil estaria com pouca margem de negociação com a China para entrar na Rota da Seda. Como o contrário não aconteceu, uma vitória dos Democratas, com a Kamala, o Brasil teria uma margem um pouco maior para negociar com a China e avançar mais com os seus interesses dentro do plano. Com a vitória do Trump, muitos analistas dizem que essa margem foi-se, acabou. O senhor compactua dessa visão?

Daniel Almeida: Acho que sim, acho que mudou sensivelmente. Como disse aqui no início da conversa, o ambiente geopolítico global é de um fortalecimento da China, portanto, de fortalecimento das suas relações com os parceiros, de consolidação do BRICS. Acho que o Brasil tem boas possibilidades de ser o principal parceiro, o principal beneficiário disso, de não negar nenhum tipo de relação com os Estados Unidos, mas de fortalecer esse movimento que eu acho que vai se consolidar e vai crescer do ponto de vista global. O papel da China com a América Latina, com a Europa, com o próprio EUA, dentro da própria Ásia, com a Rússia, acho que é muito necessário compreender esse movimento.

 

RDMNews: Agora dando crédito ao jornalista Miguel do Rosário, do Cafezinho, ele que trouxe esse furo, esse esclarecimento do Celso Amorim, porque ele foi buscar as informações com as autoridades chinesas e deu essas informações. E na apuração dele, ele dá nome aos ‘bois’ aqui no Brasil, de que o atual serpa do Itamaraty para assuntos do BRICS, o Eduardo Paes Saboia, uma integrante da equipe econômica do governo brasileiro, do Ministério da Fazenda, e de algumas outras autoridades do governo brasileiro, que seriam anti-China, anti-BRICS, que querem fazer com que o Brasil assuma um alinhamento ideológico com os Estados Unidos. Paralelamente a isso, ele chega à conclusão que ou o Brasil, no governo Lula, adere à Rota da Seda com um projeto nacional, não só agroexportador de commodities, de matéria-primas, ou em 2026, o Brasil corre risco de ter um governo de direita que vai estar alinhado aos Estados Unidos, mas vai aderir à Rota da Seda num plano apenas de matérias-primas e de agroexportação. O senhor concorda com essa análise?

Representando o Grupo Parlamentar Brasil-China da Câmara dos Deputados, Daniel Almeida, recepciona, ao lado do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, o vice-presidente do comitê permanente da Assembleia Popular Nacional da China, sr. Wu Weihua, no último dia 7 de novembro. (Foto: Marina Ramos / Agência Câmara)

Daniel Almeida: Eu não concordo que nós estejamos caminhando para ter uma mudança de rota política e ideológica no Brasil em 2026. Claro que a eleição vai acontecer, muita água vai rolar até lá, mas acho que nós temos muitos dados, muitos argumentos, muitas razões para acreditar que esse projeto democrático que o Brasil está conduzindo vai se manter por mais tempo. No entanto, penso que a oportunidade de fazer esse movimento é agora, e tem sim resistências nesse núcleo mais à direita que tem uma penetração forte em segmentos empresariais. Alguns segmentos empresariais, no Brasil, não compreenderam ainda as vantagens que podem ser exploradas na relação com a China. Não é só de vender commodities e importar manufatura, é de parcerias necessárias que o empresariado brasileiro precisa fazer. A China fez isso muito bem quando ela fez um projeto de desenvolvimento, de industrialização, e disse o seguinte, quer vir capital, vem pra cá, faz a ‘joint venture’ e toca a vida. E fez isso com quem apareceu para fazer. Acho que o Brasil tem condições de ter um plano agora, tem essa nova indústria, as seis missões da nova indústria brasileira, como é que a China se incorpora a isso, entra nisso, e traz tecnologia, faz transferência de tecnologias, aproveita a energia barata e renovável que o Brasil tem, pra nós darmos um passo adiante nessa direção. É a minha confiança. Agora, óbvio que tem em todas as camadas da sociedade brasileira um discurso direitista, discurso reacionário, com um cunho ideológico muito forte, de não avançar nessa relação com a China. Se nós não fizermos isso agora, o risco de em 2026, independente do que seja o governo, daqui a dois, três anos, nós não temos mais a capacidade de dar esse passo de uma troca mais equilibrada. Ou seja, aí a gente consolida esse espaço só de vender commodities e importar produto manufaturado. Aí está o que a China está investindo na África, está investindo mais na Ásia, ela vai consolidar seus nichos de produção nesses lugares e essa oportunidade ficaria perdida.

 

RDMNews: O senador da Flórida, Marco Rubio, que foi um dos principais articuladores da campanha de Donald Trump, é cotado para ser o chefe de defesa do Departamento de Estado de Defesa do governo norte-americano, a partir da gestão do Trump, que vai tomar posse no dia 20 de janeiro. Ele tem uma visão muito anti-Cuba, muito anti-Venezuela, muito anti-BRICS, muito anti-China. O senhor acha que essa nomeação, se confirmar, pode favorecer esse estreitamento do Brasil? O Brasil não vai ter como correr e aprofundar essa relação com a China por conta da atuação do governo norte-americano?

Daniel Almeida: Eu vejo assim que o Trump tem toda essa retórica, esse discurso aparentemente fora de nexo, sem consistência, mas ele, no governo, o sistema vai segurar algumas coisas que ele diz que vai fazer e que não vai ser possível fazer, mesmo com a maioria no Senado, na Câmara, etc., ele não vai conseguir fazer muita coisa que ele anuncia que fará. E ele vai ter que governar, vai ter que apresentar resultados. O que eu vejo no mundo é uma movimentação anti-sistema. Todo mundo que está no poder, já que a economia está parada, o crescimento é pequeno, todos os modelos estão em xeque, não tem nenhuma nação, nenhum povo, nenhum modelo que esteja tendo um desenvolvimento que não tenha questionamento. O modelo que mais conseguido alcançar resultados para a sua população é a China, que hoje está se livrando da pobreza, tem crescido, industrializado, desenvolvido tecnologia, etc.

 

RDMNews: Tem tirado as pessoas da miséria.

Daniel Almeida durante pronunciamento no plenário Ulysses Guimarães (Foto: Bruno Spada / Agência Câmara)

Daniel Almeida: Da miséria e assim por diante. Então esse é o modelo que mais tem produzido resultados, olhando pelos dados objetivos. Mas no geral todos os modelos estão sendo questionados. O Trump vai ser questionado também. Na hora que ele for lidar com a economia, com os resultados, com as dificuldades geopolíticas que estão aí, com as guerras que estão acontecendo, ele vai se deparar com os problemas concretos. Como é que ele vai se comportar a partir disso? E vai começar a sofrer questionamento interno. Então, eu não vejo ele em condições de fazer tudo o que ele diz que vai fazer. E os questionamentos que aparecerão pela falta de resultados vai levar ele a ter maiores dificuldades. É impossível hoje, inclusive para os Estados Unidos, ter um descolamento da China. Quem compra os principais títulos americanos são os chineses. Quem tem capacidade de investir são os chineses. A principal produção de semicondutores é em Taiwan. A China está ali, no entorno. Eles vão ficar achando que vai fazer um confronto ali, que vai ocupar aquele território, vai fazer o que quiser ali? Não é assim. A China pode apertar o torniquete e as coisas ficam difíceis. Então, o Trump, o sistema americano vai botar um pé no freio, na minha visão. E ele vai sofrer desgaste. Na medida que ele não consegue apresentar os resultados que ele anuncia, e a vida das pessoas não têm o avanço que eles acham que poderia ter, eles vão ter dificuldade. Os governos todos, os sistemas todos estão passando por dificuldade. Olha o que está acontecendo na Alemanha. Crise na Alemanha, crise na maioria dos países da Europa. À esquerda e à direita, a direita chegou à Itália. Vai se consolidar? Os conservadores ficaram um bom tempo na Inglaterra. Perdeu o fôlego. Quem ressurgiu lá foi um pensamento mais estabilista. Então, na verdade, prevalece uma contestação aos sistemas, todos os sistemas. E o Trump vai se deparar com isso.

 

RDMNews: Para finalizar a entrevista, tem algum tema que eu não lhe perguntei que o senhor gostaria de falar mais claramente?

Daniel Almeida: Eu, acompanhando a relação Brasil-China e aqui no grupo parlamentar, tive a oportunidade de visitar a China no ano passado duas vezes. Fiquei aproximadamente três semanas na China. Nas duas vezes que participei e dialogando aqui com a embaixada, dialogando com empresários e delegações que sempre estão visitando o Brasil e também de gente do Brasil que tem interesse em fazer relação com a China, especialmente na área da indústria. Eu estou muito otimista, avaliando que essa percepção no ambiente da política, no ambiente dos negócios, contato com universidades, que tem acontecido com muita intensidade, nos projeta para realmente uma qualificação desse ambiente de negócio, de troca e de aprofundamento das relações institucionais. O Brasil nunca teve tanta necessidade da China e a China nunca teve tanta necessidade de se relacionar com o Brasil. E a consolidação de um pólo chamado Sul Global depende muito do entendimento dessas duas nações, que não estão querendo fazer guerra, que não estão querendo disputar influência geopolítica, territorial, etc., mas que têm muitos objetivos de realizar interesse em negócios e interesses comuns. Então, eu estou muito otimista e espero muito que essa visita do Xi Jinping seja um passo adiante e que no ano de 2025 seja a materialização de toda a consolidação desses entendimentos necessários.

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