Eduardo Taveira, secretário de Meio Ambiente do estado do Amazonas, durante sua intervenção na audiência de conciliação das ADPF das emergências climáticas, relatada no STF pelo ministro Flávio Dino. (Foto: Gustavo Moreno / STF)

ENTREVISTA DA SEMANA | EDUARDO TAVEIRA

“Ninguém está preparado para o tamanho da crise ambiental que a gente está enfrentando e vai enfrentar”, afirma secretário de Meio Ambiente do Amazonas

 

 

Em entrevista exclusiva ao portal “RDMNews”, o responsável pela gestão ambiental do estado com maior território do Brasil e que carrega no nome a maior floresta tropical do planeta, destacou que o país só alcançará o controle total dos desmatamentos e dos incêndios se todos os entes federados (União, estados e municípios) tiverem uma “grande capacidade de diálogo em relação às ações que estão sendo feitas”.

 

Por Humberto Azevedo

 

“É muito importante essa organização para que a gente comece a entender como os estados estão atuando, repartir responsabilidades, mas, acima de tudo, ter uma atuação em conjunto”

 

“Ninguém está preparado para o tamanho da crise ambiental que a gente está enfrentando e vai enfrentar”, afirmou o secretário de Meio Ambiente do estado do Amazonas, Eduardo Taveira, em entrevista exclusiva concedida ao portal “RDMNews”. A declaração aconteceu logo após ele participar da audiência de conciliação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743 de 2020, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará as responsabilidades individuais e coletivas que cada agente público e privado têm com relação às emergências climáticas, que estão transformando a normalidade e a realidade brasileira.

 

“Isso não envolve, somente, obviamente, as questões do Poder Executivo em si, não é? Seja no nível federal, estadual ou municipal, mas um arranjo de todos do Judiciário, do Legislativo”

 

Durante a entrevista, o responsável pela gestão ambiental do estado com maior extensão territorial do Brasil e que carrega no nome a maior floresta tropical do planeta, destacou que o país só alcançará o controle total dos desmatamentos e dos incêndios se todos os entes federados (União, estados e municípios) tiverem uma “grande capacidade de diálogo em relação às ações que estão sendo feitas”. Para isso, segundo ele, será necessário um amplo “planejamento prévio” das ações realizadas.

 

“Se a gente não tiver uma capacidade grande de diálogo em relação às ações que estão sendo feitas e um planejamento prévio para essas ações, não [vamos] resolver uma situação como esta”

 

Taveira deixa claro que o controle da situação por parte dos estados, das prefeituras e do governo federal não será alcançado apenas com a aplicação de recursos monetários, e, sim, com uma simbiose entre os entes federados, a iniciativa privada, o terceiro setor, para enfrentar e “resolver uma situação como esta”, que vários estudiosos e especialistas já chamam de momento catastrófico ambiental para humanidade.

 

“A validação final, ela é dinamizada por um único sistema que é um sistema federal. E a grande equação disso tudo é como estabelecer que este sistema federal tenha uma rapidez maior”

 

Durante sua participação na audiência no STF, o dirigente amazonense afirmou que mais de 73% dos focos de incêndio no Amazonas ocorrem em “áreas de assentamento” do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e nas demais glebas pertencentes à União. O secretário pontuou que não haverá resolução do problema de queimadas e dos demais crimes ambientais sem a promoção de uma firme política de regularização fundiária pelo governo federal.

 

“Os estados conseguem fazer uma grande parte do trabalho, mas a finalização disto depende do sistema federal”

 

Durante a entrevista, Eduardo Taveira comentou ainda que concorda com a posição do cientista e principal climatologista brasileiro, Carlos Nobre, que nos dias 13 e 14 de setembro, afirmou em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” e em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, de que o número alarmante das queimadas registradas no país com mais de cinco mil focos de incêndio seria apenas uma demonstração do novo momento climático ao qual o Brasil e o planeta já começam a viver.

 

“Sem o CAR, a gente não consegue avançar, por exemplo, para os planos de recuperação de áreas degradadas”

 

Nas suas falas, Carlos Nobre destacou também que, neste atual ritmo de destruição ambiental, “o Pantanal acaba até o ano de 2070, sem falar nos outros biomas”, que também “estão em risco”. “Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da floresta até 2070. Para ter ideia, a Caatinga já avançou 200 mil quilômetros quadrados pelo Cerrado. Há uma região no norte da Bahia que já é tão seca que poderá ter, em futuro próximo, um clima semidesértico”, alarmou Nobre.

 

“O problema é que as políticas públicas, elas não conseguem acompanhar essa velocidade para dar segurança na tomada de decisão”

 

“É óbvio que isso tende a piorar e se a gente não tomar decisões mais rápidas, mais ágeis agora, é possível que a gente vá chegar num momento de quase impossibilidade de atuação em relação a essa crise climática”, frisou Taveira.

 

“A gente tem que ter um papel muito grande e uma política maior para a mitigação e a adaptação dessas mudanças climáticas”

 

ENTREVISTA

 

Essas e mais outras afirmações e declarações constam na íntegra da pequena entrevista que o secretário de Meio Ambiente do Amazonas concedeu com exclusividade ao portal “RDMNews”.

 

“É óbvio que isso tende a piorar e se a gente não tomar decisões mais rápidas, mais ágeis agora, é possível que a gente vá chegar num momento de quase impossibilidade de atuação em relação a essa crise climática”

 

RDMNews: Secretário, qual o balanço que você faz da audiência de conciliação no Supremo dentro da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743 de 2020, que trata sobre as questões de emergências climáticas?

Taveira durante discurso realizado na Conferência das Mudanças Climáticas (COP27), realizada no Egito, em 2022, abordando o tema “aproveitando os mercados de carbono para iniciativas lideradas por indígenas e benefícios locais”. (Foto: Departamento de Estado dos EUA /  Domínio Público)

Eduardo Taveira: Achei ela, primeiro, muito produtiva. É muito importante essa organização para que a gente comece a entender como os estados estão atuando, repartir responsabilidades, mas, acima de tudo, ter uma atuação em conjunto. Isso não envolve, somente, obviamente, as questões do Poder Executivo em si, não é? Seja no nível federal, estadual ou municipal, mas um arranjo de todos do Judiciário, do Legislativo. Porque a agenda do meio ambiente, ainda mais com a questão das mudanças climáticas, ela vai perpassar por várias tomadas de decisão que tem um impacto direto em relação a essas ações e até mesmo esses mecanismos de avaliação da eficiência destas ações. Eu acredito, que ninguém está, de fato, preparado para o tamanho da crise ambiental que a gente está enfrentando e vai enfrentar. Não dá também para você ficar jogando a responsabilidade para um, responsabilidade para outro, se não tomar efetivamente uma ação e ver como o atual ordenamento das tomadas de decisão jurídico, legislativo e executivo podem cooperar para dar segurança numa ação mais urgente de combate a incêndio, deslocamento de equipe e entender que o Brasil é muito diferente e diversos nas suas várias regiões e isso, em si, já é uma complexidade que a gente tem que estar lidando, mas, acima de tudo, desta reunião, em resumo do resultado, é que se a gente não tiver uma capacidade grande de diálogo em relação às ações que estão sendo feitas e um planejamento prévio para essas ações, não é um problema só de dinheiro, que vai ajudar, não [vamos] resolver uma situação como esta.

 

RDMNews: Uma das coisa que ficou latente, inclusive registrado na fala do ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e coordenador de Meio Ambiente do Poder Judiciário, que chamou a atenção para a falta de validação das informações feitas pelos estados, tornando o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) incompleto, sem transparência, sendo chamado por ele até de uma anômala. Como resolver isso já para o ano que vem, 2025, visto que 2024 não dá mais para corrigir esse problema?

Eduardo Taveira recebe o título de cidadão honorário do estado do Amazonas entregue pela Assembleia Legislativa do estado do Amazonas (ALEAM) no dia 10 de outubro de 2022. A honraria pelo parlamento amazonense foi uma iniciativa da deputada estadual Joana Darc (União Brasil). (Foto: Hudson Fonseca / ALEAM)

Eduardo Taveira: Como todos os estados apontaram o problema do CAR não é um problema que está relacionado exclusivamente aos estados. Lembrando que a validação final, ela é dinamizada por um único sistema que é um sistema federal. E a grande equação disso tudo é como estabelecer que este sistema federal tenha uma rapidez maior em relação a dinamização desta análise enviada para os estados. Então, os estados conseguem fazer uma grande parte do trabalho, mas a finalização disto depende do sistema federal. Alguns estados desenvolveram sistemas próprios, outros como Amazonas estão trabalhando 100% com o sistema federal, então, estabelecer um critério e uma prioridade de investimentos de alocação de recursos para que esse sistema seja tão robusto como, por exemplo, é o da Receita Federal para a análise das declarações do Imposto de Renda é um passo importante para que os estados possam aumentar a eficiência e chegar até o final do processo para a análise do CAR, que, inclusive, é o primeiro passo. Sem o CAR, a gente não consegue avançar, por exemplo, para os planos de recuperação de áreas degradadas.

 

RDMNews: O cientista da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Nobre, nosso principal climatologista, afirmou nos dias 13 e 14 de setembro em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” e em artigo publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, que o “mundo pode não ter mais volta” para os níveis do aquecimento global alcançado em julho de 2024 de 1,07 graus celsius. Assim, o planeta já estaria próximo de entrar numa fase de não retorno às medições anteriores a era pré-industrial – século 18. E afirmou, ainda, estar “apavorado” com o avanço do aquecimento do efeito estufa e que “ninguém” no mundo científico “previa isso”. Segundo ele, as mudanças climáticas estão acontecendo de uma forma “muito rápida” e tudo indica que em 2024 deve ser batido mais um recorde de temperatura. Sendo que a medição de julho último que alcançou 1,07 graus celsius remonta um período de 130 mil anos atrás, quando o continente europeu era tão quente que era habitado por hipopótamos. Como você avalia essa fala?

Eduardo Taveira em conversa com a reportagem do portal “RDMNews” durante o último encontro do Consórcio da Amazônia Legal, que aconteceu nos dias 8 e 9 de agosto em Porto Velho (RO). (Foto: Humberto Azevedo / RDMNews)

Eduardo Taveira: É o que a gente está experimentando no dia-a-dia, não é? Obviamente, que a gente consegue apontar e ele também afirma isso, é que esse cenário, eles vão ficar cada vez mais complexos e vão fazer cada vez mais parte entre aspas da normalidade. O problema é que as políticas públicas, elas não conseguem acompanhar essa velocidade para dar segurança na tomada de decisão. A quantidade de recursos disponíveis para essa área não pode ficar apenas na área de combate. A gente tem que ter um papel muito grande e uma política maior para a mitigação e a adaptação dessas mudanças climáticas. Então, como eu falei no início, é óbvio que isso tende a piorar e se a gente não tomar decisões mais rápidas, mais ágeis agora, é possível que a gente vá chegar num momento de quase impossibilidade de atuação em relação a essa crise climática. E eu concordo com ele, além de ser imprevisível na sua escala, apesar de ser previsível que aconteceria, vai demandar muito nossa atuação.

  • Compartilhar:

PUBLICIDADE