Ex-senador pernambucano, Armando Monteiro, durante discurso proferido naquela Casa da Federação no último ano de seu mandato, em 2018. (Foto: Beto Barata / Agência Senado)

ENTREVISTA DA SEMANA – ARMANDO MONTEIRO (PODEMOS-PE)

“Lula III está desafiado a poder reorientar algumas políticas e não promover retrocessos em algumas áreas”, afirma Armando Monteiro

Em entrevista exclusiva ao portal RDMNews, o ex-MDIC de Dilma Rousseff falou, ainda, da importância do país se reindustrializar. Para ele, que também já foi presidente da CNI, a reindustrialização do Brasil só será alcançada com políticas de fomento e um ambiente de negócios mais dinâmico e livre de amarras. Ele comentou também que o sucesso da política monetária é resultado “de uma boa política na área fiscal”.

 

Por Humberto Azevedo

 

O ex-deputado federal, ex-senador da República e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) do segundo governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), Armando Monteiro, afirmou em entrevista exclusiva ao portal RDMNews que o terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “está desafiado a poder reorientar algumas políticas e não promover retrocessos em algumas áreas”.

 

Na oportunidade, o político pernambucano, atualmente filiado ao Podemos, falou, ainda, da importância do país se reindustrializar. Para ele, que também já foi presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a reindustrialização do Brasil só será alcançada com políticas de fomento e um ambiente de negócios mais dinâmico e livre de amarras para as empresas.

 

Ex-deputado por três mandatos (1999 a 2010) e ex-senador da República entre 2011 e 2018, Armando Monteiro pontuou que “é importante dizer que o Brasil no [seu, Produto Interno Bruto] PIB, a participação da indústria já alcançou 32%, 33%”. E que, hoje, infelizmente, “o Brasil vive um processo de desindustrialização”.

O então presidente da CNI, Armando Monteiro, durante discurso realizado em 22 de outubro de 2007, durante o 2º Encontro Nacional da Indústria, que discutiu temas como licenciamento ambiental, políticas e programas de apoio às pequenas e microempresas, entre outros assuntos. (Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil)

Segundo ele, que também teve passagens pelo MDB, “há uma relação direta entre o crescimento [econômico do Brasil] e o desempenho da indústria” e que, portanto, “é fundamental que a gente relance a indústria” no país. E para isso “a reforma tributária é um elemento muito importante para relançar a indústria”.

 

“Esta agenda é uma agenda densa, desafiadora, não é uma agenda de curtíssimo prazo, mas é preciso que se coloque a indústria no centro da própria agenda do país. E que na estratégia de crescimento do país a indústria possa ter um papel central. Esse é o ponto”, observou.

 

BACEN

 

Ex-PSDB, onde começou a carreira política em 1990 e regressou no ano de 2021 após se desligar do PTB, atualmente PRD, Armando Monteiro falou também que “mais importante que discutir nomes” para suceder Roberto Campos Netto na presidência do Banco Central do Brasil (Bacen), é preciso que “o governo tenha claramente uma compreensão que a política monetária precisa ter autonomia, mas não prescinde de uma boa política na área fiscal”.

 

Abaixo, segue a íntegra da entrevista.

 

RDMNews: Como o Sr. está vendo estas iniciativas do governo Lula III em tentar reindustrializar o país? Tanto com a questão do programa Mobilidade Verde e inovação (Mover), como das demais ações implementadas pelo MDIC? O Brasil vai conseguir se reindustrializar?

 

“No que diz respeito a descarbonização o Brasil tem uma vantagem extraordinária”.

 

Armando Monteiro: O Brasil precisa ser reindustrializado. O mundo todo está vivendo um processo em que há um relançamento da indústria. Uma nova geração de políticas industriais no mundo inteiro, inclusive, nos países desenvolvidos. Isso se dá, inclusive, pelo impacto das novas tecnologias decorrentes, por exemplo, [do processo da] descarbonização da indústria, da digitalização dos processos industriais. O Brasil precisa aproveitar as condições de vantagens comparativas que dispõe para relançar a [sua] indústria. E, neste sentido, no que diz respeito a descarbonização o Brasil tem uma vantagem extraordinária. Por isso, eu acho que em boa hora o governo lança uma política industrial cujos principais desafios são poder estabelecer metas factíveis que possam ser efetivamente acompanhadas. E o desafio é também da governança política, a forma como você coordena esta política dentro de diferentes ambientes do governo. Mas a sinalização, as linhas gerais da política, as prioridades que estão anunciadas são todas elas, ao meu ver, bem concebidas.

 

Armando Monteiro durante evento no Palácio do Planalto na gestão da ex-presidenta Dilma Rousseff, da qual foi ministro entre os anos de 2015 e 2016. (Foto: Agência Brasil)

RDMNews: Na última semana foi revelado que o PIB do primeiro trimestre de 2024 alcançou um crescimento de 0,8% muito puxado pela agricultura e pela indústria de serviços, incluindo aí o setor comercial. E a indústria no todo, apesar de bons sinais nos produtos de alto valor agregado, registrou um decréscimo de 0,1%. Assim, esse esforço para reindustrializar o país não vai surtir efeito de um ano para o outro e, sim, provavelmente será sentido na próxima década. Desta forma, qual é a previsão a apresentar números da sua indústria como era até uns 20, 30, 40 anos atrás?

 

“Esses anos em que o Brasil tem vivido um baixo crescimento em grande parte podem ser explicados pela perda de desempenho do setor industrial”.

 

Armando Monteiro: Olha, é importante dizer que o Brasil no PIB do país, a participação da indústria já alcançou 32%, 33%. Hoje, quando nós consideramos o agregado da indústria [com] a indústria de transformação, indústria extrativa mineral e a construção civil, isso alcança 20%. E [quando se apura apenas] a indústria de transformação, [o resultado é] de menos 12%. Portanto, o Brasil vive um processo de desindustrialização em termos relativos. Portanto, é fundamental que a gente relance a indústria. Por que há uma relação direta entre o crescimento [econômico do Brasil] e o desempenho da indústria. Esses anos em que o Brasil tem vivido um baixo crescimento em grande parte podem ser explicados pela perda de desempenho do setor industrial. Mas apoiar a indústria não é algo que depende apenas de política industrial ativa como nós estamos falando. É preciso melhorar o ambiente de operação das empresas. E, neste sentido, a reforma tributária é um elemento muito importante para relançar a indústria. Porquê? Por que hoje a produção nacional tem uma série de desvantagens em relação ao produto importado. Nós precisamos neste sistema tributário novo desonerar as exportações e isso é algo que virá com a reforma, de modo que se possa eliminar resíduos tributários que tiram a competitividade da produção nacional. Então, eu acredito que esta agenda é uma agenda densa, desafiadora, não é uma agenda de curtíssimo prazo, mas é preciso que se coloque a indústria no centro da própria agenda do país. E que na estratégia de crescimento do país a indústria possa ter um papel central. Esse é o ponto!

 

RDMNews: O Sr. já foi deputado federal, senador, ministro do MDIC e o Brasil vem mudando desde os tempos da redemocratização nos anos 80 até nesta segunda década do século 21. Como que o Sr. avalia essa transformação desde o governo Sarney até agora a gestão Lula III?

 

“Nós temos um desafio muito grande ainda em poder fazer com que o nosso país possa se tornar uma sociedade mais dinâmica, mais produtiva. E, neste sentido, é fundamental que a boa política possa prevalecer essa visão de que temos que colocar os interesses gerais do país está acima dos interesses de grupos”.

Armando Monteiro cumprimenta Alfonso Prat-Gay, ex-ministro de Fazenda da Argentina, durante o 49° encontro de cúpula do Mercosul na cidade paraguaia de Assunção, em 21 de dezembro de 2015. (Foto: Casa Rosada / Governo da Argentina)

Armando Monteiro: Olha, eu acho que o Brasil vive a cada tempo novos desafios. Há aspectos que são e que devem ser identificados no Brasil como aspectos positivos. eu acho que o país desenvolveu competências em algumas áreas, nós temos indiscutivelmente um grande sucesso no agronegócio que se deu pela incorporação de tecnologias por esse trabalho fantástico que a Embrapa [Empresa Brasileira de apoio à Pesquisa Agropecuária] pode fazer evidentemente como empresa estatal também, e que teve pelo que representou o seu esforço na área de pesquisa e se transformou em ganhos e transferiu para ganhos extraordinários do setor privado no agro. O Brasil tem alguns nichos na indústria que podem ser apontados como também de alta performance. Mas o Brasil ainda convive infelizmente com alguns problemas estruturais, que até se agravaram ao longo do tempo. Os desníveis socioeconômicos, desequilíbrios inter-regionais, o problema ao meu ver da baixa eficiência ainda do setor público. Portanto, nós temos um desafio muito grande ainda em poder fazer com que o nosso país possa se tornar uma sociedade mais dinâmica, mais produtiva. E, neste sentido, é fundamental que a boa política possa prevalecer essa visão de que temos que colocar os interesses gerais do país está acima dos interesses de grupos, que infelizmente ainda tem a capacidade infelizmente de influenciar nem sempre para o bem o rumo do país.

 

RDMNews: E como avalia esses primeiros 15 meses do governo Lula III?

 

“Sinto que o governo tem uma certa dificuldade de compreender a natureza das mudanças que ocorreram no ambiente econômico”.

 

Armando Monteiro: Eu percebo que, evidentemente, o presidente tem e sempre teve uma preocupação com as políticas sociais etc. Mas sinto que o governo tem uma certa dificuldade de compreender a natureza das mudanças que ocorreram no ambiente econômico. E, portanto, eu identifico a falta de uma agenda renovada. Eu acho que o governo tem uma tendência em querer reeditar políticas [públicas], que podem ter tido importâncias num outro contexto, mas que agora já não podem dar respostas que o governo imagina. Portanto, eu creio que o governo está desafiado a poder reorientar algumas políticas e não promover retrocessos em algumas áreas.

 

RDMNews: Que retrocessos seriam esses?

 

“O Brasil tem taxas de juros altas porque convive com o desequilíbrio fiscal crônico. Então, é preciso ter também uma visão na macroeconomia, eu diria mais equilibrada”.

 

Armando Monteiro: Eu acho que a visão do exemplo de que a economia em que você deve gastar e [que] gastar mais é sempre melhor. A falta de compreensão de que a política monetária exige para que você [possa] flexibilizar a política monetária, você precisa ter uma política fiscal que ajude a política monetária. Hoje o Brasil tem taxas de juros altas porque convive com o desequilíbrio fiscal crônico. Então, é preciso ter também uma visão na macroeconomia, eu diria mais equilibrada.

 

RDMNews: Com relação a esse tema que diz respeito à condução da política monetária e a condução da política fiscal, o ex-presidente do Banco Central no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que inclusive declarou a importância de votar em Lula no ano de 2022 contra o ex-presidente Bolsonaro para salvar o país do ponto de vista da civilidade e da democracia, vem fazendo diversas críticas atual condução da política fiscal da gestão Lula III e que se chamado a ajudar, gostaria ele de voltar ao comando do Banco Central. Num momento em que o atual diretor de política monetária do Bacen, André Galípolo, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, é tido como o mais cotado para assumir a condução do Bacen a partir de 2025. Como o Sr. avalia esse cenário?

 

“Mais importante que discutir nomes, é que o governo tenha claramente uma compreensão que a política monetária precisa ter autonomia, mas não prescinde de uma boa política na área fiscal”.

Armando Monteiro em debate promovido pela CNI no ano de 2021 em parceria com o site DataPoder360º. (Foto: DataPoder360º)

Armando Monteiro: Olha, eu acho que mais importante que discutir nomes e o Brasil tem quadros técnicos muito qualificados e Armínio Fraga é sem dúvida nenhuma um grande quadro, eu acho que mais importante que discutir nomes, é que o governo tenha claramente uma compreensão que a política monetária precisa ter autonomia, mas não prescinde de uma boa política na área fiscal. Se não houver uma coordenação da política fiscal para com a política monetária, qualquer que seja o presidente do Banco Central terá dificuldades. Portanto, para que o Brasil alcance uma situação macroeconômica mais equilibrada, com taxas de juros  mais baixas, é necessário que tenhamos uma política e uma gestão na área fiscal mais equilibrada e que não tenha que como se parece essa visão de que temos que gastar mais às custa de um desequilíbrio que se reflete já em quase dez anos de déficits primários, o que vem contribuindo para ampliar e agravar o problema da dívida pública no Brasil.

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