BC conduz economia por meio da abstração matemática que age no exterior da realidade sem poder determiná-la para combater aumento do emprego e barrar governo Lula
Por César Fonseca
O ideal do Banco Central Independente (BCI) não é combater o desemprego e, consequentemente, recessão, mas o emprego e o desenvolvimento, jogando-o para baixo, elevando a taxa de juros em nome do falso combate à inflação, porque seu objetivo fundamental é garantir a lucratividade financeira dos credores da dívida pública.
Nesse sentido, Campos Neto, presidente do BC, introduz, no cenário econômico nacional, nova teoria neoliberal, essencialmente, antidesenvolvimentista.
O que garante tal estratégia é o fato de que o poder econômico está no Banco Central, não na Fazenda; o titular desse poder é Campos Neto, não Fernando Haddad.
Teoricamente, tal poder decorre da evidência de que é o BCI que detém o comando da única variável econômica verdadeiramente independente no capitalismo, que é a oferta da quantidade de moeda na circulação capitalista.
Por isso, a economista Maria Conceição Tavares, que faleceu semana passada, aos 94 anos, disse, no programa de Jô Soares, que sua pretensão era ser presidente do Banco Central para fazer política social desenvolvimentista com distribuição de renda e combate à concentração de renda.
Conceição destacou que jamais lhe interessaria ser ministra da Fazenda ou de qualquer outro ministério, salvo como integrante do Conselho Monetário Nacional(CMN). No CMN, ressaltou, é fixada a taxa de juros, pelo tripé Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e BC, que se encarrega, institucionalmente, de administrá-la.
Autônomo, o BC Independente (BCI) subordina-se, na prática, não ao governo eleito, constitucionalmente, mas ao mercado financeiro, à Faria Lima, que dita, por meio de pesquisa de opinião Focus, semanalmente, o patamar do custo do dinheiro; para tanto mantém oferta escassa de dinheiro na circulação, para que o custo dele seja alto, expresso nos juros elevados, que mantém alta a lucratividade dos credores da dívida pública, na base da especulação.
NOVA TEORIA NEOLIBERAL
A variável independente, por sua vez, é ancorada, politicamente, pelo Congresso semiparlamentarista inconstitucional, que bloqueia, sob orientação neoliberal, desde o golpe de 2016, que derrubou a presidenta Dilma, o presidencialismo de coalizão constitucional.
A força política do presidente do BCI, por sua vez, é garantida pelo mercado financeiro, que, agora, teoriza, com base em modelo matemático neoliberal, que o limite ideal, estável, do desemprego é de 8% da população economicamente ativa(PEA); se tal limite é derrubado pelo desenvolvimento sustentável, como concebe o presidente Lula, por meio de valorização do salário mínimo que se espraia geral nas cadeias produtivas, elevando poder de compra da população, melhor distribuindo a renda, a economia, conforme essa nova teoria neoliberal, dada por modelo econométrico, tem que desacelerar por meio de aumento da taxa de juros.
Para a economista Juliane Furno, autora de “Economia para transformação social” e “Imperialismo”(Livraria Da Vinci), assessora da presidência do BNDES, trata-se de camisa de força neoliberal destituída de argumentos científicos, comprobatórios, determinados pela matemática, ciência que se realiza no exterior da realidade objetiva, sem condições, portanto, de determiná-la, visto ser, apenas, abstração idealista.
A variável econômica independente no capitalismo brasileiro, dessa forma, não pode mais cumprir o mandamento keynesiano pró-desenvolvimento por meio do aumento da oferta da quantidade de moeda na circulação para produzir, simultaneamente, quatro fatores contingentes, interligados e simultâneos: 1 – reduzir os juros; 2 – aumentar, relativamente, os preços; 3 – diminuir, relativamente, os salários e 4 – perdoar dívida contratada a prazo, de modo a elevar o que Keynes denominou de “eficiência marginal do capital”, isto, o lucro.
FINANCEIRIZAÇÃO ESPECULATIVA ATROPELA LULA
Na financeirização econômica generalizada que comanda o Banco Central Independente, sob Campos Neto, a variável econômica independente não pode mais ser aumentada para reduzir os juros, para favorecer o capitalismo produtivo, porque inviabiliza o capitalismo jurista especulativo, onde se dá a sobre acumulação de capital.
Nesse sentido, a teoria neoliberal de que a inflação é fenômeno monetário que decorre do excesso de moeda em circulação a requerer juro elevado para combatê-la entra em contradição consigo mesma, porque o juro alto passa a ser maior fator inflacionário; o BC deixa de ser guardião da moeda para transformar-se no seu algoz.
A tese neoliberal tradicional de que inflação é fenômeno monetário perdeu sentido prático, como destaca o economista André Lara Resende, depois do crash de 2008, quando ocorreu estouro financeiro do endividamento público americano e a corrida aos bancos, detonou o Lehman Brothers.
A reação do BC americano criou outro paradigma monetário: quadruplicou a oferta monetária para a taxa de juros ir a zero ou negativa, enquanto, ao mesmo tempo, estabilizou dívida pública: o resultado desse movimento não foi hiperinflação, mas deflação; a economia mundial, manipulada pela autoridade monetária imperialista americana, salvou-se da bancarrota, desmentindo a tese neoliberal.
NÃO VALE PARA PERIFERIA CAPITALISTA
Essa receita de política monetária praticada pelos governos dos países capitalistas cêntricos não vale, porém, para a periferia capitalista dependente, como o Brasil, que continuou prisioneiro do tripé econômico neoliberal: metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit primário, cuja eficiência, na prática, foi detonada pela financeirização especulativa oligopolizada.
O presidente Lula, em seu terceiro mandato, vive, portanto, sob o tacão de ferro da tirania da financeirização que Campos Neto, no BC, comanda, produzindo, agora, a nova teoria neoliberal segundo a qual o país não pode combater mais o desemprego além de 8% da população economicamente ativa(PEA).
O titular do BC disse, na Assembleia Legislativa de São Paulo, onde foi homenageado, que é preciso combater o emprego que desenvolvimentismo lulista produz; ele usa como arma a econometria abstrata para dizer que a estratégia do governo Lula é inflacionária, o que requer juros crescentemente elevados.
Campos Neto, nesse momento, se orienta não pela realidade nacional, mas pelos prognósticos do Banco Central dos Estados Unidos, o FED, que projeta aumentar os juros, porque o desemprego americano está caindo graças ao aumento da oferta de moeda na circulação capitalista americana.
O desemprego baixo é o inimigo da capitalização financeira especulativa neoliberal que não sobrevive sem juro especulativo.
Em outras palavras, Lula está na armadilha da financeirização neoliberal.