Avanço de monoculturas coloca Pampa em risco

As extensas áreas de campos nativos a perder de vista já não são tão visíveis no Rio Grande do Sul, único estado onde se registra a presença do Pampa. A vegetação herbácea de não mais do que um metro de altura é a principal representação fisionômica desse rico bioma, que assim como o Cerrado, está sucumbindo ao rápido avanço da monocultura de grãos, como soja, e espécies arbóreas, como eucaliptos. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demonstram que 58,6% dos 176,5 mil quilômetros quadrados que o bioma ocupa em terra brasileira já foram descaracterizados, convertidos para outra destinação.

Segundo menor bioma em extensão — maior apenas que o Pantanal —, o Pampa acumula também a segunda posição na maior perda de vegetação nativa entre os ecossistemas, atrás apenas da Mata Atlântica que já não tem mais 71% da sua originalidade. E é olhando criteriosamente para baixo que se desvenda uma biodiversidade ímpar, por muitos inimaginável, recém-calculada por pesquisadores em um universo aproximado de 12,5 mil espécies que congregam fauna, flora e fungos. Toda essa riqueza, que pode ser celebrada anualmente, em 17 de dezembro, Dia do Pampa, carece de ações protetivas do Estado, já que o bioma é apontado, por especialistas, como um dos menos protegidos.

Também presente na Argentina e no Uruguai, o Pampa, que toma quase 70% da área do Rio Grande do Sul (cerca de 30% são de Mata Atlântica), é o tema da terceira edição da série Biomas, da Agência Senado, que já trouxe em reportagens anteriores as realidades enfrentadas pela Amazônia e pelo Pantanal.

Nessa linha de preocupação com o Pampa, tramita no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2023 que declara todos os biomas brasileiros — explicitamente nominados — como patrimônio nacional, de forma que sua utilização e a exploração de seus recursos naturais devem ocorrer dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente. Até agora, a regra constitucional abriga apenas como patrimônios a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-Grossense, além da Serra do Mar e da Zona Costeira.

A proposta foi reapresentada este ano pelo senador Paulo Paim (PT-RS), seu primeiro signatário, após não ter sido votada na legislatura passada. Para o parlamentar, “infelizmente, a questão do meio ambiente ainda não é vista com a importância necessária”.

— Cabe a nós que temos um entendimento sobre o tema, fazer o bom debate, diálogo, argumentações — expõe o senador.

Para Paim, tornar todos os biomas brasileiros patrimônios nacionais é “fundamental para garantir a proteção desses ecossistemas, promover o desenvolvimento sustentável e reconhecer a importância da biodiversidade”.

— Isso contribui para um país mais consciente e responsável em relação ao meio ambiente e ao seu patrimônio natural — afirma.

O senador Paim destaca ainda que a Coalizão pelo Pampa, formada por 19 associações e grupos de atuação socioambiental do Rio Grande do Sul, aponta dez diretrizes e ações para o uso sustentável e conservação do bioma, entre elas o cumprimento e a regulamentação da legislação ambiental vigente, valorização das cadeias produtivas sustentáveis, planejamento da ocupação e uso do solo, adoção de ações de fiscalização.

— Temos uma legislação ambiental muito eficiente, mas precisamos fortalecer a fiscalização ambiental no Brasil — defende Paim.

Já para o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), acrescer o regramento ambiental já existente, tanto na legislação federal, quanto da estadual, não contribuirá para aumentar a proteção ao bioma.

— Se a PEC for aprovada, o único resultado será a geração de dificuldades produtivas, além das que normalmente os produtores já enfrentam. Há mais de 300 anos, os colonizadores do bioma Pampa já se preocupavam em proteger nascentes, mata nativa e espécies naturais, ou seja, mesmo antes das legislações já havia tal preocupação, mesmo que empírica — disse Mourão.

A seu ver, “é equivocado afirmar que o avanço das monoculturas é o fator responsável pela maior parte da conversão do bioma” e que se houver necessidade de ajuste na legislação, tal medida deve ocorrer somente no âmbito do estado.

— Os gaúchos, há gerações, conhecem a exploração antrópica e sempre preservaram o Pampa. Hoje, os 20% de campos nativos são protegidos e mantém a fisionomia do bioma, ratificando a inexistência de necessidade de mudanças.

Também do Rio Grande do Sul, o senador Luis Carlos Heinze (PP) afirma que o produtor rural não é “inimigo do meio ambiente” e que é preciso lembrar que “o Brasil é um dos países com maior mata preservada”, a partir de legislações ambientais rígidas.

— O bioma Pampa representa apenas 2% do todo [nacional]. Trata-se de área, tradicionalmente, de pastagem que exige um trabalho específico que permita o equilíbrio. A atividade agrícola depende diretamente de recursos naturais como solo, água e biodiversidade. Portanto, a proteção ambiental não é apenas uma questão ética ou de conformidade legal para os produtores rurais, mas uma parte integral da estratégia para garantir a sustentabilidade e a rentabilidade das atividades — disse Heinze.

Práticas como o manejo rotacional de pastagens e a integração lavoura-pecuária podem aumentar a produtividade ao mesmo tempo que conservam os recursos naturais, segundo o senador.

O Pampa detém singularidades ambientais típicas dos campos subtropicais. A flora é uma vegetação dominantemente campestre, ou seja, com poucas plantas lenhosas, arbustos e árvores. As gramíneas é que dão a característica fisionômica da paisagem.

Pesquisador e professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Heinrich Hasenack explica que as plantas herbáceas dos campos sulinos têm seus extratos.

— Mas dependendo das regiões do Pampa, a gente tem uma composição com inúmeras outras famílias de plantas que dão uma característica diferente para esse campo. Embora predominem as gramíneas, nós temos outras famílias presentes que a gente chama de ervas. São aquilo que a gente denomina de flores do campo, na época da primavera principalmente temos uma grande florada de espécies, uma mais bonita que a outra, embora efêmeras — explica o professor.

Em apenas um metro quadrado, os pesquisadores já conseguiram registrar a presença de 50 espécies, o que indica uma alta diversidade na vegetação campestre. Mas além dos vastos campos, o bioma também apresenta áreas, em menores proporções, com vegetação arbóreas e até pantanosas.

— Claro que a gente tem que considerar que nós estamos numa região mais distante do Equador, onde a radiação solar é menor. Mas para a latitude que a gente se encontra, é uma riqueza muito grande — completa o professor da UFRGS.

A região é afetada pela sazonalidade bem definida dos períodos de verão e de inverno, assim como pela ocorrência dos fenômenos El Niño e La Niña. Depois de enfrentar praticamente três anos de severa estiagem,  a região do Pampa vive agora sequenciais chuvas torrenciais.

As características dos campos nativos do Sul o tornam altamente propício à criação de pecuária a pasto — em 2022, o estado do Rio Grande do Sul tinha 11,9 milhões de cabeças de gado, a 8ª posição no Brasil, de acordo com o IBGE. A partir de um manejo bem executado, o gado não precisa de suplementação além do sal mineral. É o que os pesquisadores chamam de vocação natural do bioma.

— Essa vegetação campestre é uma dieta completa para o gado. E nós estamos aqui removendo a ‘nossa Floresta Amazônica’, esse campo extremamente rico, por monoculturas. Esse é o grande desafio de conservação porque nós temos inúmeros tipos de campo. O bioma é pequeno e além de pequeno ele tem paisagens diferentes. E cada paisagem tem limitações ao uso, que deveriam ser respeitadas — afirma o professor Hasenack.

Há uma grande preocupação com o avanço dos cultivos anuais sobre áreas que não são tradicionalmente aptas para as monoculturas. Segundo Hasenack, destrói-se a vegetação nativa para avançar em áreas que vão produzir cada vez menos. Será preciso investir em insumos, em correção do solo, em fertilização, enquanto se deveria usar outras estratégias.

O professor aposta na pecuária nativa como a melhor opção para a preservação do bioma.

— É claro que a gente faz pecuária extensiva há 200 anos ou mais, mas hoje se tem técnicas mais refinadas de como manejar o campo e como selecionar o gado para ter bons retornos financeiros. E, infelizmente, talvez o gargalo esteja em como transferir esse conhecimento para o produtor.

O professor e pesquisador do Departamento de Botânica da UFRGS Gerhard Overbeck também vê na pecuária a proposta mais assertiva para a conservação do Pampa.

— É uma situação na verdade muito privilegiada, só que isso não está sendo reconhecido suficientemente nas políticas públicas — afirma Overbeck.

Proveniente de gerações de pecuaristas, Vera Colares cria cerca de 300 cabeças de gado e outras centenas de animais, entre ovinos, caprinos e de consumo doméstico, no distrito de Palmas, a 70 quilômetros de Bagé. Lá, os campos nativos alimentam os bichos, que só recebem suplementação no inverno.

— O campo nativo tem a possibilidade de se adaptar a todas as situações, de estiagem às enchentes, a recuperação dele é impressionante. A natureza dá tudo de graça, dá o pasto, mas às vezes os humanos querem destruir tudo e aí ficam escravos de comprar sementes e outras coisas, além de ficarem com uma só espécie — enfatiza a pecuarista.

Vera afirma que o campo nativo e os animais “já se entendem”, ou seja, são adaptados um ao outro, o que reduz as chances de o rebanho adoecer, por exemplo.

— Tem coisa melhor, digamos assim, do que tu poderes largar os animais naquilo que ele foi programado para comer? — questiona a pecuarista. Ela destaca ainda o bem-estar dos rebanhos, assim como a sadia e harmoniosa convivência com os animais silvestres que também desfrutam de suas terras.

A pecuarista relata que moradores de 28 municípios da região já se uniram para não permitir a instalação no local de mineradora para extração de chumbo, que receberia incentivos governamentais para ali funcionar.

— Enquanto que a população, que preserva seus recursos hídricos, nascentes e não desmata ‘não recebe qualquer centavo como contrapartida governamental’.

Da mesma forma, os produtores da região são constantemente instados a se preocupar com a possibilidade de instalação de hidrelétricas e barragens, diz a pecuarista.

— Porque a gente preserva, porque a gente não produz exacerbadamente, porque a gente não arranca todas as árvores pra produzir, dizem que a gente é atrasado, que a gente é subdesenvolvido — expõe.

Para a pecuarista, uma das melhores formas de preservar o bioma é bem formar e manter os jovens na área rural, a partir de políticas públicas de apoio.

— Precisamos enfatizar que se a gente quer que os biomas que se mantenham, a gente tem que investir na juventude. Fazer políticas públicas, mas que eles, de fato, consigam acessar.

Levantamento que vem sendo feito desde 1985 pela rede colaborativa MapBiomas apontou que o Pampa Sul-Americano (nordeste da Argentina, sul do Brasil e Uruguai) perdeu pelo menos 20% da vegetação campestre até 2022. “As áreas de agricultura e silvicultura aumentaram 15% no período, o que representou um aumento de 8,9 milhões de hectares. Considerada a base para a produção animal, a vegetação campestre nativa foi reduzida de 44 milhões de hectares em 1985 para 35 milhões de hectares em 2022, conforme o mapeamento.

Só no Rio Grande do Sul, antes do início do mapeamento, o Pampa já tinha um terço de sua área convertida e, de lá para cá, mais um terço se foi. Chegou-se ao ponto de hoje haver menos vegetação herbácea nativa do que cultivos agrícolas.

O Pampa sempre teve o cultivo de arroz como tradicional na região, mas nos últimos 36 anos, houve um avanço muito forte da soja, que já está presente até mesmo em locais que não são os mais aptos para o plantio. Hasenack, que também é coordenador do mapeamento do Pampa no MapBiomas, afirma que a o grão está entrando inclusive em ambientes mais úmidos do que naturalmente tolera, o que provocou uma transformação muito grande.

Outro problema que observam, diz o professor, é a prática de arrendamento de fazendas que deixam de criar gado para plantar soja.

— Ao serem arrendadas, eles  normalmente deixam de ter o cuidado tão grande quanto se a terra fosse do próprio dono. E também há o interesse econômico: em períodos em que a soja tem um preço bom no mercado, o pessoal remove uma porção de campo, planta soja. Três, quatro anos depois o preço cai e eles abandonam a área. Então, esse é um problema muito sério porque isso dá chance para espécies invasoras agressivas invadirem esse campo e com isso não haver a renovação tão rápida do campo nativo — diz o professor Hasenack.

Por isso, a aposta para a preservação é a retomada de uma boa extensão rural, porque o grosso da conservação, acreditam os especialistas, vai ser feito nas propriedades rurais.

— O Pampa tem menos de 2% de unidades de conservação e não há unidades de conservação para todas as regiões diferentes de campo. Então não é por aí que a gente vai resolver. São importantes para conservar as regiões onde elas estão, mas o produtor deveria conservar. Ao conservar a terra dele, manejando adequadamente, ele vai ser o ator da conservação — continua Hasenack.

É o que ratifica o pesquisador Gerhard Overbeck:

— O Pampa tem sido apontado como o bioma mais ameaçado do país, se a gente levar em consideração essa taxa de perda de vegetação nativa e o fato que a porcentagem de áreas protegidas, de unidades de conservação, é muito baixa. Então, esse é um problema ambiental sério que está sendo reconhecido.

Overbeck chama atenção para o fato de as transformações sofridas pelo bioma, pela conversão de sua vegetação nativa, poderem inclusive modificar os ciclos hidrológicos, impactando também o estoque de carbono no solo, onde ele está mais estável do que na vegetação da superfície, segundo o professor. Ele observa que, com o manejo pastoril adequado e produtivo, pode se conseguir aumentar a taxa de sequestro de carbono, contribuindo para a mitigação de mudanças climáticas.

— O Pampa não é um bioma que as pessoas, de forma geral, associam como uma alta biodiversidade, associam como serviços ecossistêmicos. Só que essa é uma versão equivocada. Fizemos um estudo, publicado no início deste ano, que foi uma compilação de dados de biodiversidade do bioma Pampa como um todo. E a gente encontrou um total de 12,5 mil espécies (fauna, flora e fungos) registrados até hoje. Isso numa área de 2,3% do território nacional representaria uma biodiversidade de 9% do total nacional. Então, a contribuição para a biodiversidade é muito alta — expõe Overbeck.

Apesar desse número significativo, a homogeneização da vegetação nativa tem contribuído para a perda de biodiversidade. É o caso, por exemplo, do Planalto Médio, onde há regiões dos campos de “barba de bode”, gramínea muito típica, que agora está ameaçada. A agricultura só não tem avançado, segundo Overbeck, onde o relevo é muito movimentado, onde solos são muito rasos ou com afloramentos rochosos.

— Mas mesmo essas áreas, esses remanescentes que permanecem são impactados pelas mudanças da paisagem em volta — diz.

Para o professor Hasenack, há uma falha já na educação, quando se aprende nas escolas que se deve cuidar bem das árvores, mas não há qualquer instinto de proteção de gramíneas.

— Grama, ah, isso dá para destruir porque eu planto de novo, né? Não. A gente só tem esse bioma com essas características no Brasil. Então, se a gente não guardar um pouquinho de cada um dos biomas, nós vamos estar perdendo a biodiversidade.

Conforme levantamento oficial do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (braço do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima responsável pelo registro nacional) há cerca de 3,2 mil espécies de flora e funga (fungos) catalogadas no bioma, dos quais 413 são endêmicas (só ocorrem na região).

O avanço de monoculturas, como a da soja, preocupa pesquisadores, que veem o bioma em risco Gustavo Gargioni/Palácio Piratini e Arquivo pessoal

Predominantemente de pequeno porte, a fauna no Pampa tem que ser olhada, em sua maior parte, na direção das gramíneas.

— À primeira vista, a impressão é que o Pampa é pobre de espécies, porque a gente não vê grandes animais. Mas é muito grande a diversidade, [sendo que] a maioria desses animais é pequena e está ligada ao ambiente campestre, o que quer dizer que a maior parte dessa fauna do bioma não consegue viver em outros ambientes — afirma o pesquisador do Museu de Ciências Naturais, da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Glayson Bencke.

Só de peixes há mais de 330 espécies, dos quais uma em cada três são exclusivas do Pampa. Caso pitoresco é o dos pequenos peixes-anuais, assim chamados por viverem em poças de água temporária no meio do campo, principalmente em regiões de várzeas. São poças que inundam na época das chuvas, no inverno, e secam no final da primavera e verão.

— Todos os indivíduos adultos morrem na vazante, na poça seca, mas na verdade os peixes estão lá em forma de ovos, enterrados em lodo seco, que eclodem quando voltam as chuvas e formam toda uma nova geração de peixes adultos.

São fenômenos interessantíssimos de interações ecológicas que podem ser simplesmente destruídas, segundo Bencke, quando se passa o arado, se planta soja onde antes havia campo natural. 60% desses peixes, não por acaso, estão no topo da lista das espécies ameaçadas de extinção.

De acordo com o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), das 1.622 espécies avaliadas (todos os vertebrados e alguns invertebrados), 78 estão em categorias de ameaça.

São 15 as espécies na categoria criticamente em perigo, caso do peixe-anual, albatroz-errante, cardeal-amarelo. Outras 23 estão em perigo, como iguaninha-azul, maçarico-rasteirinho e o maçarico-de-costas-brancas e 40 estão em situação vulnerável, entre eles o macaco bugio, o papagaio-de-peito-roxo, o lobo-guará, o tamanduá-bandeira, o gavião-cinza, o gato-azul e o gato-do-mato e veado-campeiro.

Das 120 espécies de mamíferos do Pampa, algumas que ocorrem em outros biomas, como o lobo-guará, o veado-campeiro e o tamanduá-bandeira, estão se tornando figuras difíceis de serem avistadas.

— Eles eram muito típicos do Pampa. Infelizmente, o lobo-guará está quase extinto por aqui, quando se documenta algum por foto, se comemora. O veado- campeiro, que havia em abundância no passado, e se escondia nas moitas de gramíneas, está cada vez mais escasso. Outra espécie, que considero um símbolo, o gato-palheiro (gato selvagem nativo), que vive na palha nos campos, está bastante ameaçado: sofre com atropelamento e com a perda de ambiente pela conversão do campo — expõe Bencke.

O Pampa abarca um universo de 565 espécies de aves que habitam áreas florestais, úmidas e de campo nativo. Há espécies, como os caboclinhos, que se alimentam exclusivamente das sementes minúsculas de capins nativos. As porções secas dessas gramíneas viram material para construção de seus ninhos.

O bioma é ainda pouso certo para variadas espécies migratórias, muitas das quais são costeiras.

— Regiões importantíssimas em termos continentais para a concentração de aves migratórias, como o Parque Nacional da Lagoa do Peixe ou mesmo a costa do Rio Verde do Sul, que tem praias, extensas, abertas, estão no Pampa — diz o pesquisador Glayson Bencke.

Uma das aves migratórias é maçarico-do-campo, que se reproduz nas pradarias da América do Norte e, quando é inverno no Estados Unidos e Canadá, migra para Pampa Sul-Americano, em surpreendente caminho de até 23 mil quilômetros de ida e volta a cada ano. Já o maçarico-acanelado, que se reproduz principalmente no Alasca e no Canadá, chega a percorrer 33 mil quilômetros nas suas migrações anuais para os campos litorâneos sulinos.

Mas há migrações entre os biomas brasileiros também, como as aves aquáticas que se deslocam entre o Pampa e o Pantanal, entre elas o cabeça-seca, o colhereiro, o gavião-caramujeiro e o pato-de-crista.

— Então, nós estamos falando de espécies que simplesmente conectam ecologicamente regiões nas suas migrações anuais. A gente tem acompanhado e monitorado algumas dessas espécies, à medida que elas perdem o seu ambiente, os campos naturais, elas acabam se concentrando em áreas cada vez menores. O risco é porque essas áreas não são sempre iguais todos os anos —diz.

Pesquisador em ecologia de invertebrados, especialmente drosofilídeos (popular mosca da fruta), o professor da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) Jean Poppe averiguou como esses organismos se comportam no Pampa nativo e no que já foi convertido.

— O que nós percebemos é uma grande perda de biodiversidade quando o campo nativo é convertido em pastagem, é convertido em lavoura de soja, milho, trigo, e quando as matas são fragmentadas.

Alguns drosofilídeos se alimentam de fungos que crescem na matéria orgânica em decomposição e acabam, de certa forma, ajudando no equilíbrio do ecossistema, assim como podem atuar na polinização.

— Se eu converter o campo, eu perco uma biodiversidade específica que tem preferência pelo campo e só usa a mata como um refúgio temporário. Se eu fragmentar muito a mata, nós já temos indícios de uma perda de 30%, 40%, 50% da biodiversidade desses insetos.

Um ecossistema em desequilíbrio abre espaço para espécies exóticas (introduzidas) se estabelecerem, destaca Poppe, causando prejuízos econômicos e a outras espécies.

Além da conversão, as alterações climáticas também trazem resultados negativos. Ao participar de projeto desenvolvido em parceria para a implantação de sistemas rurais sustentáveis em uma região do Rio Grande do Sul, o pesquisador percebeu a dificuldade em se conseguir abelhas durante a procura e coleta de enxames, que seriam destinados à multiplicação e à disponibilização de colmeias para a agricultura familiar.

— Em 10% dos locais [onde foram instaladas as colmeias], a gente conseguiu manter os enxames. Pelo menos 50% se perdeu por conta de fatores climáticos — relata Poppe.

Música Pampa na Garupa, do grupo Os Farrapos: referências ao universo e cultura do Pampa

Fonte: Agência Senado

  • Compartilhar:

PUBLICIDADE