Será que precisamos de um novo regime de regularização cambial e tributária?
Recentemente, foi manchete nos jornais a notícia de que o Ministério da Fazenda teria entregado ao Senador Renan Calheiros uma proposta para a reabertura do regime especial de regularização cambial e tributária. A estimativa é que a reabertura do programa possa arrecadar aproximadamente R$ 1,6 bilhões. Seria a terceiro regime em menos de 8 anos.
O regime especial de regularização cambial e tributária, conhecido como “RERCT”, foi adotado pela primeira vez em 2016. Introduzido pela Lei No. 13.254/2016, o regime visava estimular os residentes brasileiros com ativos não declarados no exterior a repatriá-los, injetando recursos na economia e gerando ingresso de receitas para o país em um contexto de déficit fiscal.
A possibilidade de regularização de ativos não declarados se inseria em um contexto de transição com a expectativa de maior troca de informações entre os países, notadamente após a implementação do FATCA e da Common Reporting Standard (CRS). Anistias semelhantes haviam sido implementadas de forma exitosa em outros países como Argentina, Itália e Turquia.
Os residentes ou domiciliados no Brasil que possuíssem ativos no exterior (recursos, bens ou direitos) não declarados, ou declarados incorretamente, poderiam regularizá-los desde que esses ativos não tivessem origem ilícita. Para tanto, deveriam declará-los e pagar imposto de 15%, a título de ganho de capital, acrescido de multa de 100% do valor do imposto.
Além da redução do imposto – que poderia chegar a 27,5% para pessoa física e 34% para pessoa jurídica – e da multa – de até a 225% na hipótese de dolo ou fraude agravada pela não cooperação do contribuinte, os optantes teriam a extinção da punibilidade em relação a eventuais crimes como evasão de divisas, lavagem de dinheiro e crimes contra a ordem tributária.
O programa original arrecadou aproximadamente R$ 46,8 bilhões. Por conta de seu êxito – e possível lobby de contribuintes que perderam a oportunidade de regularização de ativos não declarados no exterior com desconto – o governo considerou a possibilidade de reabertura do regime, o que, de fato, veio a ocorrer no ano seguinte com a Lei No. 13.428/2017.
A reabertura da Lei No. 13.428/2017 conteve basicamente as mesmas condições do programa original, com algumas exceções. Por exemplo, a taxa de câmbio para conversão dos ativos era maior. Além disso, apesar do imposto permanecer 15%, a multa passou a ser de 135%. A reabertura arrecadou apenas R$ 1,6 bilhões, bem menos do que o esperado.
Recentemente, passou-se a discutir uma nova reabertura do regime especial de regularização cambial e tributária. Proposta pelo Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o PL No. 798/2021 contém condições menos vantajosas do que os regimes anteriores. Por exemplo, o contribuinte que aderir terá que pagar 15% de imposto, mais 167% do valor do imposto a título de multa.
O Ministério da Fazenda calcula que a nova proposta pode arrecadar aproximadamente R$ 1,6 bilhões, o mesmo valor arrecadado com a reabertura do RERCT em 2017. Mas esse valor é apenas uma estimativa, na medida em que é muito difícil antecipar o número de contribuintes que irão aderir a esses programas.
A proposta está atualmente em discussão na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, sob a relatoria do Senador Renan Calheiros, onde deverá ser votada em caráter terminativo. Se aprovada, ainda precisará passar pela Câmara dos Deputados e, posteriormente, sancionada pelo Presidente da República.
A reabertura do regime especial de regularização cambial e tributária irá gerar uma arrecadação adicional. Apesar do valor estimado de arrecadação não ser tão relevante, certamente é um alento para o governo em um contexto de déficit orçamentária. No entanto, é importante que o Congresso e o governo avaliem outros aspectos que não apenas a arrecadação imediata.
Um deles é a justiça fiscal. É justo estabelecer um tributo menor ou condições mais benéficas para aqueles que não declararam seus ativos no exterior no momento adequado? Não fora isso, a experiência demonstra que esses programas são exitosos quando editados pontualmente, normalmente, em momentos de transição para um novo regime, o que não é o caso.
A reabertura reiterada do RERCT pode também impactar negativamente a arrecadação futura, na medida em que os contribuintes passam a deixar de cumprir com suas obrigações na expectativa de um novo programa com condições favoráveis. A desastrosa experiência com os inúmeros “REFIS” nos últimos 23 anos é um bom exemplo disso.
Há, ainda, que se computar os custos de administração de um novo programa. E aqui me refiro não à renúncia de receitas decorrente da redução do imposto e multa. Toda anistia fiscal possui um custo intrínseco para sua administração. É necessário criar programas específicos, dedicar servidores da administração para fiscalizar o cumprimento das suas condições etc.
Outro aspecto preocupante é que a proposta de reabertura do RERCT permite a participação de políticos e seus familiares no programa. Os programas anteriores possuíam uma vedação expressa para que detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, bem assim cônjuges e parentes participassem do programa. A proposta em discussão, não.
Enfim, considerando todos os potenciais reflexos negativos inerentes aos programas de anistia fiscal, não me parece que precisamos de um novo RERCT, sob pena de incorrermos no mesmo erro dos vários “REFIS”. Eventual reabertura do RERCT não interessa à sociedade, mas apenas a alguns políticos e àqueles poucos que perderam os programas anteriores.
Phelippe Toledo Pires de Oliveira é Procurador da Fazenda Nacional, mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do IBMEC-Brasília.