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Roberto Rodrigues avalia que a principal questão é saber se os anúncios e promessas de Trump vão de fato alterar a atual correlação de forças da geopolítica comercial. (Foto: Divulgação / Reprodução)

“Seria interessante que houvesse reciprocidade também na tarifa do açúcar para os EUA”, sugere ex-ministro da Agricultura dos governos Lula I e II

Em entrevista ao Estadão, Roberto Rodrigues, atualmente coordenador do centro de agronegócios da FGV, analisou o impacto das taxações norte-americanas impostas pelo governo Trump.

 

Por Humberto Azevedo

 

O ex-ministro da Agricultura dos governos Lula I e II, entre 2003 e 2010, Roberto Rodrigues, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (OESP – Estadão), que “seria interessante que houvesse reciprocidade” adotada pelo governo brasileiro como resposta a decisão do governo norte-americano de Donald Trump em impor tarifas de 25% sobre a exportação brasileira de aço e alumínio “ também na tarifa do açúcar para os EUA”.

 

Na entrevista publicada pelo Estadão no último sábado, 15 de fevereiro, Roberto Rodrigues, atualmente coordenador do centro de agronegócios da FGV, analisou o impacto das taxações norte-americanas impostas pelo governo Trump, assim como vê o que deve acontecer com a economia e a geopolítica mundial.

 

“A avaliação é de que o impacto não será muito grande se os Estados Unidos aumentarem a tarifa para o nosso etanol. Mas o que pode ser grande é se nós tivermos que baixar a nossa tarifa. Isso pode criar uma invasão de produto de outros países também. Agora, o grande elemento de argumentação e com o qual concordo é que os Estados Unidos colocam uma tarifa muito alta sobre o açúcar brasileiro, quase o tamanho do preço do açúcar, o que inibe as exportações para lá. Então, seria interessante que houvesse reciprocidade também na tarifa do açúcar para os Estados Unidos, o que implica uma negociação complexa. Parece que o ponto principal é paciência: negociar cuidadosamente, não radicalizar, porque há espaço para entendimento e para uma negociação que melhore a situação para todos, sem afetar de maneira dramática a produção brasileira de etanol”, iniciou.

 

NEGOCIAÇÃO

 

Questionado sobre como deve ser a negociação por parte do governo brasileiro, Rodrigues assinalou que “o Itamaraty sempre teve uma competência negocial muito grande, reconhecida no mundo inteiro” e “adicionalmente, nós criamos no Ministério da Agricultura (MAPA), começo dos anos 2000 uma Secretaria de Relações Internacionais que é muito bem preparada”.

 

“Quem vai negociar é o governo. O setor privado vai colocar os argumentos, mas um argumento importante é que o nosso etanol de cana tem uma pegada de carbono muito menor do que o etanol de milho dos Estados Unidos. A Califórnia, que é o maior importador de etanol brasileiro, tem uma preocupação ambiental acentuada. Isso significa que a reciprocidade não faria sentido porque são produtos diferentes, mas é uma questão técnica”, apontou.

 

“Seria necessário demonstrar que um etanol é diferente do outro e, portanto, a tarifa de um não pode ser considerada a tarifa do outro. Esse é um argumento técnico e pode ser interessante para uso. Mas teria que se verificar se é um ponto que os americanos consideram relevante. Nos últimos dois anos, o próprio ministro Fávaro anunciou que foram feitos mais de 300 acordos comerciais por setores e segmentos. Isso mostra que o Ministério ganhou uma dimensão relevante no tema de comércio externo. Então, junto com o Itamaraty, o Ministério está pronto para fazer uma negociação de alto nível com os norte-americanos ou com qualquer outro país do mundo”, completou.

 

IMPACTO

 

Já sobre o impacto da decisão tomada pelo governo norte-americano, o ex-gestor do MAPA nos dois primeiro governos Lula avalia que se “houver uma reação em cadeia de aumento generalizado de tarifas, sobretudo sobre commodities agrícolas, o Brasil pode ter problemas sérios”.

 

“Nossa grande área de faturamento internacional é o agronegócio. Se as tarifas forem elevadas de forma generalizada, isso pode prejudicar a economia, afetando produção, emprego, riqueza e renda. No ano passado, tivemos um saldo comercial de 440 bilhões de dólares, grande parte vinda do agronegócio. Se as tarifas aumentarem, pode haver um impacto significativo, mas ainda é cedo para dizer”, diagnosticou.

 

OMC

Indagado sobre a fala feita pelo presidente Lula, de que o Brasil pode procurar seus direitos contra os EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC), o ex-ministro viu essa fala com bons olhos.

 

“Minha experiência com a OMC é positiva. No meu período no Ministério da Agricultura, vencemos duas grandes disputas na instituição: contra os subsídios americanos ao algodão e contra os subsídios europeus ao açúcar. Isso ajudou muito o Brasil. No entanto, hoje a OMC perdeu parte de sua eficiência. Acredito que faz sentido recorrer à OMC, mas talvez não tenha um efeito rápido. O ideal seria uma negociação bem feita, equilibrada, sem rupturas drásticas”, comentou.

 

DISPUTA MUNDIAL

 

Por fim, questionado sobre como analisa o atual cenário da disputa da geopolítica e econômica mundial entre os EUA e, sobretudo, com a China, Roberto Rodrigues afirmou que a principal questão é se os anúncios e promessas do presidente Donald Trump vão de fato alterar a atual correlação de forças da geopolítica comercial. Segundo ele, os “resultados disso ainda são uma incógnita, porque pode gerar inflação nos Estados Unidos, pode gerar perda de mercado no Brasil e outros países produtores”, e “pode ainda gerar problemas de abastecimento para a União Europeia ou para a China”.

 

“Esse cenário turbulento terá um efeito relevante no comércio agrícola mundial e também no comércio técnico de minérios, materiais e serviços. É uma mexida muito grande em um tabuleiro que vinha de anos de construção, estabilidade e busca de equilíbrio. Temos que verificar qual será a efetiva imposição dessas tarifas para saber efetivamente o que vai acontecer. Acredito que ainda demore uns dois a três meses para termos uma visão mais segura do processo”, continuou. 

 

“Acredito que o governo [Lula III] está fazendo, a exemplo da série de acordos comerciais que abram o mercado e garantam o crescimento da produção. Outro tema, que não depende do Trump, é a questão da estrutura logística. O Brasil saiu da agricultura costeira nos anos 70, 80 e fomos para o Centro-Oeste com muita competência. Mas, a infraestrutura não foi. E esse é um ponto muito relevante do ponto de vista de estabilidade na competitividade. Então, tanto acordos comerciais quanto logística não são uma demanda imediata por causa da política comercial que o Trump pretende, são uma demanda mais antiga”, finalizou.

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