Yago Bueno é mestre em literatura pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e autor de Sociologia do Pau Brasil onde faz uma incursão pelo universo sociológico do professor, jornalista, escritor e crítico-literário Gilberto Felisberto Vasconcellos que traça análises sociológicas que vão de Gilberto Freyre a Câmara Cascudo permeando visões de Karl Marx, Wilhem Reich até Oswald de Andrade, Darcy Riveiro a Glauber Rocha entre muitos. (Foto: Acervo Particular)

A esquerda virou uma criança mimada

No artigo, o sociólogo avalia que não houve fake news divulgado pelo deputado Nikolas Ferreira como o governo e parcela expressiva da esquerda apontam. O que existe é uma crítica – com argumentos políticos – baseada em intepretação legítima sim; e, naturalmente, com alguns exageros que toda a oposição comete.

 

(*) Yago Bueno

 

Houve um tempo em que os defensores da democracia e críticos ferrenhos de qualquer forma de censura, para justificar seu amor pelo livre circulação de ideias, adoravam citar a famosa frase de Voltaire: “posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-lo”.

Atualmente, com a intensificação do uso das redes sociais que possibilita a propagação para o mundo das ideias que alguém elabora deitado na cama de um quarto de uma casa no meio de mato, a frase mais ouvida é a seguinte: quando eu não concordar com você, acuso-te de fake news e de desinformação meto-lhe um processo por “desordem informacional”, homofobia, racismo, transfobia, machismo, etc, etc, etc…

O debate político pressupõem o choque de visões de mundo, valores, tradições e pontos de vista sociais e econômicos divergentes. É fundamentalmente um embate de interpretações acerca da realidade, às vezes, diametralmente opostas. Nesse debate, não raro, exageros ocorrem, o que é absolutamente do jogo democrático.

A democracia exige a convivência com pensamentos que não gostamos, que discordamos e que odiamos. O convencimento da opinião pública depende da capacidade de argumentação e da habilidade de divulgar ideias para o número maior de pessoas possível. A batalha política nada mais é do que a batalha da comunicação.

Ao contrário do que se imagina, não necessariamente vence o debate político quem tem a melhor oratória ou quem elabora a mais cara peça de marketing. Ganha o debate quem consegue captar o sentimento da população em relação a determinado assunto. Foi o que aconteceu nesta semana quando um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira, criticando uma medida administrativa da Receita Federal que ampliava o monitoramento nas transações via pix e cartão de crédito, atingiu a incrível marca de mais de 300 milhões de visualizações no Instragram.

Essa repercussão gigantesca gerou tamanho desgaste político ao governo Lula, que o próprio presidente ordenou a revogação da medida adminstrativa. O governo sofreu uma derrota difícil de engolir e partiu para o ataque falando em processar o deputado e todos os que espalharam “fake news” e desinformação sobre a normativa da Receita Federal.

Em dezembro do ano 2000, o Conselho Administrativo da Petrobras propôs a mudança do nome da em presa para Petrobrax. Segundo os diretores da estatal, essa alteração faria com que a empresa se colocasse melhor no mercado internacional. Em nenhum momento o governo Fernando Henrique Cardoso disse que a mudança de nome era para preparar a privatização da empresa. Como o governo já tinha vendido a Companhia Vale do Rio Doce e o Sistema Telebras, a proposta de mudança de nome da empresa gerou uma imensa desconfiança das esquerdas e o PT fez uma propaganda enorme dizendo que FHC queria vender a Petrobras. Não tinha rede social à época; entretanto, a notícia espalhou pelo Brasil e em menos de um mês a proposta de troca de nome da Petrobras tinha morrido.

Poderíamos colocar como desinformação e fake news do PT a divulgação da ideia de que o FHC queria privatizar a Petrobras? Em 2006, na campanha presidencial, o PT divulgou que Geraldo Alckmin – candidato do PSDB à época – iria privatizar a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Detalhe: não tinha nada no plano de governo de Alckmin que falasse em privatização das referidas empresas. Isso seria outra fake news ou desinformação do PT ou foi uma interpretação legítima dado ao histórico de abertura liberal da economia feita pelos governos tucanos?

Quantos excessos retóricos o PT não cometeu quando estava na oposição? Insisto: toda a oposição se excede nas críticas aos governantes. A campanha da esquerda contra a mudança do nome da Petrobras para Petrobrax ganhou a opinião pública por ter dialogado com o sentimento que existe no povo brasileiro de que a Petrobras não se vende. Da mesma forma, o vídeo do deputado Nikolas Ferreira viralizou porque conseguiu captar a percepção da população de que o governo atual está com uma sanha desenfreada para arrecadar mais. O argumento do deputado no vídeo seria fake news e desinformação ou seria uma interpretação legítima dado aos inúmeros erros políticos que o governo está cometendo?

No Brasil existem aproximadamente 35 milhões de trabalhadores. A maioria desses brasileiros não estava inserida no sistema bancário. A chamada bancarização dos informais veio com o advento dos bancos digitais. Com a norma da Receita Federal esses trabalhadores iriam ter suas movimentações financeiras informadas à Receita Federal. Um ambulante que movimenta 07 mil reais em sua conta por mês, não fica com os 07 mil reais para ele. Mas, ele poderia cair na malha fina e ter que pagar imposto de renda com juros e multa. Acredito que a Receita Federal quer pegar os grandes sonegadores. Por que, então, não estabeleceu em 50 mil reais, por exemplo, a movimentação que seria monitorada?

Eu não tenho a menor simpatia pelas ideias do Nikolas Ferreira. Não votei nele e jamais votarei. Independentemente de não ter apreço pelo deputado bolsonarista, não houve fake news no vídeo como o governo e parcela expressiva da esquerda está falando. O que existe é uma crítica – com argumentos políticos – baseada em intepretação legítima sim; e, naturalmente, com alguns exageros que toda a oposição comete.

Agora, querer processar o deputado pelo vídeo é ridículo e autoritário. Ele tem imunidade parlamentar. E outra: qualquer crítica ao governo será criminalizada? Se a esquerda fizer isso vai estará dando razão à direita quando esta diz que está sofrendo censura no Brasil. A democracia não se faz com censura, mas sim com o debate. A esquerda deveria ter a humildade de reconhecer que não tem a mesma competência da direita para lidar com as redes sociais. Deve aprender a utilizar a comunicação digital, parar de ter ataque de pelanca mimizento e ir para a discussão política.

Parece que a esquerda não aprende com os próprios equívocos. O identitarismo, responsável por cancelamentos e restrições de debates, foi um dos responsáveis pela vitória acachapante da direita nas eleições municipais do ano passado. Será possível que a esquerda vai querer levar essa lógica do cancelamento e do cerceamento do debate para a esfera das medidas políticas do governo?

Se fizer, a direita vai agradecer e continuará vencendo as eleições.

 

(*) Yago Junho é sociólogo e mestre em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Artigo publicado originalmente no jornal O Vale da Eletrônica em 18 de janeiro de 2025.

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