Conheça a República de Užupis, território independente na Lituânia
Da Redação
Se abríssemos o mapa de um país sobre a mesa como se ele fosse o tabuleiro de um jogo, as regras da brincadeira seriam a Constituição dessa nação. Esse documento definiria os limites e os direitos dos jogadores, garantindo que o jogo fosse justo e que todos fossem contemplados com garantias de felicidade e de direito a ser quem se é.
Na vida real, nem sempre uma Constituição consegue contemplar e agradar a todos. São as complexidades políticas criadas por pensamentos que divergem. Contrariando esse cenário, no final do século 20, mais precisamente no dia 1º de abril de 1997, uma pequena comunidade de artistas e intelectuais criou sua própria nação, proclamou independência e promulgou sua constituição ajustando em seus artigos valores aparentemente simples, mas que tocam profundamente a existência humana.
Não se sabe se o Dia da Mentira foi escolhido propositalmente, mas a autoproclamada República de Užupis nasceu mesmo assim dentro de Vilnius, capital da Lituânia, uma ex-república socialista soviética à beira do Mar Báltico.
Depois de décadas sob o jugo da URSS, cidadãos com criatividade e intelectualidade reprimida, escolheram um bairro separado de Vilnius por um rio e ali recomeçaram sua história. A área não tinha lá a melhor das vibrações: além de habitada por um ou outro membro da KGB (a polícia secreta da União Soviética), era repleta de casas abandonadas e semidestruídas ocupadas por gente que não tinha onde morar ou que havia perdido o rumo num mundo onde há tempos o respeito às liberdades individuais havia deixado de ser um valor respeitado.
O que que essa nação tem
E como toda república tem seu grupo de governantes, Užupis elegeu os seus: presidente, ministros, embaixadores… todos gente criativa envolvida com a reconstrução do bairro e criação de galerias, ateliês, cafés, arte de rua, lojas e festividades.
E como toda nação tem seus monumentos, eles instalaram na ponta de pilares vazios — de onde Lênins e Stalins haviam sido subtraídos — suas próprias esculturas. A principal delas é um anjo soprando uma trombeta anunciando o renascimento e a liberdade artística.
E como toda república independente também deve ter uma bandeira, Užupis tem a sua. Nela, aparece estampada uma mão posicionada em sentido autoritário, mas com um buraco no meio, sugerindo que, sim, você é livre para passar e ninguém será impedido de fazer seu caminho. A placa de entrada em Užupis sinaliza que o sorriso é bem-vindo e que o limite de velocidade é de 20 km por hora — para que se possa passear, espreitar, explorar, conhecer pessoas e escolher o próprio rumo.
Conheça a Constituição de Užupis
E como toda a nação livre deveria ter sua constituição como garantia de felicidade e liberdade, Užupis criou uma. Estive lá e li seus 38 artigos, pregados no muro da rua principal. Cravados em placas espelhadas (foto abaixo) — garantindo que cada leitor se veja refletido e reconheça sua beleza e seu poder como indivíduo — são acompanhados por três lemas:
- Não se anulem.
- Não se vinguem.
- Não se rendam.
Sem perder o encanto do que são os grandes anseios da vida, a Constituição de Uzupis assim dispõe:
- Homens e Mulheres têm o direito de viver e passar às margens do rio Vilnia, e o rio Vilnia tem o direito de passar.
- Homens e Mulheres têm direito a água quente, a aquecimento no inverno e a um telhado.
- Homens e Mulheres têm o direito de morrer, não sendo, no entanto, uma obrigação.
- Homens e Mulheres têm o direito de cometer erros.
- Homens e Mulheres têm o direito de ser únicos.
- Homens e Mulheres têm o direito de amar.
- Homens e Mulheres têm o direito de não ser amados, mas não necessariamente.
- Homens e Mulheres têm o direito de ser medíocres e desconhecidos.
- Homens e Mulheres têm o direito de caminhar lentamente.
- Homens e Mulheres têm o direito de amar e cuidar de um gato.
- Homens e Mulheres têm o direito de cuidar de um cão até que um deles morra.
- Um cão tem o direito de ser um cão.
- Um gato não é obrigado a amar o seu dono, mas deve ajudá-lo em tempos de necessidade.
- Algumas vezes, Homens e Mulheres, têm o direito de não ter consciência de seus deveres.
- Homens e Mulheres têm o direito de estar em dúvida, mas isso não é uma obrigação.
- Homens e Mulheres têm o direito de serem felizes.
- Homens e Mulheres têm o direito de serem infelizes.
- Homens e Mulheres têm o direito de ficar em silêncio.
- Homens e Mulheres têm o direito de ter fé.
- Ninguém tem o direito à violência.
- Homens e Mulheres têm o direito de apreciar a sua insignificância.
- Ninguém tem o direito de ter desígnios sobre a eternidade.
- Homens e Mulheres têm o direito de compreender tudo.
- Homens e Mulheres têm o direito de não compreender nada.
- Homens e Mulheres têm o direito de ter qualquer nacionalidade.
- Homens e Mulheres têm o direito de celebrar ou não celebrar o seu aniversário.
- Homens e Mulheres devem lembrar-se do seu nome.
- Homens e Mulheres podem partilhar o que possuem.
- Ninguém pode partilhar o que não possui.
- Homens e Mulheres têm o direito de ter irmãos, irmãs e pais.
- Homens e Mulheres podem ser independentes.
- Cada um é responsável pela sua liberdade.
- Homens e Mulheres têm o direito de chorar.
- Homens e Mulheres têm o direito de ser mal interpretados.
- Ninguém tem o direito de culpar outra pessoa.
- Homens e Mulheres têm o direito de ser um indivíduo.
- Homens e Mulheres têm o direito de não ter direitos.
- Homens e Mulheres têm o direito de não ter medo.
Fonte: Vida Simples