Todos ministros do STF repudiam atentado de homem-bomba e reforçam necessidade de responsabilização por atos contra democracia
Decano da Suprema Corte, Gilmar Mendes afirmou que “o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação” lamentavelmente “foram largamente estimulados pelo governo anterior”.
Por Humberto Azevedo
Todos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) repudiaram nesta quinta-feira, 14 de novembro, a tentativa de um atentado terrorista contra a sede da Suprema Corte e a estátua da Justiça provocado pelo homem-bomba Francisco Wanderley Luiz, conhecido em sua terra natal – Rio Sul (SC) – como “Tiu França”, e reforçaram a necessidade de haver a responsabilização de todos aqueles que cometeram ou financiaram atos contra democracia, a partir da promulgação do resultado eleitoral de 2022 quando milhares de simpatizantes do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, insatisfeitos com a derrota, iniciaram a ocupação de ruas, estradas e rodovias clamando pela interrupção da ordem democrática no país e instauração de um novo governo sob a égide da hierarquia militar tal como aconteceu entre os anos de 1964 a 1985.
Em pronunciamentos após a tentativa do atentado, que resultou na morte de “Tiu França”, os ministros destacaram que o contexto de radicalismo precisa ser superado. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que o episódio ocorrido na noite desta última quarta-feira, 13 de novembro, na Praça do Três Poderes, e nas adjacências da Câmara dos Deputados, do Tribunal de Contas da União (TCU) e da própria Suprema Corte, quando o catarinense tomado pelo ódio contra as instituições e contra o que ele chamava de “comunismo”, resolveu atirar artefatos explosivos em direção ao prédio do STF, ao mesmo tempo em que o seu veículo – que estava no estacionamento público utilizado pelos servidores e funcionários da Câmara – começou a explodir com alguns artefatos que estavam dentro dele. Após soltar os artefatos contra o STF sem sucesso, “Tiu França” detonou um explosivo sobre sua própria cabeça, o que causou sua morte imediata.
Assim como Barroso, o decano da Suprema Corte, Gilmar Mendes, afirmou que “o discurso de ódio, o fanatismo político e a indústria de desinformação” lamentavelmente “foram largamente estimulados pelo governo anterior”. Ambos ressaltaram, ainda, que o episódio se soma a outros que já vinham ocorrendo no país nos últimos anos e que culminaram na invasão e na depredação das sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro de 2023. Eles também criticaram as tentativas de “naturalização do absurdo”, que – segundo eles – acaba por incentivar a reiteração desse tipo de comportamento. “Querem perdoar sem antes sequer condenar”, comentou o presidente da Suprema Corte se referindo a iniciativa em tramitação no Congresso Nacional do projeto que tem como objetivo anistiar todos aqueles que participaram de atos que culminaram na quebradeira do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do STF em 8 de janeiro de 2023.
“Reforça também, e sobretudo, a necessidade de responsabilização de todos que atentem contra a democracia. (…) Uma pequena revolução ética e espiritual é o que estamos precisando”, afirmou o presidente do STF destacando que a celebração da Proclamação da República, nesta sexta-feira, 15 de novembro, deve ser um momento para renovar os votos e a crença nos valores republicanos.
“Muito embora o extremismo e a intolerância tenham atingido o paroxismo em 8 de janeiro de 2023, a ideologia rasteira que inspirou a tentativa de golpe de Estado não surgiu subitamente”, afirmou Gilmar Mendes lembrando que o ocorrido não foi um fato isolado, uma vez que, nos últimos anos, houve diversos atentados contra as instituições de Estado e a democracia como os disparos de fogos de artifício contra o STF, em 2020, o acampamento no Quartel General (QG) do Exército, em Brasília, manifestações pedindo intervenção militar, a tentativa de invasão do prédio da Polícia Federal (PF) e a bomba plantada num caminhão em direção ao aeroporto de Brasília, em dezembro de 2023.
REGULAÇÃO DAS REDES
Para Gilmar Mendes, o triste episódio exige, na sua avaliação, revisitar os fatos que antecederam ao ataque do homem-bomba catarinense como a necessidade de se debater com maior atenção sobre a defesa das instituições e também sobre a regulação das redes digitais e dar um basta em eventuais propostas para anistiar criminosos.
“No mundo todo, alguém que coloca na cintura artefatos para explodir pessoas é considerado terrorista (…) Essas pessoas não são só negacionistas na área da saúde; são negacionistas do Estado Democrático de Direito, e devem e serão responsabilizadas”, disse o ministro Alexandre de Moraes.
“Tenho orgulho de, quando presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, ter aprovado a criação da Polícia Judicial, transformando a nossa Assessoria de Segurança em polícia, diante de tudo que acontecia e daquilo com que hoje vamos nos deparando”, complementou o ministro Dias Toffoli.
“Nesta véspera do dia em que se comemora a República, o que pretendemos é que, cada vez mais, a sociedade brasileira seja democraticamente republicana, para que a luz do melhor direito impere, e não os atos que vimos acontecer ontem”, reiterou a ministra Cármen Lúcia.
“Não é o poder da força, mas o poder dos argumentos e das boas razões que deve nortear a prática da democracia e da liberdade em seu contexto mais amplo”, completou o ministro André Mendonça.
“A personalização [de algumas decisões da Corte] que leva a ódios especialmente concentrados, [cria] uma mitologia negativa no discurso político no Brasil, que é a lenda das decisões monocráticas. A decisão de apenas um ministro não decide os rumos do tribunal, porque todos os ministros, concordando ou discordando, participam das decisões do colegiado”, pontuou o ministro Flávio Dino.
PGR
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, também comentou a tentativa de atentado contra o STF.
“Está claro que o desrespeito às instituições continua a ter sinistros desdobramentos, demonstrando a importância do esforço que vem sendo desenvolvido pela PGR e pelo STF na apuração de responsabilidades e punição por atos violentos de propósito antidemocrático”, encerrou.