Controle pelo ouro no Sudão já provocou êxodo de 10 milhões, diz embaixador do país no Brasil
Em conversa com alguns jornalistas na manhã desta terça-feira, 5 de novembro, o embaixador sudanês no Brasil, Ahmed Eltigani Mohamed Swar, afirma que a grande razão do conflito no seu país “é uma guerra por ouro”.
Por Humberto Azevedo
O embaixador do Sudão no Brasil, Ahmed Eltigani Mohamed Swar, afirmou na manhã desta terça-feira, 5 de novembro, numa coletiva de imprensa, que a principal motivação do conflito que envolve o atual governo sudanês com o grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF) já provocou um êxodo de mais de 10 milhões de pessoas daquele país – o que representa cerca de 20% da população sudanesa.
A afirmação de Ahmed Mohamed aconteceu na sede da embaixada do Sudão, em Brasília, numa conversa com alguns jornalistas, com o objetivo de dar a versão oficial do governo sudanês sobre o conflito iniciado em março de 2023. Na oportunidade, o embaixador destacou também que a guerra – que já deixou um rastro de mortes e destruição – é causada basicamente pelo controle das reservas de ouro. Em 2018, mais de 100 mil toneladas do minério mais nobre encontrado no planeta foram retiradas das minas sudanesas.
O embaixador do Sudão acusa ainda os países como Emirados Árabes Unidos e Chade de financiarem o grupo RSF. Chade, que é vizinho do Sudão, aproveitaria essa condição ao fazer um corredor humanitário “para facilitar a entrada de apoio das organizações internacionais”, mas que “infelizmente ao mesmo tempo” utilizaria “essa passagem” para entrega de armas e entrada no país de mercenários que ampliariam as fileiras do RSF.
“O Sudão tem um posicionamento geográfico muito importante, principalmente, na região do mar vermelho, onde há um caminho de comércio e é fronteira entre o leste [asiático] e o ocidente [facilitando a] passagem entre a África e a rota de comércio pelo canal de Suez até a Europa. A questão da mineração, o Sudão chegou a produzir mais de 100 mil toneladas de ouro em 2018, chegando a ser o terceiro maior produtor na África e na minha classificação é uma guerra por ouro nesse momento também”, falou Ahmed Mohamed ao responder uma pergunta feita pela reportagem do grupo RDM.
“O governo do Sudão se disponibilizou e abre todos os canais possíveis para o fornecimento de ajuda humanitária para essas regiões que estão necessitando, em coordenação com todos os organismos internacionais. Como mencionei, essa guerra e esse conflito resultaram em mais de 10 milhões de pessoas saindo das suas cidades, dos seus lares, das suas casas, seja saindo para outras cidades internas dentro do Sudão ou como refúgio na vizinhança, nos países vizinhos”, complementou o embaixador.
“O governo também abriu e aceitou a abertura de uma passagem com o país do Chad para facilitar a entrada de apoio das organizações internacionais, mas infelizmente ao mesmo tempo essa passagem era utilizada pela milícia para escoamento de armamento e pessoas para lutarem junto com a milícia, milicianos de outros países”, completou o representante do Sudão.
AJUDA BRASILEIRA
Por fim, Ahmed Mohamed agradeceu a ajuda do governo brasileiro – via Ministério das Relações Exteriores (MRE) – em dirimir a dor que o povo sudanês vem enfrentando desde o início de 2023. Segundo ele, 24 milhões de sudaneses – atualmente 60% da população – se encontram em situação de vulnerabilidade social e de necessidades básicas. Sendo esse grupo formado por quase metade por crianças (47%), mulheres (26%) e pessoas portadores com alguma necessidade especial (15%).
Na ocasião, o embaixador disse estar “convicto que o Sudão se erguerá” novamente e convidou o Brasil a ser um dos seus parceiros na reconstrução nacional.
“Novamente pedimos à comunidade internacional apoio humanitário e nesse sentido, gostaria de apontar e agradecer o apoio do governo do Brasil, que nesses últimos dois dias nos informou que irá enviar mais de 30 toneladas de medicamento e suplemento médico para ajudar nessa crise humanitária no Sudão”, falou o embaixador.
“Gostaríamos de contar com o apoio do Brasil, um país que se desenvolveu em muitos aspectos tecnológicos, que também pode apoiar bastante na reconstrução do Sudão pós-conflito”, encerrou.
ENTENDENDO O CONFLITO
O grupo paramilitar e miliciano RSF, formado por aproximadamente 100 mil soldados, ocupa oficialmente quatro estados da região de Darfur. O restante da totalidade do território sudanês, cerca de 75% da área do país, tem o poder exercido pelo governo local e pelas Forças Armadas do Sudão. As forças rebeldes RSF são chefiadas pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, atual vice-presidente do Conselho Soberano que governa o Sudão e rompeu com o atual governo.
Para pôr fim ao conflito, o embaixador ressalta, que além de buscar a intermediação de organismos internacionais, propõe a “adoção de um código de conduta e uma estratégia de combates com objetivo de minimizar perdas e danos entre civis e nas propriedades privadas, mesmo sabendo que isso atrasará a derrota total das forças rebeldes”, além de uma “anistia total para todos aqueles de depuseram as armas”.
O atual Conselho Soberano do Sudão e o RSF eram aliados até a eclosão do conflito. Em 2017, uma lei sudanesa legitimou as ações do grupo para-militar como “forças de segurança independentes” No início dos anos 2000, as tropas do RSF lutaram junto com o exército comandado pelo então ditador sudanês Omar al-Bashir e foi considerado fundamental para neutralizar rebeliões.
Em 2015, tanto as Forças Armadas do Sudão, quanto o grupo para-militar RSF, iniciaram combates contra os houthis, no Iêmen, ao lado Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, pelo controle do tráfego marítimo do Mar Vermelho – que liga a Ásia e a Europa.
Tornado independente da Inglaterra em 1956, o Sudão passou a ter relações com o Brasil a partir apenas de 2004. O auge das relações comerciais entre os dois países se deu nos últimos anos. O país africano é um dos principais destinos do açúcar brasileiro e é conhecido por ter uma das melhores condições climáticas para produção agropastoril. O país tem o terceiro maior rebanho bovino do continente africano (100 mil cabeças) e é dono de poços petrolíferos que podem produzir 1,5 bilhão de barris.