Produção artesanal de café une história, preservação e turismo na região serrana do Ceará
Paisagem de exceção no contexto cearense, o clima e a vegetação da região do Maciço destoam da imagem-clichê de seca associado ao estado. No caminho até a serra, a aridez amarela do sertão dá lugar ao verde da vegetação nativa e ao clima ameno que muitos supõem inexistir no semiárido. Junto à altitude e à riqueza do solo, a condição climática resultou em ambiente propício ao cultivo do café.
O avanço da cafeicultura na região se confunde com o próprio desenvolvimento do Maciço de Baturité. Sua introdução no território, há mais de 200 anos, alavancou as cidades da serra, que experimentaram rápida ascensão econômica a partir dos proventos da venda do item, considerado artigo de luxo à época. Conta-se que o café ali produzido atravessava o Atlântico Norte para ser apreciado nas principais cafeterias francesas.
“Em Baturité, Pacoti e outros lugares, a gente vê casarões construídos no tempo áureo da produção cafeeira. Vivia aqui uma elite do café, que contribuiu para a vinda da linha férrea [a primeira do Ceará, construída para interligar Fortaleza e Baturité e escoar a produção], então essas cidades são símbolo de riqueza para a região, tudo por conta do café”, explica a ambientalista e professora doutora Sofia Ribeiro, que pesquisa a produção cafeeira por lá.
O cultivo do café no período acontecia de forma intensiva, em monocultura e a pleno sol — sistema que se alinha à lógica de mercado por gerar maior produção, com menor custo de investimento e menor necessidade de mão-de-obra, podendo integrar máquinas à colheita. “Foram 40 anos de produção em monocultivo e a pleno sol, e isso trouxe um impacto muito grande e muito negativo para a serra. Houve desmatamento, derrubada de parte da mata nativa e empobrecimento e esgotamento do solo, até começar a diminuir a quantidade de produção [do café]. Outras culturas também contribuíram para isso, mas o que trouxe mais impacto para essa devastação foi a cafeicultura”, conta a pesquisadora.
A queda da capacidade produtiva veio acompanhada da desvalorização do preço do café em todo o país. Com isso, muitos produtores migraram para outros cultivos e abandonaram a cafeicultura. Outros, entretanto, continuaram a atividade a despeito de seu rendimento financeiro, mantendo vivos mesmo os mais franzinos pés de café.
Uma produção agroflorestal
Foi a partir da insistência em preservar a cultura cafeicultora no Maciço de Baturité que pequenos produtores perceberam que o café prosperava debaixo da copa das árvores nativas, resistindo às intempéries. Essa forma de cultivo, que integra a lavoura à floresta, ganhou força na região por mobilizar a agricultura familiar e promover a preservação da biodiversidade e dos nutrientes naturais do solo, além de resultar em um café com aroma e sabor distintos daqueles encontrados nas prateleiras de supermercado.
“A pele da gente não resiste a muito sol, então precisa de alguma coisa para proteger quando está numa quentura muito alta. Aqui, como o nosso café é dentro da sombra, ele mantém a folhagem dele sem problema. Já lá no de sol eles precisam usar alguma coisa para hidratar a folha”, explica o cafeicultor Jardelino Oliveira, do Sítio Águas Finas, na zona rural de Guaramiranga. Atuando com o café sombreado no Maciço há mais de 30 anos, ele resume sua atividade diária : “Trabalhar com o café, conviver com ele e observar o que ele está precisando”.
Graças à dedicação e ao conhecimento de pessoas como Jardelino, hoje a região do Maciço é reconhecida nacionalmente por seu café sombreado 100% arábica, produzido livre de agrotóxicos ou fertilizantes químicos por agricultores familiares, que encontraram nesse modelo uma forma de respeitar o equilíbrio da natureza e se reconectar ao uso ancestral da terra. A produção orgânica e artesanal mobiliza também o turismo ecológico, consolidando a região do Baturité como rota que atrai visitantes de todo o país.