Coração do Planalto Central: Planaltina celebra 165 anos com festas e reflexões
Cidade completa 165 anos amanhã e acumula uma rica herança cultural, que fortalece os laços sociais entre os moradores
Antes mesmo da criação de Brasília, em 19 de agosto de 1859, na segunda missão Cruls, Planaltina, inicialmente conhecida como Mestre D’Armas, já se estabelecia no quadradinho que viria a ser denominado como Distrito Federal. Contrastando com a modernidade de Brasília — urbanística e voltada para o setor de serviços —, a cidade, que completa 165 anos amanhã, mantém uma forte ligação com a agricultura e a pecuária. Esse charme de interior é o que a diferencia das demais áreas administrativas.
As relações sociais da cidade são marcadas por um forte senso de comunidade entre os moradores, que fortalecem seus vínculos em atividades sociais e culturais, além de festas tradicionais e eventos locais. Para Suellen Ribeiro, 33, natural de Planaltina, o diferencial da cidade são as pessoas e suas relações. “A nossa identidade coletiva é moldada pelas memórias que fazemos aqui”, declara. “Meus amigos e eu costumamos vir todo carnaval no bloco ‘Sem eira nem beira’, na Praça Salviano Monteiro Guimarães. Além da nossa própria amizade que é fortalecida, conhecemos pessoas novas também. Esse foi, inclusive, o último bloco do meu pai, que valorizava muito essa tradição”, completa.
Entre os pontos turísticos e festas típicas que enriquecem o patrimônio histórico e cultural da cidade estão o Morro da Capelinha, palco da famosa apresentação teatral da Paixão de Cristo, na Sexta-Feira Santa, uma das maiores encenações ao ar livre do país; e a festa do Divino Espírito Santo, celebração tradicional que ocorre anualmente e inclui procissões, missas e manifestações culturais que vão muito além do religioso.
Como forma de celebrar o aniversário, no sábado ocorreu um desfile de moda autoral, intitulado Planaltina, no Coração do Planalto Central, na Praça Salviano Monteiro Guimarães. O evento, idealizado pela estilista Thalita Lobo, contou com 20 modelos selecionadas, destacando a diversidade e a cultura local por meio de looks exclusivos. O desfile foi encerrado com uma apresentação da DJ Ketlen, promovendo a valorização da moda e da representatividade feminina na cidade.
Como parte das comemorações oficiais dos 165 anos de Planaltina, será lançado amanhã, às 15h, na Administração Regional da cidade, o livro Morro da Capelinha, da editora Colli Books, escrito por Marilda Guimarães Mundim, que promete ser um marco na preservação da memória cultural e religiosa da cidade. A ação acontece na Avenida Uberdan Cardoso.
Memórias afetivas
Quem é de fora também se encanta. Geisa Ribeiro, 47, não voltou para sua terra natal em Guarabira, a aproximadamente 96 quilômetros da capital da Paraíba, mesmo após o divórcio com o seu ex-marido conterrâneo. A funcionária do Hotel da Cidade conta que os eventos comunitários realizados na Casa dos Idosos, onde a “forró terapia” é uma atividade popular, a conectam com suas memórias afetivas de quando era adolescente.
“Não é apenas um estilo musical, lembra a minha herança nordestina. E é algo que também integra a cultura e a vida social aqui. Planaltina tem esse cuidado com a preservação. O que eu me lembro de Guarabira, já nem existe mais”, relata.
Em uma das ruas mais antigas, onde boa parte das construções ainda são preservadas, a gastronomia local é marcada pelo chef de cozinha Aquiles Monteiro, 32, que há oito anos decidiu revolucionar o Setor Tradicional, pouco frequentado na época. “Não existia nada de comércio nessa região, as pessoas sempre se deslocavam mais para a parte central, ali pela Vila Buritis. E eu queria ressignificar um espaço que conta tanto da nossa história”, declara.
Hoje, ele é proprietário de oito estabelecimentos em Planaltina, sendo os mais conhecidos o 389 Burger, que faz aniversário também no dia 19 de agosto, e o Piazza 596. Ambos os números fazem referência a prefixos utilizados nos telefones da cidade, que começavam sempre por esses três primeiros dígitos, sendo o mais antigo o 596.
Desafio
Monteiro revela que seu principal desafio na administração do negócio é o fato de moradores de Planaltina preferirem trabalhar no Plano Piloto, o que resulta em escassez de mão de obra na cidade. “Muitos buscam oportunidades em Brasília, onde há melhores salários e condições, deixando Planaltina com uma força de trabalho reduzida”, compartilha.
Isso acarreta desafios para o mercado local, que enfrenta dificuldades em atrair e reter trabalhadores, impactando o desenvolvimento econômico e a oferta de serviços na região. Teresa Adaires, 42, possui uma tenda de polpas de frutas, desenvolvidas por ela por conta da restrição alimentar da filha, localizada na Feira de Hortifruti de Planaltina.
Ela é moradora da região há 24 anos, desde que seus pais se separaram e a mãe se mudou para a região. Teresa concorda com Monteiro. “Essa feira é modelo, é única, mas temo que no futuro ela se desfaça, principalmente por conta da desvalorização. Entendo que ninguém estuda para ser feirante, eu mesma estou aqui porque gosto dessa interação humana”, garante.
Fonte: Correio Braziliense