“Pode haver derramento de sangue”: fazendeiros ameaçam assentados do Incra e tensão aumenta em Itanhangá (MT) – áudios e vídeos
Por Carolina da Costa Lima e João Negrão
A tensão voltou a aumentar no assentamento Itanhangá, no município de Tapurah, em Mato Grosso, a 475 quilômetros de Cuiabá. Desde a semana passada, fazendeiros que invadiram a terra onde estava cerca de 240 famílias aguardando os títulos definitos, inconformados iniciaram mobilização para impedir a ação dos técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A reintegração de posse das famílias no assentamento foi assegurada pela Justiça e na semana passada o Incra iniciou o processo de assentamento. Os fazendeiros, no entanto – que há mais de uma década invadiram a área e expulsaram a maioria das famílias de pequenos agricultores e iniciaram a plantação de soja – começaram a mobilização inicialmente com o fechamento do comércio de Tapurah e a ameaça de agressão física, inclusive com o atropelamento com suas caminhonetes de famílias que estavam resistindo. (Confira áudios e vídeos na sequência deste texto).
Os técnicos do Incra também estão sendo ameaçados, segundo os relatos. Após reunião realizada em praça pública acerca da possibilidade de impedir a retomada dos lotes e o cumprimento das decisões judiciais iniciou-se os conflitos. A Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal requisitaram à Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso reforços no policiamento da região. Mesmo com a chegada de uma unidade da Polícia Militar para garantir a reintegração de posse, os fazendeiros mantiveram as ameaças e resistem em deixar o local.
“A população de Itanhangá está descendo em peso para ver o que vai acontecer. A gente não sabe o que pode acontecer. A gente está morrendo de medo”. afirma moradora da região num dos áudios.
História do conflito
O conflito em Itanhangá tem mais de uma década, Desde 2014 o assentamento do Incra vem sofrendo invasões de grileiros e latifundiários. O nível de ameaças chegou ao ponto de o líder dos pequenos agricultores, Valdomiro de Oliveira, ficou marcado para morrer. Liderança de agricultores familiares no Norte de Mato Grosso, ele é o fundador da Associação dos Pequenos Produtores Rurais Planalto (Assoplan), a entidade que organiza 240 famílias na resistência contra latifundiários que invadiram suas terras em Itanhangá.
O conflito de terras naquela região de terras férteis vem de décadas, com o enfrentamento entre acampados, grileiros e garimpeiros. Nos últimos anos a área passou a ser cobiçada por latifundiários plantadores de soja. A briga pela terra ganhou notoriedade nacional quando, em 2014, a Operação Terra Prometida, da Polícia Federal, desbaratou uma quadrilha que vendia ilegalmente lotes destinados para a reforma agrária.
As famílias representadas pela Assoplan foram algumas das vítimas do golpe que tinha a participação de dois irmãos do então ministro da Agricultura no governo de Dilma Rousseff, o hoje deputado federal e um dos líderes da bancada ruralista, Neri Geller. Odair e Milton Geller, conforme apurou a Polícia Federal, seriam “laranjas” de Neri. Ele negou as denúncias, mas o processo continua.
Passados quase sete anos, os grandes latifundiários voltaram a tomar conta das terras e expulsaram os acampados que já haviam sido assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e aguardavam a titulação dos lotes. As famílias que sobram no local ficaram confinadas numa pequena área ilhada pelas plantações de soja e sob constante ameaça de morte pelos jagunços dos latifundiários.
Sob a mira de armas de grosso calibre, mulheres, crianças e idosos eram até proibidos de se movimentarem no local, enquanto os homens adultos saiam para buscar trabalho na cidade ou em fazendas vizinhas. Até uma horta comunitária criada para alimentar as famílias foi destruída pelos pistoleiros a mando dos grileiros.
Valdomiro conta que no processo da invasão os latifundiários destruíram tudo: escola, posto de saúde, barracão da associação e até a igreja. As casas construídas com recursos do Incra tiveram que ser abandonadas pelas famílias sob a mira das armas dos pistoleiros.
Operação Terra Prometida
Originalmente eram 1.149 famílias que ocupavam lotes de 100 hectares cada. Os plantadores de soja invadiram praticamente todos os terrenos. A maioria deles havia sido alvo da Operação Terra Prometida e inclusive presos pela Polícia Federal. “Depois retornam impunemente, com os olhos fechados do governo Bolsonaro, quando o Incra deixou de ser um órgão da reforma agrária e apoio aos pequenos agricultores e virou braço dos latifundiários”, denunciou Valdomiro de Oliveira.
Fábio Bento Machado é o atual presidente da Assoplan. Ele vem acompanhado o trabalho de titulação e denuncia que os fazendeiros grileiros não estão para brincadeira. “Eles podem começar uma guerra. Pode haver derramento de sangue”, alertou. Vítima de ameaças e emboscadas, Fábio era outro também jurado de morte.
Atualmente em Mato Grosso existem 528 assentamentos de agricultores familiares sob a responsabilidade do Incra. Há outras centenas de áreas de responsabilidade do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat). Ao todo são mais de 27 mil famílias aguardando a titulação de seus lotes. Fora as outras que aguardam assentamentos. As lideranças de agricultores familiares denunciam que tudo ficou paralisado durante o governo Bolsonaro. Enquanto isto os latifundiários se armavam cada vez mais para tomar as terras dos pequenos agricultores.
Confira os áudio e vídeos enviados à nossa reportagem
Os áudios abaixo mostram a mobilização dos fazendeiros contra a ação do Incra:
Áudio da assentada relatando a violência dos fazendeiros:
Os vídeos abaixo mostrama a movimentação na área na manhã desta terça: