ENTREVISTA DA SEMANA – DEPUTADA FEDERAL SOCORRO NERI (PP-AC)
“Precisamos superar o negacionismo climático presente na sociedade brasileira”, afirma ex-prefeita de Rio Branco
De acordo com a parlamentar do PP acreano “quanto mais se concilia o desenvolvimento econômico, as atividades econômicas com preservação ambiental, mas se ganha economicamente”.
A deputada Socorro Neri (PP-AC) afirmou, com exclusividade para o portal RDMNews, que é preciso “superar o negacionismo climático presente na sociedade brasileira”. Inclusive, segundo ela, de setores importantes tanto do Congresso Nacional, quanto do poder econômico. Sem isso, a parlamentar aponta um cenário cada vez mais difícil na convivência de todos com um meio ambiente que exigirá inúmeras adaptações para se continuar vivendo.
“Ao longo da humanidade, as grandes transformações foram feitas pelos jovens, que assumiram o protagonismo e eu estou acreditando, que firmemente que os jovens brasileiros, negros, indígenas, periféricos, assumindo esta bandeira, buscando construir com a sociedade, nos espaços que vivem, estratégias de educação climática, nós vamos começar, de fato, a superar esse negacionismo climático presente na sociedade brasileira, que se reflete aqui no Congresso Nacional, inclusive, de forma muito majoritária”
De acordo com a parlamentar do PP, aliada do governador acreano Gladson de Lima Cameli – também do PP, “quanto mais se concilia o desenvolvimento econômico, as atividades econômicas com preservação ambiental, mas se ganha economicamente”. E, segundo ela, isso está mais do que provado cientificamente pela própria Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A conversa de Socorro com a reportagem do portal RDMNews aconteceu no último dia 13 de junho, quando presidia a realização de uma audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados que debateu o impacto das mudanças climáticas nas vidas dos jovens brasileiros, sobretudo, os que residem em regiões periféricas.
“O que tem acontecido no Rio Grande do Sul, como uma das tragédias maiores na América Latina, e que não tem comparativo no mundo, às vezes [com ocorrências] nos Estados Unidos e, talvez, na América Central, encontra-se comparativo. Mas é algo muito, muito grave e que demonstra também em outras regiões do país, que esse fato também tem se repetido”
Além de membra da CMADS, a deputada acreana integra ainda as comissões da “Casa do Povo” que debatem os temas da Amazônia e Povos Originais e ou Tradicionais; da omissão de Educação – ao qual tem formação, inclusive de mestrado e doutorado na área; e de Defesa dos Direitos das Mulheres.
“Os outros biomas também são igualmente importantes e também precisam ser preservados, cuidados, para garantir o equilíbrio”
A parlamentar participa também da comissão especial que investiga a violência obstétrica e a morte materna; e a comissão externa das obras públicas paralisadas e inacabadas no país. Entre julho e novembro do ano passado, Socorro Neri também integrou o Grupo de Trabalho (GT) da Câmara que foi criado para emitir parecer sobre políticas de combate à violência nas escolas brasileiras.
Antes de ser deputada federal, Socorro Neri foi secretária de Educação do governo acreano entre os anos de 2021 e 2022 na primeira gestão Cameli – de quem é aliada e tida como provável sucessora em 2026. Pelo vínculo na pasta educacional acreana, a hoje parlamentar ocupou ainda a função de vice-presidente da região norte do conselho nacional dos secretários estaduais de educação.
Foi prefeita e vice-prefeita da capital acreana, Rio Branco, entre os anos de 2017 a 2020. Neste período, Socorro exerceu os dois cargos pelo PSB.
A deputada é doutora em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) com a tese “do seringal à universidade: o acesso das camadas populares ao ensino superior público no Acre”. E possui mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela dissertação “a interação professor-aluno no contexto do primeiro ano do ensino médio é um espaço de construção de significados?”.
“Essas tragédias do nosso país estão se tornando tragédias anunciadas à medida em que todos sabemos a partir dos dados e evidências científicas, que isso está acontecendo, e que agora os eventos extremos estão se tornando mais intensos e mais frequentes”
Entre 2002 e 2004, por ter exercido o cargo de secretária de Assistência Social da prefeitura de Rio Branco, Socorro Neri foi vice-presidente de Cultura da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) naqueles anos do início do terceiro milênio. Recentemente foi vice-presidente de Educação pela mesma FNP quando da sua passagem pelo comando da capital acreana, assim como foi também membro do Conselho Consultivo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
“Os países precisam, cada um deles, fazer o seu dever de casa e o nosso país também precisa fazer o seu dever de casa. A começar por essa superação do negacionismo, que ainda impera aqui no Congresso Nacional e em setores importantíssimos da economia”
A seguir, segue a íntegra da entrevista concedida pela deputada ao portal RDMNews.
RDMNews: Qual a importância da educação ambiental e climática para as novas gerações, até porque são elas que viverão, ou não, neste planeta com as condições que as atuais gerações e passadas deixaram como legado essa convivência com um novo normal onde as estações do ano já não são mais respeitadas pela natureza devido às interferências humanas no processo de exploração do meio ambiente?
Socorro Neri: Nós já estamos vivendo no nosso país e no mundo inteiro uma crise climática. Um desequilíbrio climático que nos coloca numa situação de emergência e tratar deste tema, trazendo para esta comissão os jovens, isso se mostra profundamente necessário. Ao longo da humanidade, as grandes transformações foram feitas pelos jovens, que assumiram o protagonismo e eu estou acreditando, que firmemente que os jovens brasileiros, negros, indígenas, periféricos, assumindo esta bandeira, buscando construir com a sociedade, nos espaços que vivem, estratégias de educação climática, nós vamos começar, de fato, a superar esse negacionismo climático presente na sociedade brasileira, que se reflete aqui no Congresso Nacional, inclusive, de forma muito majoritária e que tem sido muito prejudicial na Constituição brasileira, que ao invés de apontar para uma transição climática justa, com justiça social, justiça econômica, de fato, mais efetiva, tem andado na contramão. Algumas, inclusive, apontando retrocessos muito graves. Nós não estamos mais naquele momento de pensar no futuro, nós temos que pensar o já e o agora com medidas efetivas porque nós já estamos vivendo esse desequilíbrio. O que tem acontecido no Rio Grande do Sul, como uma das tragédias maiores na América Latina, e que não tem comparativo no mundo, às vezes [com ocorrências] nos Estados Unidos e, talvez, na América Central, encontra-se comparativo. Mas é algo muito, muito grave e que demonstra também em outras regiões do país, que esse fato também tem se repetido. No estado em que eu represento, que é o estado do Acre, em fevereiro, dos 22 municípios, 19 sofreram enchentes, causando danos, prejuízos a população, a infraestrutura do estado, a produção do nosso estado. E, agora, nós já estamos vivenciando lá o início da seca muito forte. As cidades acreanas dependem dos rios e estes rios estão, já hoje com cotas mínimas [para navegabilidade], históricas, inclusive, agora, já no mês de junho. E isso está se colocando como tendência para toda a região amazônica. De modo, que, assim, essas tragédias do nosso país estão se tornando tragédias anunciadas à medida em que todos sabemos a partir dos dados e evidências científicas, que isso está acontecendo, e que agora os eventos extremos estão se tornando mais intensos e mais frequentes. De modo, que é preciso que o país acorde e acorde a partir da sociedade brasileira para cobrar que o Congresso Nacional também acorde e passe a atuar de forma a mitigar esses efeitos, de forma a fazer a adaptação nas cidades, a preparar as cidades brasileiras para receber e evitar e minimizar esses efeitos. E, ao mesmo tempo, garantir que a transição climática aconteça e aconteça sob a ótica da justiça social e da justiça econômica, que nós chamamos de a ótica da justiça climática. E, nesse contexto, os jovens brasileiros têm o papel fundamental. Eu aposto nisso!
“De modo, que é preciso que o país acorde e acorde a partir da sociedade brasileira para cobrar que o Congresso Nacional também acorde e passe a atuar de forma a mitigar esses efeitos, de forma a fazer a adaptação nas cidades, a preparar as cidades brasileiras para receber e evitar e minimizar esses efeitos”
RDMNews: Mas como conciliar a preservação ambiental, necessária e fundamental, para a vida, com o desenvolvimento econômico da região amazônica?
Socorro Neri: Quando nós falamos em transição climática justa, estamos exatamente falando que nós precisamos conciliar o desenvolvimento econômico e social das nossas regiões brasileiras e da minha região específica, que é a Amazônia porque ela é de fato muito importante para o equilíbrio climático do mundo, mas também os outros biomas que são importantes, com a preservação e conservação ambiental. Quer dizer, nós não estamos aqui colocando um dualismo entre o desenvolver e preservar. Pelo contrário, é possível! A ciência, as tecnologias disponíveis – inclusive em institutos como a Embrapa, como vários outros do nosso país, demonstra exatamente isso: que quanto mais se concilia o desenvolvimento econômico, as atividades econômicas com preservação ambiental, mas se ganha economicamente. Por que os nossos produtos brasileiros se tornam ainda mais, agregam ainda mais, ativos, não é? E, evidentemente, para produzir bem no nosso país, é preciso nós termos um clima adequado. Garantir que esse clima seja adequado, que o solo seja saudável, são fatores fundamentais para termos o que nós temos no Brasil, que é uma agricultura, um agronegócio forte, pujante, que representa em grande medida a segurança alimentar do mundo. Mas isso não pode ser feito de forma separada da conservação, da preservação e da nossa biodiversidade. Uma vez que ela é fundamental para o equilíbrio do clima e do equilíbrio climático do mundo.
“Nós não estamos aqui colocando um dualismo entre o desenvolver e preservar. Pelo contrário, é possível! A ciência, as tecnologias disponíveis – inclusive em institutos como a Embrapa, como vários outros do nosso país, demonstra exatamente isso: que quanto mais se concilia o desenvolvimento econômico, as atividades econômicas com preservação ambiental, mas se ganha economicamente”
RDMNews: Então, com relação a isso, o presidente Lula antes de tomar posse fez viagens à Europa e à Ásia, e destacou a importância da preservação da floresta amazônica, e que o país faria de tudo para preservá-la, para a saúde ambiental no mundo. Mas ele falou também da responsabilidade dos países e povos desenvolvidos em ajudar financeiramente a preservar o bioma amazônico. E até hoje em que já se passaram mais de 15 meses desta cobrança do compromisso dos países mais ricos, pouco chegou aqui na ponta na Amazônia para ajudar a preservá-la. Como fazer com que os países ricos, enfim, cumpram com as suas partes enviando auxílio financeiro para preservar a região e permitir que os povos amazônidas se emancipem economicamente e se tornem agentes da preservação?
Socorro Neri: Exatamente, nós temos aí evidentemente uma dívida para o sul global dos países mais desenvolvidos do mundo com os países menos desenvolvidos. E, no caso, o Brasil e os outros sete países que também têm a Amazônia em seus territórios com o desenvolvimento sustentável destas regiões. Nós não podemos pensar na preservação sem garantir condições dignas de desenvolvimento para quem habita estas regiões. E eu tenho dito isso com muita clareza. É preciso colocar quem habita estas regiões no centro destes processos. Não dá para exigir que se preserve vivendo em condições abaixo da linha da pobreza, vivendo em condições indignas. Nós temos na amazônia, que é o grande reservatório hídrico do mundo, um milhão de pessoas – se estima – sem acesso à água potável , sem acesso a energia elétrica, sem comunicação, sem acesso à educação, sem acesso à saúde, sem acesso a uma atividade produtiva que lhes dê garantias de vida digna de sobrevivência. De modo que, estas questões não podem ser dissociadas. Assim como também os estados e as regiões mais desenvolvidas do nosso país também têm que ter responsabilidade com as menos desenvolvidas, que no caso é a nossa região amazônica e que tem os menores indicadores de desenvolvimento humano. Não dá para fazer e olhar para a Amazônia, com esse olhar de preservar tão somente sem olhar para o desenvolvimento econômico e social desta região. Isso não vai levar a lugar nenhum. Nós precisamos ter responsabilidade e, eu digo sempre, nós precisamos agir com a ética da responsabilidade e da urgência, que esta questão nos impõe.
“É preciso colocar quem habita estas regiões no centro destes processos. Não dá para exigir que se preserve vivendo em condições abaixo da linha da pobreza, vivendo em condições indignas”
RDMNews: Para encerrar, o Brasil vai sediar em Belém no ano que vem a COP-30 e dados científicos apontam para o aumento do nível do mar causado pelo degelo nas áreas mais frias como o ártico e o continente antártico, que já apontam, por exemplo, isso ocorrendo nos próximos anos em virtude do aumento da temperatura do planeta ocasionado pelo efeito estufa. Visto isso, como preparar nossas cidades litorâneas para esse fenômeno que inundará, para sempre, bairros inteiros? Como agir e se preparar para conviver urgentemente com condições climáticas que cada vez mais serão adversas?
Socorro Neri: De fato, vivemos já esta crise e ela é muito grave. Nós temos vivenciado esses efeitos e, de fato, requer uma atuação mais enérgica, urgente, séria, responsável. A Cop-30 que será sediada em Belém nos dará uma grande oportunidade de pela primeira vez num bioma extremamente importante, digo, não é o único e não deve ser o único. Os outros biomas também são igualmente importantes e também precisam ser preservados, cuidados, para garantir o equilíbrio, mas nós precisamos olhar que essa COP vai se realizar pela primeira vez nessa região e desse bioma tão falado no mundo inteiro, que é na Amazônia. De modo que, nós estamos com a expectativa muito positiva de que ali em Belém, em 2025, nós tenhamos uma COP para de fato estabelecer novas diretrizes, novas normas, novas metas e que essas novas metas sejam efetivamente cumpridas. Coisa que não tem sido. Os países precisam, cada um deles, fazer o seu dever de casa e o nosso país também precisa fazer o seu dever de casa. A começar por essa superação do negacionismo, que ainda impera aqui no Congresso Nacional e em setores importantíssimos da economia e que nós esperamos que esses setores comecem a olhar com a possibilidade, inclusive, de aumentar a sua produtividade, rentabilidade, buscando conciliar com a necessária sustentabilidade ambiental e climática.
“Nós precisamos ter responsabilidade e, eu digo sempre, nós precisamos agir com a ética da responsabilidade e da urgência, que esta questão nos impõe”